segunda-feira, 29 de março de 2010

O meu encontro com Pu-Jie o irmão mais novo do Imperador da China


Estava no meu gabinete da empresa chinesa em Hong Kong aonde trabalhava, no 52º andar de uma torre na Central, quando nessa manhã, ao passar os olhos pelo South China Morning Post, deparo com uma pequena notícia de fundo de página, anunciando a estadia na Colónia, de Pu-Jie, o irmão mais novo do último Imperador da China, Pu-Yi.

Tinha lido a autobiografia do Imperador Pu-Yi, largamente encorajada por Mao e Zhou Enlai para que a escrevesse, chamada “ From Emperor to Citizen” e visto inúmeras vezes o magnífico filme de Bernardo Bertolucci “The Last Emperor”.

Vivendo e trabalhando na China, não podia perder a oportunidade de tentar falar com Pu-Jie. A notícia referia que estava instalado num modesto hotel, o “Lu Kwok” em Causeway Bay, não muito longe de onde eu estava.

Pus a minha secretária chinesa a falar para o hotel na expectativa de marcar antecipadamente uma visita, mas todas as vezes que ela tentava dizer o nome dele para a telefonista passar a chamada para o quarto, a resposta era a de que não estava ninguém registado com esse nome.

É preciso fazer aqui uma pausa e explicar o que eram “essas doces criaturinhas chinesas” a que chamávamos secretárias! Falavam um inglês macarrónico, aprendido nas escolas chinesas de Hong Kong – faça-se justiça à colonização britânica a qual para além de muitos outros aspectos positivos, obrigou a maioria dos residentes chineses na colónia a aprenderem a falar, escrever e ler na língua da velha Albion, - ao contrário da administração portuguesa em Macau.

Com o sistema de memorização utilizado na educação escolar chinesa, tudo quanto fosse para além do metricamente correcto em termos de sintaxe inglesa, as secretárias só pensavam em chinês e explicar a uma jovem de 18 anos, inculta em termos de história do passado do seu país, quem era tão excitante personagem a quem eu queria falar, era mesmo tarefa impossível.

Por mais que lhe tentasse dizer que se tratava do equivalente a imperador, rei, chefe ou governador (dando como exemplo o título do Governador de Hong Kong)………nada, sobretudo porque do lado da recepcionista do hotel a ignorância era ainda maior, aliada ao total desinteresse em identificar hóspedes num albergue muito modesto, em que o salário devia, presumivelmente, ser nada motivador para este tipo de serviços extras.

Desesperado, resolvi tentar lá ir directamente na manhã seguinte, arriscando que pudesse não estar por ter saído ou não me quisesse receber, ou até, ter uma barreira de protecção oficial, sei lá o que pensei, mas nada me demoveu!

Aproveitei o resto do dia para refrescar a minha informação sobre Pu-Jie e preparar umas quantas perguntas que gostaria de lhe fazer. Foi uma busca intensa, excitante e uma noite vivida com enorme ansiedade.

Fui reler tudo quanto tinha nos meus livros e fui comprar mais uns quantos sobre a China Imperial e um dos episódios curiosos que logo respiguei nas memórias foi o de que quando o trouxeram em criança para o Palácio Imperial para ser o companheiro de jogos e de infância do seu irmão o Imperador, numa das suas aulas com o preceptor escocês R.P.Johnston, Pu-Yi arremessa um objecto contundente para cima do irmão quando reparou que num dos forros da cabaia de seda de Pu-Jie a cor predominante era o amarelo, a qual era tradicionalmente reservada exclusivamente para o Imperador. Já naquela altura e de tenra idade o seu poder e temperamento eram quase “divinos”!

Na manhã seguinte dirigi-me para o “Lu Kwok” hotel em Causeway Bay. Tinha tido o cuidado de pedir na Livraria aonde comprara na véspera vários livros sobre Pu-Jie, que me escrevessem num papel o seu nome em mandarim, o que veio a verificar-se de grande ajuda, pois na recepção do hotel e sem a menor hesitação, indicaram-me o número do quarto e o andar. Confirmei o que já tinha lido, de que desde a implantação do comunismo de Mao, Pu-Jie tinha passado a ser mais um cidadão sem nenhuma importância devida ao seu estatuto no passado.

Ainda hoje recordo a emoção que senti ao ousar ir ao encontro de um personagem, pese os acontecimentos políticos que provocaram a sua queda em desgraça, que não deixava de ser descendente de dinastias milenares que governaram o Império do Meio e irmão do último Imperador da China!

MNA

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