quarta-feira, 15 de junho de 2011

Memórias do cárcere (10) o Maserati Spyder descapotável


Não conseguia dormir. Vinham-me à cabeça dois pensamentos igualmente dolorosos: a minha companheira e a minha morte previsível, um dia!

Conhecia-a uma noite, numa festa do Polana. Estava no relvado à volta da piscina, rodeada de vários rapazes e conversava animadamente.

Nessa altura eu tinha acabado um namoro de 3 anos com uma péssima companhia, uma mulher linda mas perversa e inteligente. Estava cansado da relação e procurava sexo e tranquilidade.

Márcia, era pouco mais baixa do que eu, com uns cabelos longos caídos sobre os ombros e uma figura esguia e elegante. Vim a constatar que tinha olhos de cor de mel, um nariz perfeito, uma boca carnuda e um peito saliente e tentador bem como umas ancas muito bem delineadas.

Não descansei enquanto não ma apresentaram. Alguns dos que estavam no seu grupo do jardim, eram conhecidos “conquistadores” locais, endinheirados, ociosos e sem escrúpulos.

Olhou-me vagamente e quando lhe propus que fôssemos buscar uma bebida, acompanhou-me displicente.

Nessa altura, tinha um Maserati Spyder descapotável, com estofos de pele e de cor encarnada e confesso que fazia um sucesso danado! Loiro, de olhos azuis e com um corpinho bem tratado, tornei-me num Adónis barato, papando quem eu queria!

As minhas relações com os meus pais limitavam-se a conversas esporádicas sobre o reforço da minha conta bancária. Sentia tristeza no meu pai pelo afastamento a que o votava e ele refugiava-se cada vez mais em ausências prolongadas na selva.

A minha mãe, muito só, empreendera na bebida. Claro que os cocktails ajudavam e era raro não voltar a casa já com um valente grão na asa! Uma tristeza e decadência, mas cada vez havia mais dinheiro e de Lisboa vinham transferências chorudas do negócio do meu avô.

A vida transcorria assim gostosa, cheia e sem limites como só em Lourenço Marques dessa época se podia viver com dinheiro!

Tinha remorsos quando ao regressar tarde a casa, entrevia Manuel Candeeiro de Deus, que me olhava com uns olhos tristes e puros que me penetravam como se fossem punhais! Eu sabia que ele sabia que eu andava perdido e na asneira constante, sem rumo!

Fui mostrar o carro a Márcia e propus-lhe uma volta. Estava uma noite soberba, com um luar lindo e uma temperatura amena.

Ela estava com um vestido de seda curto e colado ao corpo deixando ver as formas esplendorosas. Eu tinha posto uma camisa de puro linho branco que brilhava na noite, com os botões abertos deixando entrever um peito peludo e firme e umas calças da mesma cor do carro. Cheirava bem, era de uma marca que punha as mulheres doidas!

Ouvi na igreja local baterem as 4 da manhã e mudei de agulha! Pensei que quando saísse da prisão, teria cuidado com a saúde pois não queria morrer doente e deprimido, dependente de alguém ou confinado a uma cama todo entubado.

A ideia da morte, esticadinho num caixão, pregado e envolto em chumbo sem poder sair nunca mais, fez-me vomitar….sem, aliás, ter muito para deitar fora! Foi um medo grande, um pavor e uma sensação de impotência que senti, ainda para mais enfiado nesta cela maldita, pequena e sem luz natural.

Era uma antevisão do que seria a pré-morte!

Adormeci exausto e abandonado, sem forças para lutar com a minha mente.

(continua)

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