Volto hoje de novo a este tema que vai sendo valorizado por mim a cada dia:
o da liberdade.
Recomecei as minhas aulas de português na prisão e devo confessar que este
mês de ausência de convívio bissemanal, já me fazia falta.
Fomos entretanto trocando cartas que servirão um dia mais tarde, talvez,
para um livro e até sem ser sobre o estatuto do recluso, pois o conteúdo versou
uma série de temas da vida, vistos por diferentes prismas.
Foi por isso, uma primeira aula de “reposição” ou seja mais eu a contar o
que tinha feito na época natalícia e eles a falarem-me da rotina de celas
individuais aonde passam 90% do dia, sem contacto com ninguém.
Começámos a aula e fui fazendo exercícios de gramática e passando a vez de
uns para os outros na solução de frases e preenchimento de textos: o costume.
Sempre todos com interesse em aprenderem, esforçados e inteligentes. São
todos estrangeiros e de diferentes e variados países, mas com um rendimento
impecável. Há lá um que me apanha sempre 20 valores nas provas, formidável! Já
conseguiu formar-se no IST com 19 valores e está a terminar o mestrado com a
mesma classificação.
Num dos exercícios, fácil aliás, quando disse o nome de um para continuar,
olhei para ele pois parecia-me desatento e reparei que estava a olhar para o
infinito.
Perguntei-lhe o que se passava e com um ar triste respondeu-me que estava a
pensar na sua vida…
Eu sou por um lado um visitante do exterior que a cada semana, por duas
vezes e durante 4 horas, traz ventos de liberdade…e por outro um certo amparo e
consolo pois tento alegrá-los e ocupá-los.
Por isso este tema inesgotável da liberdade, pode, em sociedades ditas
livres, ser menosprezado e até negligenciado.
Avanço com um projecto de uma Academia que estou a montar com uma equipa
esforçada e empreendedora com dois objectivos: formação para quem de fóra tenha
vocação e generosidade para se entregar ao voluntariado prisional em todo o
país e por outro, o treinamento e preparação dos reclusos para uma variada gama
de profissões, que já desde a prisão, possam ir desempenhando com uma justa
remuneração, para poderem continuar a exercê-la quando saírem em liberdade.
Trata-se de um trabalho ciclópico com Universidades, empresas e autoridades
bem como tentando aproveitar fundos europeus e nacionais disponíveis.
Mas voltando ao cerne desta minha crónica: fiquei com o coração apertado
quando percebi que a cabeça e o pensamento deste meu recluso estava fóra,
sonhando com a família, talvez com a simples possibilidade de poder entrar numa
loja, comprar um cd de música, um livro, ir beber um café com os amigos,
trabalhar e poder voltar a casa no fim do dia.
E fica sempre no ar a minha dificuldade em contraditar quem nunca visitou uma prisão, quando me contestam que alguma coisa de incorrecto terão feito para
estar detidos.
E enquanto a sociedade civil não praticar e entender a extensão do conceito de perdão, de vontade
em colaborar na reinserção e de criar condições para a não reincidência, vai
gerando novos culpados e encarecendo ao Estado e aos contribuintes a sua eventual recuperação.
Claro que este é um tema plurifacetado e tem contornos que não são de
ciência exacta: mas o princípio do conhecimento da realidade é um passo
relevantíssimo.
“A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens
presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.” (Mahatma
Gandhi)
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