sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Collette
Collette levantara-se nessa manhã de sábado que se anunciava de sol de verão e quente, com vontade de descer de Saint Germain en Laye aonde morava, até Paris e de lá passar o fim-de-semana.
Tinha sido uma noite de enfadonha actividade sexual com o actual pseudo namorado e a bem dizer, queria novidade. Não que ele não fizesse bem o amor, mas a rotina instalara-se e Collette procurava novas emoções e talvez até um Monsieur, naturalmente mais velho do que ela que lhe desse estabilidade, um pequeno apartamento moderno e cosy, dali podendo fazer planos de futuro, quem sabe se uma carreira no teatro ou na moda, ou até ter um filho ou filha para a ampararem na velhice.
Nos seus esplendorosos 25 anos, não fazia muito sentido pensar na velhice, mas o conforto que o Monsieur lhe proporcionasse, já era um investimento antecipado.
Pôs-se nua, olhou-se no espelho e começou a mover-se sensualmente, ora valorizando os seios grandes e bem proporcionados com uns bicos salientes e rosados, ora mostrando as ancas e as nádegas, tudo roliço, sem gorduras nem celulite, roçando as mãos lenta e voluptuosamente pela pele suave e descendo-as até à zona púbica.
Sabia bem como o seu corpo excitava os homens com quem estava e as pernas bem feitas terminando nuns pés perfeitos com unhas bem cuidadas, lembraram-lhe que teria que ir vestida com roupa leve e provocadora, no fundo como as grandes coquettes da belle-époque, deixando vislumbrar o necessário para despertar os sentidos com o fruto escondido.
O problema era sempre o mesmo: falta de dinheiro! Quem vive do corpo, não tem avanços por conta e o fim do mês estava a chegar e com o namorado era free love!
Por isso teria que ficar mais uma vez num hotel de segunda, o Hotel Berkeley em Montparnasse. Aí fiavam e no fim da estadia logo compunha as contas, até muitas vezes nem era ela a pagar, pelo menos as despesas do hotel, pois dependendo da satisfação do cliente, era generosamente compensada.
Sabia que num hotel de 2ª, dificilmente encontraria um Monsieur, como ela sonhava, mas dali partia para jantar ou cear ou beber um copo em restaurantes mais sofisticados ou numa discoteca e tudo era possível.
Meteu num nécessaire, umas calcinhas minúsculas e hiper-sensuais, as pinturas e um soutien que lhe valorizasse os bicos do peito, que ela constatava porem a maioria dos homens em fogo sendo sempre o prenúncio de grandes desenvolvimentos.
Ela era pragmática, quase nunca tinha prazer com clientes, havia-os tão loucos e depravados, que hoje em dia até era perigoso. Tudo quanto metesse dor e sofrimento, sadomasoquismo, e fantasias excessivas, era firme e recusava, mas para não perder o cliente tinha uma prodigiosa imaginação de chatte provocadora e irresistível.
Nunca se esquecia de meter na carteira uma pequena medalhinha da Notre Dame du Bac, cujo santuário era na rue du bac no centro de Paris, de muita devoção das putas pois, dizia-se que ao ter aparecido a Santa Catarina Labouré, as Monjas dedicando-se à protecção dos pobres e das prostitutas, ali as recebiam em acolhimento e protecção na velhice.
Não era nada religiosa, era um pouco supersticiosa e era devota do prazer carnal, vivo e sensual, e rebolava-se na cama de muitos homens.
Parecia um contra senso, mas a sensação que transmitia aos homens que com ela dormiam era a de perfeitos orgasmos, de um prazer infinito que pretendia sentir com as performances masculinas e por isso o porteiro da noite do Hotel Berkeley, a troco de uns cobres, procurava-lhe sempre o melhor produto que o hotel pudesse oferecer como clientes endinheirados.
Havia a técnica de a introduzir no quarto de algum cliente que, estando ausente durante o dia, ao regressar encontrasse a sua cama recheada com um bombom daqueles.
Claro, já tinha havido protestos de clientes indignados que ou por princípios, ou por cansaço de dias de trabalho intensos, queriam pura e simplesmente dormir sozinhos!
Chegada ao Hotel Berkeley por volta das 17h, o concierge meteu dois dedos de conversa com ela sobre tudo e nada, e referiu-lhe que tinham chegado nessa manhã dois estrangeiros que vinham ao engano, pois tinham aspecto de frequentadores de hotéis de luxo e um deles até, o mais alto, teria dito que só regressava ao fim da noite e que queria um quarto decente e confortável, senão mudaria de albergue!
Dera-lhe o número 10, o habitual do canto, discreto, no primeiro andar, com uma cama grande de casal e tinha verificado que seria homem de dinheiro, pois a mala de fim de semana era de pele e tinha a assinatura de Lancel. Ousara abri-la na sua ausência e encontrara o normal de um saco de homem, mas o set de toilette era cuidado e com óptimos produtos de beleza e água-de-colónia de marca. Acresce que deixara como garantia do pagamento de extras, um cartão de crédito gold do American Express.
Enquanto passavam as horas, Collette tinha ido comer algo a um bistrot em frente e ao beberricar um copo de bom vinho tinto, pusera-se a pensar que naquela noite, apetecia-lhe uma fantasia e deixar-se apaixonar pelo cliente ou pelo menos assim demonstrar e gozar sexualmente como se não fosse uma puta. Já há meses que precisava de se entregar e a descrição do concierge era de molde a poder encontrar uma aliança promissora entre uma aventura e talvez uma companhia para outras viagens.
Tarde na noite, por volta das 22h quando se introduziu no quarto, escolheu criteriosamente como o deveria receber quando com espanto, ele realizasse que tinha companhia.
Se saísse completamente nua e pretensamente estremunhada da cama quando a porta se abrisse, parecia-lhe vulgar e sem classe.
Poria as calcinhas minúsculas que deixavam à mostra as curvas perfeitas das nádegas e uma sombra na parte da frente, e hesitou se deveria por o soutien que lhe valorizava os seios, ou os devia expor com descaramento, ainda que com encenação.
Nessa noite, sentia o desejo de não ter que representar e seria com naturalidade que agiria adaptando-se às circunstâncias.
Chegados ao Hotel Berkeley, Manuel e António deram-se as boas noites e conversaram mais uma vez sobre a reunião do dia e às tantas António foi subindo para o 3º andar, pois tinha a chave do quarto.
Manuel tinha deixado a chave na portaria e ficou muito irritado quando o concierge lhe disse que não a tinha e que a devia ter levado consigo na pasta.
- Não levei – disse furioso – e lembro-me bem de a ter deixado à sua colega dizendo-lhe que não precisava dela durante o dia, pois estaria fora em reuniões só regressando à noite – acrescentei, com crescente impaciência.
- E agora, como vamos fazer? Quero ir deitar-me já! – disse com uma total falta de pachorra.
- Vou eu lá a cima com Monsieur, abrir a porta com a chave-mestra.
Metemo-nos no elevador e como era no 1º andar, foi rápido e chegámos à porta. Ele abriu-a e eu acendi a luz no interruptor do quarto junto à porta, pela parte de dentro.
Olho para o quarto numa vista rápida e constato duas coisas absolutamente inesperadas: um nécessaire aberto ao lado do meu saco de fim-de-semana e um vulto feminino, que se levanta da cama, de entre as roupas, estremunhada.
Fiquei uns segundos sem palavras, estupefacto, e virei-me para o concierge que me olhava cautelosamente embaraçado, à espera da minha reacção.
Perguntei-lhe o que era aquilo e ele disse-me que devia ter havido engano, que ia lá abaixo verificar e logo voltaria para tudo se esclarecer.
Respirando fundo, olho com algum pudor para uma criatura deliciosa e pergunto-lhe o que faz ali.
Disse-me que morava fora de Paris e que devia ter havido uma troca de quartos, mas como o hotel estava cheio, e aparentemente a chave estava na portaria, o concierge inadvertidamente teria considerado o quarto livre.
Fechei a porta pois já chegava de falta de reserva.
O concierge voltou uma meia hora depois, entreabriu sem barulho a porta do quarto e disse em voz baixa: bonne nuit Mlle Collette!
In "Contos Breves" de Vicente Mais ou Menos de Souza
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