quarta-feira, 1 de junho de 2011
Memórias do cárcere (1)
Chamo-me Ronaldo e sou o recluso nº 123456 do Estabelecimento Prisional de Vale de Mortos. Tratam-me por Ron.
Entrei há 6 meses e esperam-me ainda mais 8 anos de cadeia, cumprindo uma pena por homicídio da minha companheira.
A minha cela é pequena e mede 1,5m por 3m. Tem um catre com um colchão pouco espesso, por isso sinto os ossos contra o tabopan, e o travesseiro é de espuma, o que me faz dores no pescoço. Hei-de me habituar.
A porta da cela abre às 6h30m da manhã e fecha às 18h30m da tarde. Um horror estar tanto tempo fechado a sete trincos. Percebo agora como as monjas de clausura do século XVII ainda em espaços mais exíguos, morriam rapidamente como santas ou loucas.
Nas paredes deixam por o que quisermos. O anterior inquilino era tarado sexual e quando saiu deixou como herança posters gigantes de gajas de grandes mamas e outras de vaginas abertas. Arranquei-os com nojo e deitei-os fora, mas ficaram lá as marcas na parede, por isso vai levar tempo a esquecer-me quando para lá olhar. Não que não goste de mulherio, mas causava vómitos de inestéticas e porcas que eram as vistas.
Pus, por enquanto, uma fotografia do meu pai: está de botas, fato de caqui e com um chapéu mole na cabeça, sentado em cima de um elefante que acabara de matar. É caçador profissional em África. O olhar dele é a razão de ter escolhido este registo para comigo partilhar a solidão: de triunfo pela proeza conseguida e de infinita liberdade como só África dá a quem dela se enamora e lá vive.
Tenho ainda a intenção de colar na parede: um poster colorido com um olho gigante a observar-me, como se fosse a divindade a tomar permanentemente conta de mim e uma fotografia em sépia em que se vêem três pessoas – a minha avó materna em muito nova, o pai dela com bigodes e um chapéu colonial do princípio dos anos 30 e entre os dois, sentado no chão, um pretinho de feições correctas, de olhar brilhante e com um sorriso aconchegador de orelha a orelha.
Chama-se Manuel Candeeiro de Deus e foi com quem passei toda a minha meninice. Cresceu entretanto e já mais velho, foi como que um pai para mim.
O meu progenitor verdadeiro pouco o via pois passava o tempo pela selva adentro. Mas quando voltava, punha-me horas a ouvi-lo contar as suas aventuras, umas reais outras fantasiosas, creio que para me encantar.
Voltarei a falar muito dos dois.
(continua)
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... pornto!... cá estou à espera do que se segue...
ResponderEliminar... se fosse a si, escrevia um livro!
Abraço,
Isabel