terça-feira, 18 de novembro de 2014

como umas aulas numa cadeia de alta segurança me podem fazer tão bem


Hoje foi mais um dia de aulas na cadeia aonde ensino Português a estrangeiros. Estavam sequiosos por conversa.

Tinha preparado um teste gramatical para 4 deles e uma composição para um outro que tinha faltado à última aula. O tema proposto foi o do que quereriam fazer, quando um dia estivessem em liberdade.


Mal arranjaram um pretexto para interromperem, foi galhofa, conversa solta entre eles, pois não se vêem entre si. Cada um tem a sua cela aonde passa os dias fechado, só com 2 horas de pátio murado e nunca com mais de 3 reclusos, que variam a cada dia.

Eu assisto, participando também, intervindo quando me pedem.

Quando saí, disse para as orientadoras já longe das celas: cada dia que venho, sinto-me melhor pessoa.

E não desvendo eu, o que lá dentro se passa em termos das nossas conversas, as suas angústias, solidão, os seus planos de futuro, as suas tristezas, desespero. Mas também, com o meu optimismo e boa disposição, rimos e contamos histórias divertidas e sinto que tanto para eles como para mim, é um novo mundo que se vai construindo.

Pode parecer ridículo e obsessivo esta minha dedicação a esta causa, e aceito que se torne maçador para os meus leitores, só que não desistirei de trazer um pouco mais de humanidade, de compreensão e de ternura a quem se sente incompreendido.

Bem sei que me contra-argumentarão que estando presos numa cadeia de alta segurança, alguma coisa terão feito e aparentemente de grave. Sim e não.

Há crimes e crimes, e há agentes desses crimes que são distintos uns dos outros e com graus de culpa e com consequências causadas que variam muito em importância e gravidade.

Por isso, antes de mais é necessária uma atitude expressa de perdão, de escuta, de ajuda no recomeçar.

Estou sempre a repetir-lhes que a vida cá fora, não é um mar de rosas e que é dura e difícil, e cruel e injusta e dolorosa para tanta gente que oficialmente está livre, mas tantas vezes presa à sua infelicidade.

Eles olham com um ar sonhador…rapazes novos, com já 4 a 5 anos de reclusão total sem nunca terem saído para um campo verde, sequer, da própria cadeia, com a possibilidade de tocarem fisicamente num abraço, num afago, a quem mais gostem, UMA VEZ POR ANO! há qualquer coisa na lei, que é feita por monstros legisladores, que nunca puseram os pés numa cela de uma prisão de alta segurança…

E esta é a minha luta diária pela melhoria das condições, com vista ao que o mundo da doutrina nesta matéria apregoa cinicamente de reinserção na sociedade civil…nestes termos é indignante, inoperativa e contraproducente.

Oxalá possa ir encontrando almas gémeas que comigo possam ir dando apoio e encorajamento para a mudança.

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