Collette levantara-se nessa
manhã de sábado que se anunciava de sol de verão e quente, com vontade
de descer de Saint Germain en Laye aonde morava, até Paris e de lá
passar o fim-de-semana.
Tinha sido uma noite de
enfadonha actividade sexual com o actual pseudo namorado e a bem dizer,
queria novidade. Não que ele não fizesse bem o amor, mas a rotina
instalara-se e Collette procurava novas emoções e talvez até um
Monsieur,
naturalmente mais velho do que ela que lhe desse estabilidade, um
pequeno apartamento moderno e cosy, dali podendo fazer planos de futuro,
quem sabe se uma carreira no teatro ou na moda, ou até ter um filho ou
filha para a ampararem na velhice.
Nos seus esplendorosos 25 anos, não fazia muito sentido pensar na velhice, mas o conforto que o
Monsieur lhe proporcionasse, já era um investimento antecipado.
Pôs-se
nua, olhou-se no espelho e começou a mover-se sensualmente, ora
valorizando os seios grandes e bem proporcionados com uns bicos
salientes e rosados, ora mostrando as ancas e as nádegas, tudo roliço,
sem gorduras nem celulite, roçando as mãos lenta e voluptuosamente pela
pele suave e descendo-as até à zona púbica.
Sabia bem
como o seu corpo excitava os homens com quem estava e as pernas bem
feitas terminando nuns pés perfeitos com unhas bem cuidadas,
lembraram-lhe que teria que ir vestida com roupa leve e provocadora, no
fundo como as grandes coquettes da belle-époque, deixando vislumbrar o
necessário para despertar os sentidos com o fruto escondido.
O
problema era sempre o mesmo: falta de dinheiro! Quem vive do corpo, não
tem avanços por conta e o fim do mês estava a chegar e com o namorado
era free love!
Por isso teria que ficar mais uma vez num hotel de segunda, o
Hotel Berkeley
em Montparnasse. Aí fiavam e no fim da estadia logo compunha as contas,
até muitas vezes nem era ela a pagar, pelo menos as despesas do hotel,
pois dependendo da satisfação do cliente, era generosamente compensada.
Sabia que num hotel de 2ª, dificilmente encontraria um
Monsieur,
como ela sonhava, mas dali partia para jantar ou cear ou beber um copo
em restaurantes mais sofisticados ou numa discoteca e tudo era possível.
Meteu
num nécessaire, umas calcinhas minúsculas e hiper-sensuais, as pinturas
e um soutien que lhe valorizasse os bicos do peito, que ela constatava
porem a maioria dos homens em fogo sendo sempre o prenúncio de grandes
desenvolvimentos.
Ela era pragmática, quase nunca tinha
prazer com clientes, havia-os tão loucos e depravados, que hoje em dia
até era perigoso. Tudo quanto metesse dor e sofrimento, sadomasoquismo, e
fantasias excessivas, era firme e recusava, mas para não perder o
cliente tinha uma prodigiosa imaginação de
chatte provocadora e irresistível.
Nunca
se esquecia de meter na carteira uma pequena medalhinha da Notre Dame
du Bac, cujo santuário era na rue du bac no centro de Paris, de muita
devoção das putas pois, dizia-se que ao ter aparecido a Santa Catarina
Labouré, as Monjas dedicando-se à protecção dos pobres e das
prostitutas, ali as recebiam em acolhimento e protecção na velhice.
Não
era nada religiosa, era um pouco supersticiosa e era devota do prazer
carnal, vivo e sensual, e rebolava-se na cama de muitos homens.
Parecia
um contra senso, mas a sensação que transmitia aos homens que com ela
dormiam era a de perfeitos orgasmos, de um prazer infinito que pretendia
sentir com as performances masculinas e por isso o porteiro da noite do
Hotel Berkeley, a troco de uns cobres, procurava-lhe sempre o melhor produto que o hotel pudesse oferecer como clientes endinheirados.
Havia
a técnica de a introduzir no quarto de algum cliente que, estando
ausente durante o dia, ao regressar encontrasse a sua cama recheada com
um bombom daqueles.
Claro, já tinha havido protestos de
clientes indignados que ou por princípios, ou por cansaço de dias de
trabalho intensos, queriam pura e simplesmente dormir sozinhos!
Chegada ao
Hotel Berkeley
por volta das 17h, o concierge meteu dois dedos de conversa com ela
sobre tudo e nada, e referiu-lhe que tinham chegado nessa manhã dois
estrangeiros que vinham ao engano, pois tinham aspecto de frequentadores
de hotéis de luxo e um deles até, o mais alto, teria dito que só
regressava ao fim da noite e que queria um quarto decente e confortável,
senão mudaria de albergue!
Dera-lhe o número 10, o
habitual do canto, discreto, no primeiro andar, com uma cama grande de
casal e tinha verificado que seria homem de dinheiro, pois a mala de fim
de semana era de pele e tinha a assinatura de
Lancel.
Ousara abri-la na sua ausência e encontrara o normal de um saco de
homem, mas o set de toilette era cuidado e com óptimos produtos de
beleza e água-de-colónia de marca. Acresce que deixara como garantia do
pagamento de extras, um cartão de crédito gold do
American Express.
Enquanto
passavam as horas, Collette tinha ido comer algo a um bistrot em frente
e ao beberricar um copo de bom vinho tinto, pusera-se a pensar que
naquela noite, apetecia-lhe uma fantasia e deixar-se apaixonar pelo
cliente ou pelo menos assim demonstrar e gozar sexualmente como se não
fosse uma puta. Já há meses que precisava de se entregar e a descrição
do concierge era de molde a poder encontrar uma aliança promissora entre
uma aventura e talvez uma companhia para outras viagens.
Tarde
na noite, por volta das 22h quando se introduziu no quarto, escolheu
criteriosamente como o deveria receber quando com espanto, ele
realizasse que tinha companhia.
Se saísse completamente nua e pretensamente estremunhada da cama quando a porta se abrisse, parecia-lhe vulgar e sem classe.
Poria
as calcinhas minúsculas que deixavam à mostra as curvas perfeitas das
nádegas e uma sombra na parte da frente, e hesitou se deveria por o
soutien que lhe valorizava os seios, ou os devia expor com descaramento,
ainda que com encenação.
Nessa noite, sentia o desejo de não ter que representar e seria com naturalidade que agiria adaptando-se às circunstâncias.
Chegados ao
Hotel Berkeley,
Manuel e António deram-se as boas noites e conversaram mais uma vez
sobre a reunião do dia e às tantas António foi subindo para o 3º andar,
pois tinha a chave do quarto.
Manuel tinha deixado a
chave na portaria e ficou muito irritado quando o concierge lhe disse
que não a tinha e que a devia ter levado consigo na pasta.
-
Não levei – disse furioso – e lembro-me bem de a ter deixado à sua
colega dizendo-lhe que não precisava dela durante o dia, pois estaria
fora em reuniões só regressando à noite – acrescentei, com crescente
impaciência.
- E agora, como vamos fazer? Quero ir deitar-me já! – disse com uma total falta de pachorra.
- Vou eu lá a cima com
Monsieur, abrir a porta com a chave-mestra.
Metemo-nos
no elevador e como era no 1º andar, foi rápido e chegámos à porta. Ele
abriu-a e eu acendi a luz no interruptor do quarto junto à porta, pela
parte de dentro.
Olho para o quarto numa vista rápida e
constato duas coisas absolutamente inesperadas: um nécessaire aberto ao
lado do meu saco de fim-de-semana e um vulto feminino, que se levanta
da cama, de entre as roupas, estremunhada.
Fiquei uns
segundos sem palavras, estupefacto, e virei-me para o concierge que me
olhava cautelosamente embaraçado, à espera da minha reacção.
Perguntei-lhe
o que era aquilo e ele disse-me que devia ter havido engano, que ia lá
abaixo verificar e logo voltaria para tudo se esclarecer.
Respirando fundo, olho com algum pudor para uma criatura deliciosa e pergunto-lhe o que faz ali.
Disse-me
que morava fora de Paris e que devia ter havido uma troca de quartos,
mas como o hotel estava cheio, e aparentemente a chave estava na
portaria, o concierge inadvertidamente teria considerado o quarto livre.
Fechei a porta pois já chegava de falta de reserva.
O concierge voltou uma meia hora depois, entreabriu sem barulho a porta do quarto e disse em voz baixa:
bonne nuit Mlle Collette!
In
"Contos Breves" de Vicente Mais ou Menos de Souza