Mencionei atrás a solidão do poder.
Havia
um acordo entre mim e os trabalhadores: para o mercado e para os
clientes tudo tinha que continuar a funcionar, desde a limpeza e
qualidade do alojamento nas torres e apartamentos, manutenção impecável
do golf, piscinas, restaurantes, até ao ambiente que devia pairar em
Tróia e em todo o complexo da Torralta.
Eles sabiam que o parco “cash-flow” que pudesse entrar seria devido à continuação de “business as usual”!
As
caldeiras avariaram-se e nas torres, sem aquecimento bem como água
quente, significava o encerramento da actividade. Até ali ninguém tinha
sido despedido.
Recebeu-se uns dinheiros de receitas antigas que davam ou para pagar o arranjo das caldeiras ou um mês de salário para todos!
Nas
reuniões comigo a pressão maioritária dos trabalhadores e dos
sindicatos era a de pagar, pelo menos, um ordenado: havia famílias
estranguladas de dívidas aos bancos, aos vizinhos, sem dinheiro para
comer, um sem número de razões atendíveis.
Por
outro lado sem caldeiras, os meus planos de recuperação que estava a
discutir com o Governo iam “por água abaixo”! Kaput, finito não haveria
investidores interessados se tudo se degradasse e deixasse de estar
ocupado, mesmo com níveis baixos. Entretinha as “gentes”, dava-lhes uma
razão para continuarem.
Ouvi os meus colegas
da Administração, consultei alguns “sábios” que sempre me aconselharam
nos momentos difíceis e por último os trabalhadores e sindicatos.
Ninguém tinha uma opinião segura, certa e maioritária.
Decidi
jantar no meu apartamento, que era uma penthouse com uma vista soberba
sobre o mar. Um fim de tarde em silêncio e deixando a cabeça descansar.
Desliguei-me do “mundo” e realizei como estava só, e como a decisão
dependia a partir dali, exclusivamente de mim. A tal solidão do poder.
Decidi interiormente da forma como tinha estado a reflectir durante o
dia, pesei os prós e os contras e fui dormir. Sono reparador.
Levantei-me cedo, fui correr pela praia, tomei um banho e vesti-me e sentia-me perfeito e tranquilo.
Convoquei
os trabalhadores e a imprensa que me esperava e anunciei que o dinheiro
disponível iria para o arranjo das caldeiras. Com doçura e emoção
lamentei o desapontamento que esta decisão iria criar nas expectativas
de todos, mas um mês, de facto, nem resolvia os problemas financeiros de
cada um e pelo contrário agravava qualquer solução de resgate que
estivesse a negociar.
Não vos maço com o que
se seguiu de protestos, greves, incompreensão….tive a satisfação de
encontrar apoio nos que mais precisavam, pois uma vez explicadas as
razões, sentiram a eventual justeza da minha decisão. Senti-me só, muito
só e para que serve o poder quando nos sentimos cães lazarentos a
lamber as feridas, sem festas?
Estranho que passados estes anos todos, ao escrever isto ainda sinta uma sensação de incómodo e desconforto!
Um
primo meu, o General Carlos Azeredo, era o Chefe da Casa Militar do
Presidente Soares, que mantinha péssimas e intratáveis relações com o
Prof. Cavaco Silva, Primeiro-Ministro.
Estava,
mais uma vez, numa interminável reunião com o plenário dos sindicatos,
quando a secretária me trouxe o telefone dizendo-me que era uma chamada
urgente de Belém.
O meu primo anunciava-me que
o Presidente Mário Soares queria visitar a Torralta com a imprensa e
televisões e falar com os trabalhadores com atrasos nos salários.
(continua)
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