segunda-feira, 6 de junho de 2011
Memórias do cárcere (2) o pátio
No primeiro dia em que fiquei confinado às quatro paredes da minha estreita cela, foi como se o céu se tivesse abatido sobre a minha cabeça.
Tive um momento de pânico e comecei a gritar sem parar, alto e desesperado. Ninguém parecia estar preocupado, pois nada aconteceu. Fiquei rouco de tanto berrar!
A pouco e pouco fui-me calando, cansado, perdido. Estranho, pensei. Pareceu-me que o pânico se fora: sentia que o dominara.
Fiquei em silêncio um bom par de horas, absorto e olhando para o vazio. Só a luz frágil de um pequeno candeeiro da mesa-de-cabeceira me sossegava do peso da escuridão.
Adormeci tarde, exausto.
Abriram a porta com estardalhaço e saí finalmente. Fui arrastando-me para o pátio e encostei-me a um canto.
Estávamos em Junho e já fazia calor e a roupa era composta por uma camisola branca de alças e por umas calças cinzentas de tecido leve. Calçava umas sapatilhas.
Devagarinho fui levantando a cabeça e olhei em volta. Era um pátio grande, com várias portas de acesso vindas das diferentes alas. Seríamos uns 400 reclusos.
A maioria dos presos era composta por jovens entre os 20 e os 30 anos. De várias nacionalidades e raças, predominando os portugueses.
Ninguém parecia estar interessado em mim. No entanto os meus 1,93m, os meus olhos azuis e cabelo loiro, o corpo atlético e bem constituído, nunca me deixaram passar despercebido.
Melhor, pensei. Com tempo averiguarei quem são os meus companheiros de infortúnio.
O pequeno-almoço tomado antes do recreio numa cantina anódina, compunha-se de café com leite e dois papos-secos com manteiga ou marmelada. Também havia chá.
Reparei, para meu grande gáudio, que se podia fazer algum desporto no período ao ar livre, pois as redes de basquetebol e de voleibol eram profusas e estavam espalhadas por todo o lado.
- Sou o David. Estou cá, já vai para uns dois anos. Calculo que sejas novato, pois nunca te vi aqui no pátio. Queres uma passa? – e estendeu-me um charro, molhado com o cuspo dele.
- Não fumo, obrigado. Chamam-me Ron e cheguei ontem – disse com uma voz indiferente.
- Precisas de saber umas coisas desde o primeiro dia. Estou disposto a pôr-te ao corrente do que deves e do que não deves fazer. Há códigos cá dentro, gangs, grupos étnicos, bons e maus costumes, e um gajo ou sobrevive ou morre – acrescentou David, com um ar sério.
O sinal para a refeição do almoço tocou e dirigimo-nos os dois para a cantina.
(continua)
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