Um dia a porta da sua alma se fechou. Sua música parou de tocar. Você
olhava pela janela enquanto o amor te deixava. Pode ir, você disse,
e jurou que nunca mais sentiria essa dor. Espalhado pela casa com os
cacos do seu coração, a última coisa que você queria era amar outra vez.
Rejuntar estilhaços até se fortalecer de novo é um processo que leva
tempo, e a duração desse tempo é muito pessoal, assim como o tamanho da
dor que cada um carrega. É como se você ainda vivesse, seus órgãos e
sistemas do corpo funcionam, você respira, mas falta algo. Falta vida no
robô que rejunta as suas peças.
Foi assim, com muito esforço e angústias, que você tropeçou em seus
próprios pés para reaprender a andar. Iluminou seus passos com seu
brilho esmorecido. Mas você nunca parou, nunca desistiu. Não sabia o que
ia encontrar lá na frente, somente sabia que era para lá que tinha que
ir. Nem sempre você achava aquilo que procurava. Algumas vezes, acabou
encontrando quem nunca imaginaria encontrar. Outras vezes, você
mesmo foi atrás de pessoas queridas que dormiam nas suas lembranças. Por
fim, você achou a sua imagem que se escondia atrás do espelho.
E agora você está aqui, sentindo-se inteiro. Você voltou a brilhar, a
pulsar! Está batendo suas asas pelo mundo novo que deseja
conhecer. Porém, mesmo no auge de suas mais novas descobertas e
da confiança de um dia melhor que o outro, vira e mexe, você tem medo.
O medo sopra pela fresta da porta do seu quarto à noite, em seu
silêncio secreto. Mas não é aquele pavor ao se deparar
sozinho na plataforma de embarque rumo a um país desconhecido. E nem de
ter outra cólica renal ou levar uma bronca do chefe. Isso tudo você
encara. A coisa toda complica quando não se encontra o sentido das
coisas ao fim desses dias longos e incertos, quando o cansaço penetra
pelos poros a ponto de derreter a pessoa por dentro. Quando se cai em
uma rotina mecânica de acordar, trabalhar, reclamar, pagar as contas e
fazer parte da massa de conformados cidadãos inconformados desse mundo
louco.
Esse mundo que te obriga a assistir gente ser decapitada e queimada
viva. O medo de sair de casa e ser assaltado no trânsito, e, por isso,
ficar com receio de abrir a janela do carro para dar um trocado ao
pedinte que parece doente. A falta de vergonha na cara de políticos que
zombam da sua inteligência. O medo de pegar dengue. A espera ansiosa
pela chuva para encher rios e sentimentos.
No meio disso tudo é que se descobre que fazer-se completo dá um
trabalho danado. E por mais que você saiba que esse seja um processo
lento e interminável, e que você esteja focado em procurar a felicidade
na sua jornada e não em seu destino, nestas horas de silêncio no seu
quarto à noite acontece o imprevisto.
Nesse fluxo da vida que segue, entre as dores e as curas, revisitando
tristezas e alegrias, como um dia nublado, quando menos se espera, ela
chega. Toca a campainha da saudade, abre a porta da ausência e te abraça
apertado. Ela não foi convidada, mas mesmo assim a solidão vem e fica
por um tempo.
Ser feliz sozinho é fácil, difícil é ficar triste na solidão.
Especulando que o amor não é algo tão fácil assim de ser encontrado,
como se vê nos filmes e livros de romances, você se lembra de Rubem
Alves, “Temos uma capacidade quase infinita de suportar a dor, desde que
haja esperança”.
É nesse pressentimento que o peito ardido encanta o silêncio,
atravessa a madrugada fria e amanhece na alegria. E encontra a
esperança, com seus olhos de menina, equilibrando-se entre o inferno e o
céu, pulando amarelinha na poesia. Ela joga uma pedrinha e te convida
para brincar, enquanto esperam pelo amor, o seu novo amor que já vai
chegar.
Porque frio, medo e tristeza, passam. Dor também passa. Até amor que foi embora passa. Só não passa a vontade de amar outra vez.
Então sua música volta a tocar e você sonha com Vinicius de Moraes: “a maior solidão é a do ser que não ama”.
Rebeca Bedone
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