Nunca pensei que a visita
a prisões me pudesse provocar profundas transformações na minha maneira de
encarar a noção de culpa.
Estas duas aulas
semanais de duas horas cada, que dou a reclusos estrangeiros de alta segurança,
puseram-me em contacto com pessoas de várias nacionalidades. Assim sendo as
aulas são faladas simultaneamente em inglês, francês, espanhol e esporadicamente
em italiano. Sem referir claro que também falo em português, pois o objectivo é
o ensino da nossa língua para adultos estrangeiros.
O primeiro embate foi
tremendo, pois apesar de já ter no passado feito este tipo de voluntariado em
outras prisões e ir começar a partir de Setembro um projecto piloto para as
reclusas de Tires, nunca tinha entrado numa prisão de Alta Segurança do Estado.
Tenho um pouco de
claustrofobia, mas nada de perder o domínio, mas detesto uma série de coisas
que não vou mencionar aqui pois não é de mim que quero falar, por isso quando
na primeira aula me encontrei fechado a sete chaves numa sala não muito grande,
com guardas do lado de fora, com uma câmara permanente de vigilância, tive um
certo baque interior.
Não me preocupava a
segurança com os reclusos que iria conhecer, pois o Director dissera-me que
tinham sido escolhidos a dedo. Eram inteligentes e tinham penas elevadas e
complicadas.
Tinha dado aulas de
Direito na Universidade e no Liceu de Macau, quando lá vivi e trabalhei em Hong
Kong. Nunca, porém, a principiantes. Mas gosto de desafios e não me tenho saído
mal, pois eles progridem e já vou falando mais em português, sinal de que estão
a absorver os ensinamentos.
Na última meia hora de cada aula,
deixo tempo para conversarmos sobre tudo sem restrições.
Como me apetece tratar
este tema para poder captar um maior interesse de potenciais interessados/as em
me ajudarem num projecto de que vos falarei mais adiante e tentar consciencializar
a sociedade civil para a reinserção social após o termo do cativeiro, terei que
usar da minha criatividade e imaginação para relatar o que vou presenciando,
sentindo e o que proponho para melhor ser bem sucedido nesta minha tarefa tão
reparadora, sem contudo por em causa a confidencialidade de tal actividade.
Tenciono publicar uns
contos sobre o testemunho do que for observando, mas reconheço que este é um
tema que incomoda, provoca sensações contraditórias e tende a que as pessoas,
tal como em relação à morte, sintam uma certa repulsa e tentem afastá-lo da mente.
Pois eu sinto-me impelido
a extravasar sem temor o que me tem feito bem, me tem limpo a alma e a cabeça,
me expele preconceitos, me impõe maior tolerância e rigor na análise das
motivações dos actos dos outros e enfim me ajuda a aperfeiçoar os meus
sentimentos.
Garanto-vos que a cada
vez que lá vou, consigo desligar-me das minhas preocupações, problemas, estados
de alma, angústias e tão só pela simples razão de que me esqueço de mim
próprio.
É um bom exercício de
humildade, entrega e despojamento o que é importante pois não há tentações do ego para
me vangloriar. Não há tempo e o que se observa é tão vasto e complexo, que
quando se sai e se volta a respirar o ar livre, é como se trouxesse um aviso
para olhar para a minha vida e triar o essencial do acidental.
Os/as minhas benevolentes
leitoras do blogue e facebook impelem-me a escrever e por isso encaro este desafio como mais um motivo de
ocupação dos meus escassos tempos livres.
Ler e escrever sobre o
que se observa é um meio-caminho para um fim de vida mais tranquilo, quase como
que um abandono leve e suave á inesperada vinda da morte. Quase nada fica para fazer que
não tivesse passado por um crivo de maior rigor e serenidade na análise. O resto
são minudências…
Por isso, em guisa de
apresentação, deixo aqui o habitual (continua) quem sabe com que cadência, mas na
certeza de me apetecer mergulhar nesta apaixonante crónica da liberdade, que
tão difícil e dolorosa parece ser de alcançar para quem está em reclusão.
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