quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Lauren Bacall e eu, re-publicação de crónica na data da sua morte

Fui o último Presidente da Torralta antes de passar para as mãos de Belmiro de Azevedo e de Américo Amorim.

Os accionistas privados da holding maioritária, gente muito rica do Norte e donos de indústrias de nomeada, pediram-me para pôr a casa na ordem e tentar recuperar a maior empresa turística de Portugal.

Era um desafio irrecusável, excelentes condições pecuniárias prometidas, apoio irrestrito dos accionistas, a liberdade de levar uma equipe da minha confiança, um património invejável e com uma tradição grande em Portugal, pois quase todas as famílias tinham títulos de férias dos manos Agostinho e José da Silva.

Tróia encantou-me desde o primeiro momento, pois as praias, a vista, o cenário eram belíssimos e a Torralta tinha um património equivalente no Algarve. em termos de hotelaria e terrenos excelentemente localizados.

Tomei solenemente posse e nesse dia saíram notícias sobre o meu perfil profissional, o que se esperava de mim, tudo posto pelos accionistas nos jornais económicos e diários e tudo prometia ser um sonho.

Nessa noite, fui entretanto avisado, que teria que jantar já na minha qualidade de Presidente com a celebérrima actriz Lauren Bacall, convidada do Festróia, uma tradição de festival da empresa e com bastante projecção nacional e internacional.

Luís Filipe Menezes, Mário Ventura, o Director do Festival, e inúmeras personalidades de relevo e de vários quadrantes políticos, olhavam para mim com curiosidade e vim a saber depois, com apetite de me comerem vivo, pois era um penetra desconhecido que iria meter o nariz nas “malvadezas” que despudoradamente cometiam numa empresa que não lhes pertencia e ao arrepio dos interesses dos milhares de pequenos accionistas que eram directamente prejudicados.

Sentei Lauren Bacall à minha direita e a conversa fluiu com o maior interesse sobre música, filmes, american way of life, amor e tristeza pela morte do seu marido e grande amor Humphrey Bogart (tinha estudado à tarde e à pressa, o seu percurso artístico, os filmes, as paixões e romances e cada traço da personalidade) e foi com espanto e lisonja que a ouvi perguntar-me o que eu fazia nessa noite depois da festa. Brejeira e provocadora, sabendo eu que ela gostava de homens novos, considerei o convite como uma proposta para um encontro.

No dia seguinte, o meu primeiro acto foi chamar o Director Financeiro e perguntar-lhe quanto tínhamos em caixa, pois sabia que havia cerca de 700 ou mais funcionários e notícias veladas, falavam de problemas salariais.

A resposta do Director Financeiro foi a de que o saldo de caixa era de Euros 3,000,00! Julguei ter percebido mal e perguntei-lhe como iríamos fazer face ao pagamento dos salários no fim do mês e ele respondeu-me que não iríamos pagar, como aliás desde há dois meses para trás!

Pedi-lhe para preparar-me um orçamento de Tesouraria e informou-me que o montante dos salários a pagar mensalmente era de cerca de Euros 400,000,00!

Os meus accionistas, tinham traçado um cenário totalmente viciado e não me passaram as informações relevantes, pois escamoteavam-na dos bancos e dos credores e pensavam que ao me ocultarem no início do meu mandato a realidade, poderiam assim continuar a controlar a empresa.

Pedi para falar com o meu antecessor, Albino Moutinho, mas como foi corrido pelos accionistas, recusou-se terminantemente. Requisitei o Livro de Actas da Administração e disseram-me que tinha desaparecido.
Convidei um amigo íntimo, competente e de toda a confiança para o Conselho de Administração para ocupar o pelouro financeiro e um Advogado, também impecável e meu amigo de longa data, para Secretário-Geral.

Começava bem, com tudo minado! E isto era só o princípio, pois as peripécias foram de alto coturno, se o leitor tiver a paciência de me continuar a ler.

(continua)

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