terça-feira, 14 de junho de 2011

Memórias do cárcere (9) a aldeia tribal


Partimos, Manuel Candeeiro de Deus e eu, numa madrugada daquelas de África aonde a terra ainda cheira à noite, de autocarro para a tão almejada visita à sua aldeia natal.

Os meus pais discordaram totalmente deste meu empreendimento até ao último minuto. Mandei Manuel dormir fora de casa na véspera para não ser confrontado com esta afronta. Viria ter comigo logo cedinho no dia seguinte. Acho que percebeu a intenção e disse-me mais tarde que ficara muito grato.

O meu pai, antes de se deitar foi ao meu quarto e deu-me alguns bons conselhos de experimentado pisteiro e ao beijar-me, desejou-me boa viagem. Não fez mais comentários. Senti que tinha compreendido no seu íntimo que esta minha amizade por Candeeiro de Deus era fruto do abandono a que me votavam e que tanto eu como o meu preceptor africano sabíamos o lugar de cada um, sem mais consequências.

Já a minha mãe tinha feito uma cena e dito que estava a tomar uma atitude impensável de alguém da nossa classe. O que diria a sociedade, os amigos e até o perigo para um branco de se aventurar no meio de uma aldeia nativa?

- Disparates ofensivos do pobre Manuel! Como se de repente se preocupassem pelo meu bem-estar! Nunca me ligaram bóia tendo sido ele o meu verdadeiro pai e mãe – disse enfadado e sem mais discussões.

No caminho, no autocarro fui fazendo perguntas sobre a vida na sua aldeia.

Disse-me que possuem uma maneira própria de organizar a vida. Entre eles tudo é dividido com o objectivo de fazer com que a aldeia funcione harmoniosamente. A divisão do trabalho, por exemplo, segue basicamente critérios de idade, sexo e acumulação de conhecimentos e de cultura.

Segundo me explicou Manuel Candeeiro de Deus as funções e divisão do trabalho na aldeia passa-se da seguinte maneira:

- Os homens adultos são responsáveis pela caça de animais selvagens. Devem garantir a protecção da aldeia e, se necessário, participarem e arbitrarem nas disputas com outras tribos. São os homens que também devem manejar as ferramentas, instrumentos de caça e pesca e a construção das casas.

- As mulheres adultas cuidam dos filhos, fornecendo-lhes alimentação e os cuidados necessários. Também cuidam da agricultura da aldeia, plantando e colhendo as culturas. As mulheres também devem fabricar objectos de cerâmica (vasos, potes, pratos) e preparar os alimentos para o consumo. Devem ainda apanhar os frutos, fabricar a farinha e tecer as redes de pesca (artesanato).

- As crianças, ou seja, os rapazes e raparigas da aldeia, também têm determinadas funções. As suas brincadeiras são orientadas para a aprendizagem prática das tarefas que deverão assumir quando adultos.

- Há o chefe político e administrativo que é experiente, devendo manter o bom funcionamento e a estrutura da aldeia.

- O curandeiro possui um grande conhecimento sobre a cultura e a religião da tribo. Conhece muito bem o poder das ervas medicinais e actua como uma espécie de “médico” da aldeia. Mantém as tradições e repassa-as oralmente aos mais novos. Os rituais religiosos também são organizados por ele.

Além de trabalharem, também se divertem. Fazem festas, danças e jogos. Porém, estas formas de divertimento possuem significados religiosos e sociais. De entre os jogos, por exemplo, destacam-se as lutas. Estas são realizadas como uma forma de treino para desenvolver a parte física.

(continua)

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