domingo, 12 de junho de 2011
Memórias do cárcere (8) o túnel
Numa das celas do meu corredor, vim a saber estar o Pe. Frederico, tido como pedófilo e acusado de homicídio.
A sua mãe visitava-o semanalmente e trazia-lhe dinheiro, guloseimas, boa comida e pequenas lembranças.
Um dos gangs,resolveu começar a sová-lo e a roubar-lhe sistematicamente tudo o que ele recebia e um dia, com bastante serenidade, queixou-se no pátio ao David.
Como bom bufo que era, David passou o recado ao gang rival que convocou o Pe. Frederico para um encontro discreto numa das salas da biblioteca da prisão.
- Olhe Sr. Pe. Frederico, não somos cá de pedofilias, e parece que nada foi provado mas acabou acusado da morte de um seu protegido, por ter caído de uma falésia. Nada temos com isso, o que não toleramos é roubos e violência. Fica nosso protegido. Só precisamos que nos diga quem são os reclusos que o assaltam e lhe batem – disse o chefe do gang.
- Muito agradecido pela vossa atitude, mas já aceitei que faz parte da minha pena. Não vou dizer os nomes pois tenho medo de represálias – respondeu o Pe. Frederico, em português do Brasil.
O chefe do gang franziu o sobrolho e disse zangado:
- Nós não aceitamos isso. Vai mesmo ter que nos dizer a identidade deles mas não se preocupe, porque fica fora disto. Se não o fizer, olhe que as chatices sobram para si.
O Pe. Frederico acabou por denunciar os seus agressores e voltou para a cela apavorado.
O acesso ao pátio faz-se por várias portas, mas sobretudo por uma espécie de túnel grande que permite a passagem de muitos presos em conjunto e em tropeção desejosos de ar livre.
Há uma certa escuridão no meio e nesse dia dois homens do gang que protegia o Pe. Frederico, colocaram-se de cada lado do túnel, armados com barras de ferro e quando os agressores passaram ao seu alcance, bateram-lhes com força nos queixos e nos joelhos.
Ouviram-se uns gritos de dor intensos e quando os guardas acorreram, depararam com dois reclusos contorcendo-se no chão numa poça de sangue, com os queixos desfeitos e com os joelhos partidos.
Nunca mais se ouviu falar de roubos ou pancada ao Pe. Frederico.
Tornou-se ainda mais discreto até que se soube que tinha fugido para o Brasil.
David contou-me esta história para enfatizar como era importante que eu aceitasse a protecção do gang do Ratinho.
Nessa noite, sonhei com África, com o planalto dos Macuas, com o meu preceptor Manuel Candeeiro de Deus e perguntei-me se um dia poderia também para lá fugir.
Acordei a meio da noite ensopado em suor. Estava uma temperatura tórrida e eu ali preso.
Olhei para as barras da janela e calculei que se atasse o lençol da cama às grades e me pendurasse com ele em volta do pescoço, com o meu peso, seria eficaz: um garrote perfeito para me enforcar!
(continua)
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