Descobri rapidamente que tinha famílias de trabalhadores sem receberem salários há meses e uma forte presença sindical
: despachava semanalmente com cerca de 70 sindicatos, ou da UDP ou
comunistas, capitaneados por um sindicalista membro do Comité Central do
PC.
Devo dizer que foi para mim um grande
desafio e os trabalhadores sabiam que eu estava ali para os ajudar.
O
meu “patrão” era o Prof. Cavaco Silva, na altura Primeiro-Ministro.
Falava com ele e com o Dr. Alexandre Relvas e procurava-se uma solução
para um passivo gigantesco de milhões, com suspeitas de grandes
trafulhices ao longo dos anos.
O tal
sindicalista “chefe”, inteligente, bom negociador, provocador e duro
obrigava-me a discussões de um homem só contra 70 na sala grande de
reuniões da Administração à volta de uma mesa, raivosos, impacientes e
sem ordenados, sem futuro à vista e com toda a razão para estarem contra
o que eu representava. As sessões demoravam horas e eu saía de lá de
rastos, cansado, sem soluções rápidas como a situação exigia. Eram no
entanto, humanos e respeitavam-me, mas os tempos eram de luta sindical e
eu estava do outro lado.
Tinha um telefone
directo e com um número confidencial a que o dito líder sindical tinha
acesso. No fim das reuniões, telefonava-me a consolar, a louvar e a
dar-me o seu apoio e quando eu lhe perguntava furioso, porque não tinha
feito isso em público e na reunião em frente dos outros representantes
sindicais, respondia-me que era assim que tinha que ser.
Foram
tempos de aprendizagem, de conversas políticas profundas e de discussões
dialéticas mas infelizmente, sozinho, pois o Conselho de Administração
entregara-me o “bébé” nos braços e não aparecia em Tróia. Só na sede e mensalmente para as reuniões do Conselho. Portaram-se todos como uns canalhas!
Obviamente
que como Presidente, apesar de ter negociado com os accionistas o meu
salário, estive dez meses sem o receber. O exemplo tinha que vir de cima
e por isso eram solidários comigo.
Não
elaboro mais sobre esta fase, pois são recordações de tempos muito
difíceis, penosos, em que tinha a cada momento que usar de bom senso e
de fortaleza para não cair em situações de proporções temíveis.
Mas é a
vida, apesar de não ser para tudo aquilo que fui contratado, por isso é
bem verdade, “aprender, até morrer”!
Conto-vos hoje dois episódios, um de muita graça e ingenuidade e o outro em que desejo provar que o poder gera a solidão.
Existe desde há dezenas de anos, uma Instituição de grande mérito chamada “As Irmãzinhas dos Pobres” com um trabalho altamente meritório a favor dos pobres, na sua sede em Campolide.
Fosse
em que sítio fosse em que eu estivesse a trabalhar, entravam pelas
empresas adentro e pelos meus gabinetes, duas Irmãs da Caridade de
hábito, a pedirem-me uma contribuição anual, que eu honradamente dava.
Foi-se criando da minha parte uma grande amizade e admiração pela
simplicidade em como encaravam este serviço aos outros e sempre que
podia ajudava-as directa e indirectamente.
Lembro-me
de me contarem que uma noite a Madre Superiora constatou que não havia
pão para o dia seguinte, para os 400 velhinhos, nem muito menos,
dinheiro para pagar. Pelas 22h 30m, já noite escura e com toda a gente
recolhida, tocaram à porta e a Irmã Porteira foi, admirada, ver quem
seria. Sem temor, como ela me dizia depois, porque quem serve os outros
de maneira desprendida e generosa, nada tem a temer. Abriu a porta e era
uma pessoa que não se identificou e que deixou um envelope, sem mais.
Entregou-o á Madre Superiora e verificaram que era dinheiro num montante
mais do que suficiente para pagar o pão do dia seguinte. O mesmo
aconteceu com o arranjo das caldeiras….uma sucessão de gente generosa
que justifica que acreditemos no bem e o tentemos praticar assim, sem
alarde!
Vem tudo isto a propósito de no dia em
que tomei posse de Presidente da Torralta, tendo sido profusamente
anunciado na imprensa e televisão, o meu telemóvel não parou de tocar
NUNCA mais, com pedidos de “cunhas” para o reembolso dos títulos de investimento que “meio Portugal” tinha adquirido de boa-fé e que serviam só para “forrar paredes”!
Gente graúda e muitas famílias do tempo dos meus Avós, que aplicaram
grande parte das suas poupanças, na empresa dos "manos" Agostinho e José
Silva.
Ora uma tarde, a minha secretária
passa-me uma chamada da Madre Superiora, das Irmãzinhas dos Pobres que,
com uma voz alegre e prazenteira e depois de me dar os parabéns, me diz
com o sotaque espanholado:
- Senhor Presidente
estou tão contente por sabê-lo nesse lugar. (entretanto, já tinham
começado os problemas todos que acima refiro, pelo que não entendi a
alegada satisfação).
- Finalmente vamos ter
desafogo, pois uma benfeitora deixou-nos um legado de 600 títulos que
devem valer uma fortuna! Disse isto com tanta candura que suavemente lhe
expliquei que a empresa tinha um passivo de 27 milhões de contos e não
pagava salários há meses, mas prometi-lhe estudar o assunto. Não
entendeu o alcance da minha mensagem e disse que me ia mandar entregar
as acções e que esperava que eu lhe enviasse um cheque, depois. Fiquei
sem palavras!
Claro que não valiam nada, tanto
como as outras e mandei entregar um cheque meu de 600 contos. Recebo um
telefonema da Madre Superiora a agradecer-me mas dizendo-me:
- Só!? 600 contos, é muito pouco para o que contávamos.
Espero ter expiado parcialmente, sem ordenado e com despesas grandes na altura, alguns pecados que possa ter cometido!
(continua)
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