quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O discurso do Papa Francisco aos Cardeais e Arcebispos da Cúria


O discurso do Papa Francisco aos Cardeais e Arcebispos da Cúria, suscita-me uma série de comentários.

O primeiro, desde logo, é o da minha admiração pela coragem de dizer a verdade, com uma superior doçura e firmeza ao mesmo tempo. Repararão que a voz habitual não se alterou: creio que o facto de ser em italiano ajuda a temperar a linguagem argentina que por natureza poderia ter tido toadas mais altas…digo eu.

Aqui faço um parênteses para vos dizer que tenho a certeza de que o Papa Francisco é de facto alguém que age com bondade, virtude e sentido do cargo que desempenha, ou seja não tem uma “agenda” político/religiosa. Estuda, escuta, consulta e decide. É o que faz falta nas grandes instituições majestáticas que têm vícios e defeitos arreigados desde há muitos anos e que precisam de ser arejadas, renovadas e não só de pessoas, culpadas ou não, mas de uma actualização e reinterpretação da sua missão.

O segundo comentário que se me oferece fazer é o de referir que na Igreja há membros que fazem mal e perturbam o magistério e que por isso têm que ser afastados. Como organização administrativa que é, existe corrupção, negócios escuros, escândalos sexuais, abusos e cupidez no exercício do poder, controlo da doutrina, tudo isto contrário ao espírito da sua Fundação.

Por isso, a reacção dos Cardeias: de estupefação, de incredulidade nas palavras que estavam a ouvir e de morno aplauso. O Papa, como Bom Pastor saudou a cada um dos Cardeais, com um sorriso aberto, caloroso como se de nada fosse. Tem por isso uma qualidade superior de “manso de coração” mas seguro da sua razão, e não de cinismo ou hipocrisia como poderia deixar transparecer.

Um terceiro comentário, visa a preocupação com que olho para a segurança do Papa, pois esta reforma progressiva e por etapas, é profunda e afecta poderosos interesses que não hesitarão em usar todos os meios que sempre tradicionalmente foram utilizados no Vaticano, para a eliminação de Pontífices: desde o veneno Borgiano, ao homicídio velado e até a atentados públicos.

Finalmente um último comentário: o trabalho pastoral que este Papa vem desenvolvendo, tem um impacto enorme nos próprios fiéis católicos, muitos empedernidos na sua fé, descrentes, afastados e discordantes, mas sobretudo e essa é a boa-nova junto de um universo de pessoas dignas e bem formadas que fruto de decisões familiares pessoais se afastaram da doutrina (recasados civilmente, separados e vivendo em uniões de facto, etc) ou de novas formas de convivência que têm vindo progressivamente a ser aceites pela sociedade civil de um número crescente de países (uniões homossexuais).

O Papa em numerosas atitudes de franco testemunho de abertura, não julga, não condena nem rejeita o acolhimento da Igreja. Manda estudar, reza, recebe quem lhe venha expor as diversas posições a favor e contraditórias e deixa que seja numa assembleia magna apropriada para o efeito, que se venha eventualmente a considerar novas interpretações da doutrina da Igreja.

O que muitos oponentes do Papa não veem é a dimensão de amor que está na base das suas posições: não aprova que os fiéis se divorciem canonicamente, não deseja que a família-base seja alterada no seu conceito original, mas, aceita que não se rejeite do convívio da Igreja quem não seguir exactamente os padrões tradicionais. É diferente encorajar ou aceitar bondosamente as situações inalteráveis ou imponderáveis de pessoas que desejam descobrir no Evangelho um modo de viver baseado na caridade e no amor ao próximo. Então não é este o pilar da mensagem de Cristo e da sua Igreja?

Conheço muita gente de diversos credos, natureza social e educação e frequento alguns ambientes conservadores que abertamente criticam o Papa: devo dizer que uma coisa é informadamente e com respeito intelectual discordarem ou me apresentarem argumentos de que o Papa é comunista e devia continuar a usar sapatos encarnados da Prada.

Para esses o meu silêncio pouco caritativo ou uma firmeza sem tréguas, semelhante à que vejo praticar pelo meu querido Papa Francisco.

Quem sou eu para opinar sobre as qualidades reconhecidas universalmente deste Papa, mas sinto-me como seu seguidor, no dever de o defender e promover a informação correcta a quem quer denegri-lo e à religião que professo.

Afinal, não é só no Iraque nem no Califado que há perseguição à Igreja: uma insinuosa campanha de descrédito, de inimputabilidade para governar a Igreja tem que ser combatida não em termos de disputa do poder terreno, mas nos interesses de se fazer passar a razão de ser da Igreja: a mensagem de Jesus Cristo, seu Fundador.

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