segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Tolerância


O meu livro “ISSA” que comecei já a escrever




                                                                                                            À minha querida,querida Mãe



Quando se é pequeno e novo e se tem a sorte de viver numa família feliz, ainda por cima com irmãos e irmãs, havia no outro regime, programas que se faziam nas férias longas do Verão que se vinham a desejar mesmo em tempos de aulas.

Viagens a países aqui perto, a Espanha, França às vezes a Itália mas como éramos 7 não se tornava confortável para o Pai que conduzia uma carrinha VW pão-de-forma, fazer muitos quilómetros porque o volante era duro e direito, apesar de o condutor ter 43 anos.

Servia de pretexto para pararmos em itinerários pré-definidos e visitámos tudo quanto era interessante de ver pois como no outro carro ia um motorista com os meus Avós e Bisavós maternos, a sabedoria era muita, divertida para a nossa idade, interessante e premiada pela estadia nos melhores hotéis e paradoros e nas capitais principais, em hotéis de 5 estrelas, os mais conhecidos e com um serviço real.

Foram por isso tempos de meninice excepcionais, afastados de qualquer passado anti-fascista até pela idade e criaram-nos até sermos mais crescidos e entrarmos nas Universidades, uma visão da realidade completamente deturpada do que era o país aonde vivíamos, a guerra no Ultramar, a censura, a PIDE, a falta de liberdade de expressão, entre outros aspectos.

A propósito, ao Domingo eu ia no carro dos meu Avós, conduzido pelo motorista, o Salvador que tinha umas fardas lindas abotoadas até ao pescoço e com um boné de pala, e que nos levava ao Colégio todas as manhãs, tendo ainda apanhado a minha Mãe novinha e fazendo a mesma coisa. Coitado, ao princípio apanhou umas vomitadelas do meu irmão António e minhas, pois íamos para o Beiral e era ele que fazia de Pai e Mãe e nós com o nervoso dos primeiros dias, lá acalmávamos pela ternura e compreensão que ele sabia ter.

Esteve lá em casa uns 54 anos e quando mais tarde morreu, fomos todos ao hospital, já ele deitado numa cama sem se poder mexer muito, mas fizemos questão de lhe dar cada um beijo, a chorar como umas Madalenas e nessa altura já eram os outros meus irmãos todos.

Era alguém da “Família” que desaparecia e que nos deixava desolados e confrontados com a morte de quem muito gostávamos e a quem moralmente muito devíamos na formação da nossa personalidade.

Vem isto a propósito de eu já ser rabiteso e a caminho da nossa casa do Estoril aonde íamos ao Domingo passar a tarde, andar de bicicleta, os Pais e Avós receberem amigos, o Salvador conduzia em silêncio e impecavelmente fardado o Buick dos meus Avós. Eu já teria uns 8 anos ou talvez mesmo mais e já tinha ouvido falar da PIDE que escutava e estava por todos os lados e tudo quanto fosse contra o regime de Salazar era proibido e podia-se ser preso.

De repente, para provocar os meus Avós, eu largava: - o Salazar é péssimo por não deixar as pessoas falar e ter espiões a ouvir tudo!

Levava uns valentes beliscões da minha Avó e o pavor estendia-se aos demais com medo do Salvador poder denunciar-nos como comunistas…..imaginem, mesmo tendo as suas ideias, que eram sobretudo as de gostar imenso da nossa Família, alguma vez faria tal coisa…

Olhando para trás, fico pasmado de ainda em 1969 os motoristas usarem bonés de pala e fardas de “príncipe” – o Salvador era um pessegão -, que cada vez que os “grandes” saíam do carro vinha abrir a porta e tirava-o da cabeça.
Trabalhando aos Sábados e aos Domingos – os Avós deixavam-no ir para casa ao Sábado a seguir ao almoço – mas durante a semana ficava de serviço para jantares fora, teatros, cinemas, etc

Foi por isso que tudo se modificou, mas devo dizer que desde que comecei a usar a massa cinzenta, tudo isto causava em mim uma grande impressão e muitas vezes chamava a atenção dos “patrões” para aliviar os horários.

Para não falar das “criadas” quer em casa dos meus Avós quer na nossa. Pelo menos 4 em cada uma e um criado que vinha servir os jantares mais formais.

Dando um salto no tempo e no Continente, sou há mais de 35 anos, Cônsul-Geral Honorário da República da Serra Leôa em Portugal. É um país que vos descreverei mais tarde, com habitantes africanos e a maioria muçulmana.

O meu livro vai-se chamar ISSA que é o nome de um dos cidadãos, rapaz ainda novo, que me considera seu pai, por achar que o salvei. Também tratarei de mais umas quantas personagens interessantes e cada uma com a sua história africana e cá em Portugal, também.

O livro é sobre eles visto pela minha perspectiva, ajuda e luta em prol da sua defesa, os hábitos e costumes. Nada tem a ver comigo, senão eu ser o “menino” que cresci e me transformei num outro ser cuja vida, fóra esta, teria muito que contar como a Nau Catrineta.

Prefácio escrito numa noite sem sono 2 dias antes do fim do ano de 2019

O Autor

POST-FÁCIO


POST- FÁCIO CURTO DO AUTOR


Tantas “coisas” que se têm passado na minha vida e de que tenho sido atento observador e participante, algumas delas talvez possam eventualmente ter algum interesse para passar a terceiros

Os livros têm momentos. Surgem de uma inspiração íntima como se uma força os fizesse explodir, acontecer.

Por boas ou más razões, por dores ou alegrias. Às vezes a tristeza é um bom incentivo.

“São as minhas confissões e, se nelas nada digo, é que nada tenho para dizer.”
Fernando Pessoa (Bernardo Soares - Livro do Desassossego)

‘Everyone “writes” in a way; that is, each person has a “story”—a personal narrative—which is constantly being replayed, revised, taken apart, and put together again. The significant points in this narrative change as a person ages—what may have been tragedy at twenty is seen as comedy or nostalgia at forty. All children “write.” (And paint, and sing.) I suppose the real question is why do so many people give it up. Intimidation, I suppose. Fear of not being good. Lack of time.’
Margaret Atwood

‘If you are expecting someone to come to tea but you’re not going to be there, they may not come, and if I were them, I wouldn’t come. So, writing a book is about receptivity and being home when your guest is expected, or even when you hope that they will come.’
Alice Walker


Em Lisboa, aos 11 de maio de 2018

Capa o meu novo livro "ISSA"


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O NASCIMENTO DE UMA NETA




O NASCIMENTO DE UMA NETA

Dizia eu ontem ao meu filho Gui que mora e trabalha em Barcelona, e que estava um bocado preocupado pelo demorar do alumbramiento da criança, que ia sentir uma alegria especial quando tivesse nos braços pela primeira vez, a sua filha, neste caso. Quem, como eu, tive 6 filhos, foi igual e diferente com cada um, um misto de orgulho, de alegria e de responsabilidade.

Mais tarde, quando vão crescendo, tantas “untold stories”, noites mal dormidas, doenças típicas mas passageiras, idas a correr ao hospital, estudos, carácter, asneiras, e até desastres, que não contamos e guardamos para nós. É assim um capital de amor que temos em reserva e que gostaríamos pudesse vir a ser aplicado quando já estivermos mais velhos.

Só por este momento do nascimento de um filho/a vale a pena viver!