sábado, 29 de setembro de 2018

Obituário Interior


OBITUÁRIO INTERIOR

Morreu o meu caseiro ucraniano com um ataque cardíaco. Ficou a mulher, um filho já servindo no Exército Português e uma filha na longínqua Ucrânia, que a pulso se licenciou em Direito. O Dimas, assim se chamava, teria uns 50 anos, se tanto.

Ninguém fará o obituário no “The Times” ou noutro jornal da Ucrânia, por isso faço-o eu dentro do meu coração triste ao saber que alguém que trabalhava no meu monte, com dedicação e competência, e com muito mais ambivalências do que os outros caseiros alentejanos que tive, sorridente, interessado e respeitoso e respeitador morreu num princípio da noite num inóspito monte aonde só estava a sua mulher. Ainda foi para o centro de saúde, que o enviou para o Hospital de Évora o qual tinha um helicóptero para o trazer para Lisboa. Tudo isto demonstra boa-vontade e até admiração pelo SNS, mas há hiatos de assistência certa que vão prejudicando o desenvolvimento da gravidade do estado. Do centro de saúde foi por e-mail que convocaram o Hospital a 40 km.

Mas deixando isto de parte, o Dimas estava fadado para morrer nesta altura da vida e é nessa circunstância que eu penso. Talvez forte demais, sem muito exercício, sabe Deus com que regime alimentar….tudo isto são razões importantes mas não evitam o conceito da nossa e da sua finitude.

Terá valido a pena a sua vida? Emigraram para Portugal de que muito gostavam, arranjaram trabalho, eram por nós impecavelmente tratados e também na comunidade, falavam bem português mas no fundo o dinheiro que ganhavam não só no meu monte mas eu deixava que a Natasha de manhã na nossa ausência trabalhasse noutros sítios, pouco daria para juntarem algum dinheiro que se visse e voltassem à Ucrânea para acabarem dignamente a sua vida, ou bem ao contrário morrerem por cá talvez mais confortavelmente.

Nem toda a gente tem ambições como o Marques Mendes, ou o Pacheco Pereira, ou mesmo o Costa ou o Marcelo de fecharem as suas vidas nas páginas da História, bem ou mal segundo quem os estude e daqui a muitos anos sem nenhum interesse.

O Dimas gostava da Natureza e era dotado para ser perfeito no que fazia mesmo em bricolage, Via televisão, bebia moderadamente segundo a Natasha e o filho, jogava jogos electrónicos e tinha a sua opinião sobre a invasão dos Russos na Ucrânea, pois ambos e o resto da família se consideravam russos e não ucranianos. E pouco mais.

Faz-me sobretudo reflectir que se não há outra vida para além desta, convenhamos que não vale muito a pena nascer, não por ele, especificamente, mas como tantos como ele ou com condições piores ainda. Faz algum sentido?

Amanhã vamos ao monte e na hora da missa das 12h vamos à Sé Catedral e eu vou estar em silêncio concentrando-me nesta família que nem sei bem agora qual vai ser o futuro que vão decidir. As paredes medievais de um templo são sempre um centro de reflexão e de pacificação interior. Eu preciso disso.

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