segunda-feira, 6 de junho de 2011

Memórias do cárcere (4) passado


Nasci em Maio de 1972, em Lourenço Marques, hoje Maputo.

Soube pela minha mãe que uns meses depois do meu nascimento, já chilreava alegremente no fresco do entardecer num berço de teca forrado a cassa branca, na varanda ampla da casa dos meus pais, na Rua Ayres D'Ornelas.

O meu pai, Leopoldo de Aguiar era descendente dos primeiros colonos brancos de Moçambique. Orgulhava-se muito de conhecer a sua terra de lés a lés e raramente vinha à metrópole.

Aliás, a única vez em que se demoraria mais tempo foi por ocasião do seu casamento que se realizou em Melgaço, na casa senhorial da família da minha mãe.

Nem passara muito tempo em Lisboa, apenas o suficiente para mandar fazer um fraque – tinha sido a isso forçado pelo sogro, António Rodrigues Pereira, barão de Melgaço – e não lhe ficara grande vontade de deambular por uma cidade que nada lhe dizia e que tão pouco conhecia.

A minha mãe, era loira de olhos verdes, alta e esguia e de cor muito branca e nos primeiros tempos custou a adaptar-se ao sol tórrido de África.

Foram morar para uma casa colonial, com um grande jardim rodeando a ala principal, aonde residiam. Havia um grande anexo de criados na parte detrás.

O jardim era exuberante e tinha uma vegetação luxuriante com árvores seculares e flores, muitas flores com um colorido claro que contrastava com a cor avermelhada da terra.

No interior, a minha mãe tinha mobilado a casa com enorme requinte e comodidade. O meu avô materno, o dito barão, era muito rico pois os pais tenham feito grossa fortuna no Brasil. Tinham passado três gerações e uns quantos casamentos de conveniência com meninas de classes sociais mais altas, por isso fazia-lhes muita confusão aquele casamento desigual com um colono, que ainda por cima era guia de caçadores, nos trilhos africanos.

Conheceram-se, por pura casualidade.

O meu pai, quando estava na cidade ia muitas vezes jantar ao Hotel Polana, ou tomar uma bebida ao bar ou mesmo à piscina, que era frequentada por raparigas locais de famílias conhecidas ou de estrangeiras que vinham de férias da África do Sul.

Maria Alice, era o seu nome, sentia-se controlada pelos pais e propusera fazer uma viagem de barco às províncias ultramarinas. Não viram inconveniente e acharam que num bom paquete como era o “Principe Perfeito”, num camarote de luxo, poderia conhecer a bordo novas pessoas e divertir-se sem os riscos da vida meio dissipada que levava nas noites do Porto.

Havia um jovem industrial portuense, sem cheta mas muito bem parecido, que lhe arrastava a asa e temiam que se apaixonasse e com ele se quisesse casar sendo um pretendente que, tipicamente, só viria ao cheiro do seu dinheiro.

Nessa altura o meu pai tinha uma óptima figura, com a pele tisnada de nasceres e pôr de sóis no meio da savana, de travessias de selvas inóspitas com aventuras e caçadas cheias de desafios.

Sendo de uma família moçambicana conhecida e endinheirada, era muito requisitado pelas solteiras e casadas.

(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário