domingo, 30 de março de 2014

The Smiths

Acabara de sair nas notícias da tarde que o Governo tinha aprovado nova legislação respeitante ao casamento dos homossexuais.

Richard Smith apressava o passo para chegar a casa antes do seu companheiro. Era um apartamento na Costa do Castelo, com um terraço e uma soberba vista sobre o Terreiro do Paço e o rio.

Ia rememorando, enquanto subia a calçada íngreme, o seu primeiro encontro em Banguecoque há anos com João André.

Eram ambos diplomatas, jovens terceiros secretários de países diferentes, e num cocktail na residência do Embaixador de Portugal, alguém os apresentou e foi um coup-de-foudre!

Que invulgar que passados uns meses, numa praia idílica do norte da Tailândia, lhe tivesse passado pela cabeça oferecer como prova de amor para com João André, uma tatuagem nas costas dele dizendo “ The Smiths”!

Era uma responsabilidade no fundo dar-lhe o apelido e depois pensara se um dia se separassem como seria?

Ainda há dias, em casa de amigos quando os apresentaram, o anfitrião disse:

- The Smiths!

MNA

sábado, 29 de março de 2014

Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso

paraíso na terra

Piscina do Hotel Caruso na bela Costa Amalfitana (Itália)


domingo, 23 de março de 2014

Amigos


Um dia a maioria de nós irá separar-se. Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,  dos tantos risos e momentos que partilhámos.   

Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.   

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.  Hoje já não tenho tanta certeza disso.  Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida.   Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas  que trocaremos. Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto  se tornar cada vez mais raro. 

Vamo-nos perder no tempo...    Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas?  Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!  

 - Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons  anos da minha vida!  A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...    

Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.  E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos. Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes daquele dia em diante.    

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a  sua vida isolada do passado. E perder-nos-emos no tempo...   

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida  passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de  grandes tempestades...    

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem  todos os meus amigos!
                                                        
Fernando Pessoa
 

sábado, 22 de março de 2014

O dentista suíço do Príncipe de Sabóia, eu e as primeiras eleições em Angola - Parte I



O dentista suíço do Príncipe Victor Emanuel de Sabóia, foi convidado para jantar no mesmo dia do que eu naquela fantástica casa no Lac Léman, em Genève, que um arquitecto famoso desenhou para os Príncipes. Duas piscinas, uma interior de água quente, e uma outra para o lago, partindo do meio da sala com janelas amplas e com uma vista deslumbrante.

O recheio riquíssimo, com o acervo patrimonial dos Sabóias herdado do Rei Umberto (quadros, joias, pratas, serviços de loiça, móveis) e com presentes únicos e propositadamente feitos para a Casa Real por manufacturas italianas famosas, tais como um armário precioso de vidro de Murano, algumas peças em mármore de Carrara, etc.

Tudo disposto harmoniosamente e numa mistura de estilos, tornando as salas muito confortáveis e criando diversos espaços a vários níveis para se estar, sempre com vista para o jardim, para o pequeno ancoradouro e para o Lac Léman.

Uma carreira de tiro privada e uma colecção de armas priceless, uma garagem cheia de carros antigos (um Bugatti precioso dos primórdios) e várias motas.

Sempre lá fui acolhido com enorme grandeza mas também com a simplicidade da rotina raffiné do dia-a-dia. O staff compunha-se de um casal de portugueses emigrantes por mim indicado, um mordomo italiano, um “chauffeur” suíço e uma comida italiana sã, despretensiosa e uma delícia. Vinhos de grandes marcas e servidos com uma abundância preocupante para a coerência e lucidez das conversas….  

Avi era judeu e um afamado dentista frequentado por toda a boa e riquíssima sociedade local. Conheci-o numa aflição de umas dores de dentes danada quando estava com os Príncipes em Genève. Foi de uma enorme utilidade e amabilidade e tornámo-nos amigos. Todas as vezes que ia ter com os Príncipes, ou jantávamos todos fóra, sempre em excelentes bistrots, ou em casa dos Sabóias, ou de amigos; mas o que eu mais gostava era quando me convidava para comermos “perches” fritas, que eu adorava, junto ao Lac Léman, num restaurante famoso desta especialidade.

Antes do referido jantar, que sendo em “petit comité” ( O Príncipe, Avi e eu) convivemos com a Princesa Marina e com o Príncipe Emanuel Filiberto, jovem imberbe e loiro (aplica-se aqui a expressão que nem uma luva), simpático mas asneirento como seria de esperar de um filho único, rico e descendente de uma das maiores Famílias Reais da Europa. 

Ficámos finalmente os 3 à mesa e a conversa iniciou-se dizendo o Príncipe que o Avi (que naturalmente tinha ligações à Mossad) teria recebido instruções dos americanos para se sondar o Presidente angolano José Eduardo dos Santos, líder do MPLA, quanto a um eventual apoio dos EUA para candidato presidencial às primeiras eleições livres e democráticas que se realizariam em Angola, após a guerra civil. 

Tomando a palavra, Avi salientou que este assunto deveria ser tratado com a maior discrição, por todas as razões e sobretudo porque os americanos tinham sempre dado apoio a Jonas Savimbi e à UNITA.

A pergunta que me faziam era se eu conseguiria através dos meus contactos, proporcionar um encontro entre um grupo exclusivo e restrito (um embaixador americano nomeado pelo Presidente Bush – embaixador político – e mais umas quantas pessoas a posteriormente indicar) e o Presidente José Eduardo dos Santos.

Os EUA não tinham embaixada em Angola, por isso a missão tinha que ser super-confidencial e sem poder falhar, dado que na comitiva iria pela primeira vez um diplomata americano e com a situação explosiva em Luanda, apesar das tréguas, teriam que ser asseguradas medidas de protecção inequívocas. 

Foi ainda acrescentado pelo Avi que o Capitólio tinha autorizado uma firma de lobby, para financiar e preparar o apoio à campanha eleitoral angolana de dos Santos, se ele concordasse, e que me tinham escolhido como elemento de ligação pois sendo português e conhecendo Angola, pessoa da confiança do Príncipe e de Avi e com provas dadas de outras missões bem sucedidas, aportaria o “grano salis”, quando porventura se quisesse americanizar demais atitudes ou decisões que não se adaptassem à cultura angolana.

(continua)

sexta-feira, 21 de março de 2014

O Luar Através dos Altos Ramos


O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
É, além de ser
O luar através dos altos ramos,
É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos.

Alberto Caeiro

Lyrica


Liberte-se sem medo, não ligue a uma sociedade de privações, faça o que o seu coração manda: afinal as mentes são literalmentes complicadas.

sábado, 15 de março de 2014

A gravata


A boa aparência não é sinónimo de carácter , muitos roubam de fato e gravata.

Marcos Sousa

quarta-feira, 12 de março de 2014

gulosa



Você é o seu sexo. Todo o seu corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas.
 
Luis Fernando Veríssimo

terça-feira, 11 de março de 2014

Dreams


Gosto daquele que sonha o impossível.

Goethe

sala de prazeres imorais


O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.

Bertold Brecht


As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem


As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física.

Friedrich Nietzsche

Cântico Negro de José Régio


 "Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio
Cântico Negro

sábado, 8 de março de 2014

dreadfully like other people


Whatever you may be sure of, be sure of this, that you are dreadfully like other people.

James Lowell, circa 1819

quinta-feira, 6 de março de 2014

le vrai bonheur


Tout le monde veut vivre au sommet de la montagne, sans soupçonner que le vrai bonheur est dans la manière de gravir la pente.

Gabriel Garcia Marquez


só de passagem


Parem o mundo que eu quero descer. Só um pouquinho!

"Parem o mundo que eu quero descer. Só um pouquinho. Não vai atrapalhar ninguém. Deixa eu descer do mundo, que tá duro demais. Ou pelo menos descer do Brasil, que, se o mundo está duro assim, este país então está insuportável... Senhores comandantes desta coisa pobre, louca, doente e suja que nem sei mais se posso chamar ‘Brasil’. Vossas excelências sabem o que está acontecendo nesta terra? Parece que não. Os senhores nunca andam nas ruas? Não veem a cara das pessoas? Estou cobrando meus direitos; porque não está dando nem para comer, nem para vestir, nem para morar, e muito menos para sonhar. Aí fica mais grave, porque os senhores não têm o direito de matar sonhos. E não venham nos pedir mais paciência. Estamos muito machucados, explorados e enganados para ter essa coisa mansa chamada paciência."

A profecia de Caio Fernando Abreu (em 1986)

imbecis


A classe política dominante trata-nos como imbecis. Se calhar, somos mesmo.

José Adelino Maltez

ora toma disto ó Evaristo!


sábado, 1 de março de 2014

I like to have a martini


I like to have a martini, two at the very most.
After three I’m under the table,
After four I’m under my host…

Dorothy Parker


Por que é que havia de me sentir sozinho?


Por que é que havia de me sentir sozinho? Raras vezes na minha vida, desde que me lembro de mim, tive um sentimento de solidão. E não me sinto mal na minha companhia, divertimo-nos muito os dois, eu e eu. Não me aborreço.

António Lobo Antunes