terça-feira, 7 de junho de 2011
Memórias do cárcere (5) companheiros de cela
Falávamos baixinho, numa mesa da cantina que ficava num canto.
Estávamos só os dois.
David perguntou-me se eu tinha algum dinheiro para pagar.
- Pagar a quem? - perguntei-lhe admirado.
- Por enquanto não te digo, mas logo sentirás na pele – disse David muito cauteloso.
Falou-me dos guardas, da droga que circulava e que vinha de fora, dos castigos, dos bufos, dos gangs de diferentes origens e natureza, da vantagem em ter um protector, da partilha dos alimentos e trocas de bens, dos telemóveis escondidos, das revistas e vídeos pornográficos, da homossexualidade, dos planos de fuga, das visitas!
Nem uma só alusão a qualquer coisa de mais positivo.
Perguntei-lhe se não havia amizades feitas nos tempos de prisão, de solidariedades e fraternidades, de alguma paz, da tão falada reinserção social para o embate no regresso ao mundo lá fora no fim do cumprimento da pena…..
Nada sabia, nem tão pouco estava interessado!
Ficámos assim meios sem graça e voltei para o pátio sozinho. Ao deixar-me, comentou que eu iria ter problemas se não aderisse aos esquemas!
Quando recolhi à cela ainda era dia e pus-me em cima de um banco para olhar por de entre as grades da janela e só vi um pouco de céu azul, pois o parapeito era em rampa para cima para não permitir a visão do exterior.
Senti uma angústia terrível. A cabeça quase que rebentava e o pânico invadiu-me de novo. Suores frios, desequilíbrio, náuseas e perca de forças.
Chamei pelo guarda que apareceu no postigo e a quem disse que precisava de ir à enfermaria pois sentia-me mal.
Informou-me que ia falar com o superior e passado pouco tempo voltou, abriu a porta e acompanhou-me até ao gabinete do médico.
No percurso, reparei que havia várias salas de aulas e uma biblioteca com mesas e computadores. Pensei com algum ânimo, que era ali que tentaria passar a maior parte do tempo quando não estivesse enclausurado.
O médico dirigiu-se-me com um ar de rotina e sem transparecer qualquer emoção: dir-se-ia que tinha um enfado inato por estar sempre tão recluso quanto os prisioneiros, não tendo praticado, porém, qualquer acto que o justificasse.
Receitou-me Cipralex e umas pastilhas para dormir e mandou-me de volta.
Ao fechar-se a porta, ouvi na parede que dava para a cela contígua, como que um raspar com um objecto de metal, diria uma colher de ferro.
Julguei que eram alucinações, mas após alguns minutos o barulho continuava e pareciam sinais de morse.
Falei alto e perguntei se me ouvia. Fomos os dois para junto da porta de ferro de cada um e o meu companheiro sussurrou que queria logo de manhã falar comigo na cantina. Disse-lhe que sim e perguntei-lhe o nome.
Respondeu-me que era o Ratinho, nome por que era conhecido.
(continua)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Parece-me mesmo (fora de brincadeiras)que podia começar a pensar num livro a sério!
ResponderEliminarNão sei o que se segue, mas que desperta interesse, desperta. E como já lhe disse, também o acho bem escrito e a ideia fantástica...
...pode ter "pano para mangas!"
Vamos ver como sente vontade de tratá-lo e o que a própria história lhe pede. Será assim?
Força "Vicente"!
Estou nesta!Mantenho o interesse! :)
Está de parabéns.
Abraço forte... e força!!!!
Sempre,
Isabel
Obrigado pelas suas amigas recomendações e palavras tão lisonjeiras.
ResponderEliminarUm dia talvez...agora tenho que ir encontrando "engenho e arte" a cada noite, não até muito tarde, mas substituindo por vezes a televisão por um conto. Nem sempre, pois sei também assistir a um bom programa, ver um filme, ouvir música, conversar ou ler, jantar fora.
O resto do tempo livre de um "escrevinhador" para já será passado a trabalhar no duro para ganhar a vida e poder sustentar a "famelga" nestes tempos de crise...
O escrever faz sofrer e traz uma grande solidão....não me importo, mas para isso é preciso ou ser-se rico ou estar na reforma....neither of them apply!
Beijo amigo
... e se eu sei disso!!!!!!!!!!!!! :)
ResponderEliminarMas de qualquer forma... força!
Beijinho
Isabel