segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O PENINHA E A VISITA DOS REIS DE ESPANHA AO PORTO





O Peninha comprara uma vez em Badajoz, uma capa à espanhola com alamares, que lhe tinha custado uma fortuna. Um dia haveria de servir, dizia sempre!

E eis senão quando lê nos jornais que os Reis de Espanha visitavam oficialmente Portugal, começando pelo Porto. Ainda tinha para lá a prima Indalécia que morava na Ribeira numa casa modesta mas que valia um fortunão. Estava na moda a zona e já tinham oferecido bastas centenas de milhares de euros pelo espaço, mas a prima não saía dali senão morta.

O Peninha escreveu-lhe, com muitas mesuras e louvaminhices, perguntando-lhe se poderia ir pernoitar na sua casa, por uns dois dias. A razão que tinha alegado era a de que tentaria aproximar-se de Suas Majestades e deixar-se fotografar em conjunto. Prometeu à prima Indalécia que se tudo corresse bem ainda lhe arranjava uma cópia da fotografia. Sempre seria uma honra que poderia partilhar na vizinhança.

O diabo é que a prima era republicana dos sete costados e os avós operários tinham sido fervorosos participantes na implantação da república. Mas como não via Peninha há muito tempo, assentiu com bonomia. Morava sozinha, já ia nos 80 e tinha amealhado uns cobres, nada lhe restava já de muito extraordinário para fazer, pelo que sempre era uma companhia do parente da capital.

O Peninha ficou encantado, e na véspera da partida, preparou com cuidado o que levaria na mala para o Porto. Para ser mais barato, ia numa camioneta da carreira, mas como hoje em dia já vão pela auto-estrada, levam cerca de 4 horas. Sempre dormia!

Abriu a mala, e começou a por num dos lados, uns slips de seda que tinha comprado no chinês, um par de meias com listas das cores da bandeira de Espanha, uma camisa de folhos (lembrou-se de touradas e de sevilhanas) e num saco de veludo pequeno levava um recuerdo de Toledo, um género de um colar com o brasão da cidade em bronze pendente que achou que ficava bem por cima dos folhos da camisa (sempre sonhou que um dia teria um colar de mérito como via o seu querido Presidente Marcelo dar aos mergulhadores nacionais – ele não era menos, caramba!)! Os botões de punho para a camisa seriam de metal doirado e esmalte com uma réplica mais pequena do galo de Barcelos da Joana Vasconcelos ( o disparate do tamanho da obra exposta junto ao Tejo, o que diriam Suas Majestades?). No fundo era português, era preciso demonstrá-lo com orgulho.

Hesitou se devia usar um bolero em tafetá preto, com a frente cavada fazendo ressaltar os folhos, mas como no Porto está frio, tendo decidido levar a capa à espanhola que era forrada a lã, iria sem nada por cima da camisa. Como calças levava umas presas ao joelho, para deixar ver bem as meias coloridas e de riscas.

Tinha comprado no chinês um perfume de uma marca conhecida, mas falsa, que ele próprio achou que deitava um pivete medonho…era de muito má qualidade, mas paciência, era o que tinha.

Na cabeça levaria uma boina do país basco, com as armas reais presas num alfinete. Daria sainete.

Finalmente, como botas tinha encontrado umas com que fizera a recruta: estavam cambadas e em mau estado, mas ninguém, no meio da multidão iria reparar e olhar para os pés. Deixou-as no sapateiro para ele as engraxar e o raio do homem, levou-lhe € 4.00, mas brilhavam…lembrou-se de uma frase fascista : - cara al sol, mas com os diabos a Espanha era democrática!

O Peninha achava-se monárquico pelo gosto do brilho dos Reis e da Nobreza, fossem eles de que país fossem, das capelines (tinha aprendido numa revista espanhola que ele comprava religiosamente todas as semanas – a iola – ) e sabia o que eram escarpins e zibelinas, e boás, que nada tinham a ver com as boasonas que lá vinham, e das luvas de pelica e até das carteiras do Loéve…era um nome do catano para dizer, mas em Portugal o seu monarca era o Presidente Marcelo. O jeito que ele tinha para se dar ao povo, como os reis devem ser como uns pais para a plebe, esperto, bem vestido, inteligente, com humor, sabendo o que dizer…não tinha comparação. Depois ouvira dizer que um fadista era o pretendente! Achava isso muito reles, agora depois no palácio real o rei por-se a dedilhar uma guitarra…ainda podia aparecer a Severa e era um escândalo.

Chegou ao Porto no Domingo pelas 7 horas da tarde, foi directo para casa da prima Indalécia, que o recebeu de braços abertos. – Ó filho, quem te viu pequeno e agora estás um homem! E muitos beijos e abraços. Que entrasse que lhe tinha preparado umas tripas pois estava frio. Esta moda das francesinhas, não era com ela.

Peninha, que era pouco dado às coisas do Porto, disse logo que preferia as portuguesas às francesas! A prima Indalécia achou muita pilhéria e riu-se a valer.

Ficaram à conversa até tarde, mas Peninha vinha cansado da viagem e queria dormir pois no dia seguinte, era dia de festa e queria ir impecável.

Levantou-se cedo, veio tomar o café-da-manhã e deu dois dedos de conversa à prima Indalécia, sempre era o mínimo. Na véspera tinha-lhe contado do traje que iria levar e a prima, mulher experimentada e já com o rabo pelado, achou que era inapropriado e tentou dizer-lhe de mansinho…mas ele nem deu por isso.

Tomou um rico banho, perfumou-se e manteve a barba de dois dias (sempre levava a boina basca, com o raio), e começou a vestir-se com volúpia. A cada peça de roupa mirava-se ao espelho. As cuecas de seda beije moldavam-se ao sexo e suportavam-no com comodidade, a camisa dos folhos fora passada a ferro com goma e estava entufada. Vestiu as meias listadas com as cores reais de Espanha, depois as calças que apertavam nos joelhos, calçou as botas que pareciam um espelho de engraxadas que estavam, pôs o colar de Toledo ao peito, e depois de pôr a boina às três pancadas, rodopiou e pôs a capa sobre os ombros.

Inchou de orgulho e desceu. A prima Indalécia, de olhar pasmado, só dizia – valha-te Deus, Peninha, valha-te Deus! Peninha tomou como um elogio de êxtase e saiu porta fora, não sem antes ter pedido à prima que lhe emprestasse um alho-porro do São João ( destes de plástico verde-alface) pois tinha a ideia que quando chegasse ao pé dos Reis de Espanha, se fosse bem recebido, seria engraçado dar com ele na cabeça da Rainha ( o Rei é muito alto, e a Rainha sempre foi do povo, havia de perceber).

Tomou um ónibus para os Aliados e reparou que toda a gente o mirava: pensou inbejosos! (que eles dizem os “v” pelos "b”) e não ligou, mas o próprio motorista lhe perguntou para aonde ia assim bestido. Que ia esperar os Reis de Espanha, respondeu ufano da sua importância.

Mal chegou à Praça, saiu do autocarro e avançou imponente para a cerca de metal que protegia da zona oficial, o povoléu assistente.

Já lá estava muita gente e por isso foi a custo que se foi chegando para a frente. Ouvia uns risinhos que o incomodavam e um grupo de mitras, começou a insultá-lo. Não ligou e ficou expectante que Suas Majestades chegassem.

Entretanto, apareceu a polícia e as demais autoridades e havia uma apertada segurança por causa dos atentados. Ouvira dizer que, mesmo entre a multidão, estariam agentes da polícia secreta, disfarçados e à paisana.

De repente, sentiu-se segurado pelos braços e quando olhou, dois matulões fortes e grandes, sem serem fardados, afastaram-no do sítio aonde estava e perante o ar atónito da multidão, empurraram-no para o chão.

- Porco basco, un atentado, verdad? – disseram-lhe em espanhol e quando Peninha, se propunha responder, apalparam-no todo, encontraram o alho-porro, arrancaram a boina e despiram-lhe a capa.

Contra uma parede de braços levantados e de camisa branca, ouvia a multidão gritar: - al paredón, al paredón!

Foi levado para os calabouços da polícia municipal, atirado para uma cela, e quando só mais tarde conseguiu tudo explicar, Sua Majestades já tinham partido para Lisboa!

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