sexta-feira, 28 de setembro de 2012

His Excellency regrets

«His Excellency regrets
That owing to an attack of Gout
He really dare not venture out
On Saturday to dine.
His Excellency regrets
That owing to doctor's orders he
Cannot attend the Mission tea
And also must decline
Your kind invitation
For Wednesday week.
A slight operation
And poor circulation
Combined with a weedy physique
Has made him unable to speak.
All this in addition to what
The Doctors describe as a ‘Clot'
Which may disappear
By the end of the year
But may, very possibly, not!
His Excellency regrets
That owing to his exalted state
He can no more associate
With amiable brunettes.
Walk up-walk up-we're willing to take your bets
That that's one of the principal things His Excellency regrets!».

N. Coward

Episódios picarescos da visita oficial à Serra Leôa - a chegada (parte 3)




Cheguei pelas 5h da manhã a Freetown, numa aurora com uma chuva tropical de rara beleza que só África proporciona, e senti-me mais seguro por estar em terra. Devo confessar que a viagem de avião correu bem e foi normal.

Esperava-me um rapaz que não teria mais do que 30 anos, de fato cinzento leve e razoavelmente bem cortado e como uma gravata clássica.

Apresentou-se como o Chefe do Protocolo do Estado e encaminhou-me para um corredor VIP para Diplomatas.

Quando cheguei ao local de fiscalização alfandegária, havia uma espécie de balcão comprido aonde se pousavam e abriam as malas. Estavam estendidos dois jovens funcionários africanos meios adormecidos pelo cedo da hora, mas que acordaram mal me viram tendo-me displicentemente dito “open it…” referindo-se à minha mala!

O Chefe do Protocolo indignado e aos pulinhos disse com uma voz esganiçada:

- He is a VIP, a diplomat, a doc….(Dr.) ahahaha – e eles nem se mexeram e com a cabeça voltaram a mandar-me abrir a bagagem.

Acalmei-os a todos, mostrei os meus documentos oficiais e disse-lhes que podiam inspeccionar tudo.

Ao depararem com tanto “ouro” dos presentes de filigrana falsa, os olhos brilharam por uns momentos e senti que lhes passou pela cabeça poderem roubar-me ou apreender-me os bens.

Aí, tive um acesso de fúria e falei forte afirmando que se ousassem ficar com alguma coisa, como se destinavam ao Presidente da República, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro das Finanças, seriam por mim identificados e apresentaria queixa.

Abriram um grande sorriso na cara e disseram-me para fechar a mala e passar, pois não havia nenhum problema. O meu anfitrião estava indignado e a caminho do seu carro, não parou de me pedir desculpas.

O automóvel era indescritível! A má qualidade, a vetustez e mau estado do interior bem como a modéstia do modelo diziam do estado do país. Nem sequer era um carro oficial, era o dele!

Naturalmente que fui amável e não fiz qualquer comentário e nem sequer teria havido justificação para tal, pois ele nem realizava o inusitado da situação.

Andávamos a 30km/h e ele explicou-me que o motor era velho, que não havia peças de substituição e que sobretudo não havia carros novos pela simples razão de que não havia dinheiro para os comprar. Excepcionalmente alguns dos Ministros tinham carros oficiais mas muito antigos. A estrada era cheia de buracos e o alcatrão estava sumido. O aeroporto fica numa ilha e levámos umas boas 2 horas para chegar ao centro de Freetown. Uma estupada!

Foi-me falando do programa da estadia, inquiriu em que hotel tinha decidido ficar, aprovou a minha escolha e de repente oiço perplexo perguntar-me se eu tinha algumas “libras esterlinas” que lhe pudesse dar! Nem percebi muito bem o que me tinha dito e ele voltou a repetir, acrescentando que o salário de Embaixador era muito modesto e nem sempre era pago e que tinha uma família a seu cargo e não tinha dinheiro suficiente para os sustentar!

Fiquei sem palavras e ousei perguntar quanto seria? Respondeu-me que 30 libras seriam suficientes…Nem hesitei, vinha de Londres, tinha-as no bolso e entreguei-lhe sem mais delongas.

Ficou gratíssimo e comovido, parou o carro e abraçou-me com força dizendo que estaria à minha disposição para tudo quanto eu precisasse durante a estadia.

Deixou-me no Hotel, despediu-se e foi-se…nunca mais voltei a vê-lo durante a estadia. Calculo que tenha ficado em casa a gozar de alguma folga com a minha parca contribuição.

Desfiz a mala, despi-me e pus um fato de banho e fui directo ao mar e mergulhei. A temperatura da água era fantástica e limpa e nadei durante bastante tempo e passei uma boa parte da manhã gozando da praia, de areia fina e branca.

À hora do almoço fui para a piscina, comi qualquer coisa voltei para o quarto e caí redondo na cama aonde adormeci e só voltei a acordar a meio da noite com as horas todas trocadas.

Estava imenso calor, o ar condicionado não funcionava pois não havia electricidade…vim a saber que como o sistema eléctrico do país é abastecido por enormes geradores a gasóleo, nem sempre as contas são pagas e por isso há um racionamento, especialmente de noite, desligando o fornecimento em hotéis e outros locais aonde não se torne indispensável.

Estava uma lua esplendorosa que iluminava a relva em frente do quarto e fiquei ali umas horas em silêncio olhando para as estrelas tentando identificar tudo quanto me lembrava de ter estudado, até que voltei a adormecer.

(continua)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Episódios picarescos da visita oficial à Serra Leôa - a viagem (parte 2)




Chegado a Gatwick dirigi-me ao balcão da British Airways que fazia o handling da Sierra Leone Airlines.

Apresentei o meu bilhete a uma gigantesca garota preta, com um uniforme da linha aérea, em que a única coisa que me lembro era o detalhe de um lenço com as cores da companhia posto à volta do pescoço como se fosse um cachecol para trás. Em hotesses esbeltas daria seguramente alguma graça e elegância, mas com aquele pescoção, ficava um horror!

Sobretudo a parte que mais me preocupava era o tamanho da aeronave, com capacidade talvez para umas 100 a 120 pessoas e os pilotos…Santo Deus! Arrependi-me mil vezes de ter cedido a um dever “patriótico” de voar na companhia do país que me “convidava”, mas fiquei um pouco mais reconfortado quando me disseram que eram jordanos! Sempre seriam melhores e com mais experiência, pensei para mim, sei lá se com justeza!

Eu era o único branco a bordo e como teria o Chefe do Protocolo de Estado à minha espera no aeroporto de Freetown, achei que devia ir de fato e gravata. Pensei nas mordomias do avião presidencial americano “Air Force One” e de como teria mil vezes preferido ir de jeans e tee-shirt e quase à chegada, tomar um duche e sair impecável pelas escadas abaixo, num certo passo de corrida. 

Dizem-me que por causa do eleitorado feminino americano, os Presidentes, quando viajam e saem dos aviões têm que descer lépidos as escadas, aparentando energia e leveza para atraírem sexualmente as suas potenciais votantes! Só na América!

Começou o embarque e qual não é o meu espanto quando me apercebo que os passageiros vinham carregados de galos e galinhas dentro daqueles cestos de vime iguais aos de cá, com a cabeça e cristas de fóra (pensei como seria bucólico acordar nos ares ao som de um cócóricócó das galinhas inglesas, coitadas, com as horas trocadas por cima do Atlântico), ovos e todo o tipo de comida possível e inimaginável, pois, como me explicaram, eram estes produtos muito mais baratos no Reino Unido e nas terras deles lá para o interior, tudo isto era um luxo e nem sempre havia.

Fiquei como sempre numa cadeira de coxia (manias de claustrofobia e no fundo tenho sempre mais espaço para estender as pernas) e os meus vizinhos eram um casal novo com imensas compras das referidas acima, que não se calavam um minuto. Riam-se muito para mim com um ar simpático e eu lá lhes retribuía, calado, pois teríamos tempo de conversar, estava seguro, pois com tanta bicharada de capoeira por cima da cabeça, a noite seria passada em branco – uma directa!

De facto, às tantas perguntaram-me se era a primeira vez que visitava o seu país ao que respondi afirmativamente, o que lá ia fazer e por quanto tempo. Acedi a revelar o meu estatuto diplomático e aproveitei para lhes fazer umas perguntas de algibeira, pois tinha conseguido coligir muito pouca informação sobre a Serra Leôa.

Assim, ele era filho de um “paramount chief ” de uma tribo grande no interior e tendo-lhe eu perguntado quais eram verdadeiramente as funções e o estatuto desse título, foi com orgulho que ele respondeu que eram “príncipes ou reis” como os de Inglaterra e que tinham enormes poderes sobre os seus súbditos. 

Tinham que arbitrar disputas, tratar dos casamentos arranjados e de órfãos e viúvas, assegurar a comida e a defesa para toda a tribo, representá-la junto das autoridades e de outras tribos, e serem servidos, não por uma certa forma de escravatura mas como compensação de tudo a quanto se dedicavam com altruísmo e sabedoria de gerações em gerações que passavam de pais para filhos.

Havia toda uma organização administrativa local espontânea, que funcionava e quando alguém não era apto para o cargo, era substituído pelo familiar mais próximo, depois de testadas as suas capacidades. 

Eram assistidos pelo curandeiro/feiticeiro que funcionava como o médico local e por toda uma série de cargos menores que se ocupavam da descentralização das funções da cúpula.

Achei tudo aquilo muito interessante e fiquei muito honrado quando depois de uma boa hora de conversa, o meu vizinho me convidou para visitar a aldeia dele e o seu pai, a que acedi com prazer e reconhecimento.

A dita hospedeira veio-me perguntar se eu jantava e tendo-me posto uma mixórdia à frente, confessei-lhe que estava enjoado e me sentia muito cansado. Achei,só pelo aspecto e cheiro, incomestível. Os meus vizinhos perguntaram-me polidamente se eu me importava de lhes ceder a minha porção o que fiz com todo o gosto.

Depois tombei num sono reparador, ainda que com um barulho de fundo cada vez menor de galináceos desassossegados pois deviam estranhar o ruído dos motores, bem diferente de uma pequena quinta verdejante em Leeds, digo eu, aonde com tranquilidade punham os seus ovos e galavam os ditos galos.

(continua)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Bora lá!


Hoje, segunda feira começa uma outra semana que vai passar a correr.

É tempo de pensar em como poderá ser diferente para mim e para os outros. Estamos num país desastrado, em que eu acho, mas isto sou eu, que os governantes não sabem bem o que fazer.

Depois, a cada dia fecham lojas, empresas, entra mais gente no desemprego e sobretudo, esse é o drama principal: há gente que quer trabalhar, ganhar honradamente um salário e ocupar o seu dia e NÃO PODE, PORQUE pura e simplesmente NÃO HÁ!

Este dedo da fotografia está apontado para mim, para ti e apela-nos a fazer qualquer coisa. Não tanto fazer revoluções, nem actos grandiosos e de grande visibilidade. Só nos impele a mudarmos um pouquinho o nosso comportamento esta semana, vá! 

A próxima logo se verá!

Talvez na disposição interior, como, perguntarão? Pensando menos nas queixas permanentes. Quiçá na ocupação do tempo, como? Lendo um livro em que nos embrenhemos na história e há tantos! Ou vendo um filme ou assistindo com regularidade e diariamente a uma boa serie.

Um conselho ajuizado: deixar os noticiários correrem por si próprios e não os ouvir e nem sequer querermos que nos falem deles e das suas permanentes notícias negativas. Emigrar com a mente para uma ilha aonde nem chega a internet, nem a rádio, só o deleite de se estar vivo e neste mundo.

Dedo grande e comprido bem na nossa direcção: assusta, pois interpela! 

Bora a isso!

domingo, 23 de setembro de 2012

Episódios picarescos da viagem oficial à Serra Leôa convidado pelo Presidente e Governo (parte 1)





Recebi um ofício em papel timbrado do Governo da Serra Leôa, convidando-me para visitar oficialmente o país.

Vinha, porém, numa nota de pé de página uma frase que me deixou abismado, ainda que divertido: “ It is well understood that all costs, including travel, lodgement and per diem allowance shall be borne by Your Excellency “ ( fica bem claro que todas as despesas, incluindo as de viagem, alojamento e de alimentação serão suportadas por V. Exª)!

Aqui estava eu, Cônsul Geral em Portugal a ser convidado pelo Presidente Joseph Momoh e pelo Governo a visitar a República da Serra Leôa, que eu representava em Portugal, à minha custa!

Eu era o único representante diplomático no nosso país, pois a Embaixada, neste caso uma High Commission, estava situada no Reino Unido, em Londres por ter sido, antes da independência, membro da Commonwealth.

O High Commissioner ou o equivalente a um Embaixador mas com mais amplas funções e de maior importância era de quem eu dependia directamente e neste caso, por ser na Côrte de Saint James, eram escolhidos antigos Ministros ou figuras de relevo no país.

No convite, que recebi através de nota diplomática via Ministério dos Negócios Estrangeiros, vinha o desejo do Presidente Momoh trocar mensagens de cordialidade e de estreitamento de relações com o Presidente de Portugal, que nessa altura era Mário Soares.

O “Exequatur” ou seja a aprovação simultânea da minha nomeação para representante em Portugal tinha sido assinado pelo Presidente Siaka Stevens (um dos mais prestigiados na Serra Leôa), e ratificado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Jaime Gama e assinado pelo Presidente Ramalho Eanes.

Desloquei-me a Belém e tive uma audiência com o Presidente Soares a quem informei da minha visita trocando impressões e falando da Serra Leôa, solicitando que me fosse remetida uma carta sua para entrega ao Presidente Momoh.

Assim aconteceu mais tarde e munido de todos os documentos oficiais, marquei a viagem via Londres através da Sierra Leona Airlines, um verdadeiro risco, mas barata e directa a Freetown, a capital.

Resolvi comprar uma série de presentes para dar, respectivamente, ao Presidente Momoh, ao meu “patrão” máximo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros com quem tinha também uma audiência, ao Ministro da Economia e Finanças com quem ia discutir oportunidades de investimento multilaterais e mais alguns “recuerdos” de reserva.

Dado que era eu que tudo custeava, resolvi levar, para “encher o olho” e impressionar, imitação de filigrana, e fui a uma loja de artesanato português e comprei para o Presidente uma caravela quinhentista grande, para o Ministro dos Negócios Estrangeiros um barril igualmente de tamanho significativo e para o das Finanças um baú com fechadura….um horror tudo isto, mas completamente adequado para os destinatários. Ainda adquiri mais umas pequenas bijuterias de corações minhotos e brincos, não fosse ter que encantar alguma musa local!

Apesar de ser dourado e bastante vistoso e não de ouro verdadeiro, a brincadeira ainda me custou uma “nota”, mas enfim era por uma causa justa!


(continua)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Resposta do meu primo Luis Bernardo à minha carta da rentrée

Meu Querido Manuel,

Li com muita atenção a tua carta. O que queres que te diga se tu sabes tão bem quanto eu, o que fazer.

Primeiro, é preciso encontrares paz em ti. Nada se consegue sem tranquilidade interior: fazendo uns exercícios de controlo lento e pausado da respiração, obriga-te a descomprimir.

Depois, é sempre bom lembrares-te de exercer a humildade e simplicidade nas coisas que fazes. Apaga-te um pouco e trabalha na sombra, com afinco e bravura para conseguires ser bem-sucedido: parece-me uma excelente terapia.

Em tempos de crise, todos têm problemas e por isso não será de espantar que apareças menos, pois cada um tenta sobreviver como pode e concentra os seus esforços nessa tarefa, tantas vezes difícil e dolorosa, para ultrapassar a incerteza quanto ao futuro e as penosidades do presente.

Em terceiro lugar, pensa menos em ti e nas tuas angústias e dedica-te mais aos outros, sobretudo a quem não tenha ninguém a quem recorrer. Às vezes, não precisas de sair de dentro da tua família. Há palavras de conforto, de presença mais assídua, de mudança de atitude que operam milagres e com a tua espontaneidade e percepção da realidade, um bom conselho vem sempre a propósito.

Sem sobranceria e com o desejo de acertar, nomeadamente, escutando e só no fim aconselhando. Não há cá sábios nem tu o és, por isso, tanto quanto me dizes, havendo por aí uma “troika”, é-o, porque se trabalha e abordam-se melhor os problemas em equipa, com vista a se encontrarem soluções. “It takes two to tango”!

Se visses daqui o que se passa aí, saberias que olhamos mais para a floresta do que para a árvore, ao contrário do usual. Por isso e como bem dizias, há que pairar acima das nuvens, neste caso das preocupações e aí avistarás prazenteiros prados verdejantes, rios e oceanos, a natureza na sua pujança magnífica.

Tem respeito pelo silêncio e pelas admiráveis lições do passado, daquele que vale a pena reter aonde se praticava a honra, os princípios sagrados da defesa dos mais fracos pelos mais fortes, e distrai-te, não te fixes em pontos de tormento moral e de cansaço dos outros.

Lê, passeia, conversa, estuda, trabalha e ocupa o teu tempo. Não há pior do que a ociosidade para o desequilíbrio do espírito.

E no fundo, exerce a bondade. É o mais importante.

Tenho visitado os teus Pais com frequência. Estão óptimos e entretidos com a organização de uma viagem por aqui: quem visitar, o que levar, como chegar a cada lugar e procurar estar com quem os convidou.

Nunca os tinha visto tão entusiasmados. A festa que deram a todos os antepassados e de que te dei notícia anteriormente, provocou nos que compareceram, uma chuva de convites para lhes retribuírem o gesto.

O teu Pai, sempre meticuloso e organizado, quer ter a certeza que a cada encontro familiar, conhecem tudo de todos para evitarem fazer “gaffes”. A tua Mãe, num desassossego, prepara-se para levar malões e diz com alguma razão que quando visitar o avoengo “El Cid, o Campeador”, não poderá ir da mesma maneira do que quando se encontrarem com o Avô Vasco (da Gama), bem entendido.

São “faits divers” que te conto para te distrair.

Quero ter boas notícias tuas na próxima carta. Cheer up!

Um afeiçoado e apertado abraço do teu primo

Luis Bernardo