A certidão de nascimento de Portugal foi a Batalha de S. Mamede, naquele dia em que, diz o povo, o filho deu uma tareia na mãe.
A piada histórica predileta dos portugueses é aquela com barbas: como é que o País havia de ter corrido bem, se começou com um filho a bater na mãe? Mas há aqui dois equívocos. O primeiro é que Portugal correu bem durante muito tempo (e esperemos que volte a correr um dia destes); o segundo é que não houve nenhum filho a bater na mãe.
O filho a que a graçola se refere é, como toda a gente sabe, D. Afonso Henriques, fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal; a mãe é D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI de Leão e Castela. Falta recordar a identidade do pai: tratava-se do conde francês Henrique de Borgonha, aparentado com a família real dos Capetos, que tinha vindo anos antes para a Península Ibérica fazer cruzada contra os mouros, colocando-se ao serviço de Afonso VI. Este, que era irmão de uma tia por afinidade do jovem Henrique, engraçou com ele e ofereceu-lhe a administração de uma parte do seu reino - o Condado Portucalense, região que abrangia o Minho, o Douro Litoral e parte de Trás-os-Montes. E como se não bastasse, deu-lhe ainda a mão da filha bastarda.
Quando Henrique, o borgonhês, morreu, deixando nos braços da viúva o pequenito Afonso Henriques, Teresa confiou o rebento à família do fidalgo duriense Egas Moniz, para que o educasse, e assumiu ela o governo do condado. Mas não a consideremos por isso uma mãe desnaturada... Naquele tempo era normal os fidalgotes serem educados por um aio.
D. Teresa ligou-se em seguida aos barões da Galiza no combate contra as ambições hegemónicas de Castela. O mais destacado desses barões era Fernão Peres de Trava, com quem ela se envolveu sentimentalmente. Mas a aliança foi também política, chegando o galego a governar os Condados de Portugal e de Coimbra.
É natural que os barões de Entre-Douro-e-Minho - entre eles Egas Moniz - não tenham estado pelos ajustes. Pegaram então em armas (a bem dizer, naquele tempo nunca as largavam), transformaram o jovem Afonso Henriques em seu estandarte de carne e osso e desafiaram para a luta Fernão Peres e Teresa, que tinham o apoio do arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diego Gelmírez.
E, como não poderia deixar de ser, travou-se uma batalha.
O pintor Acácio Lino concebeu em 1922 um mural que intitulou A Primeira Tarde Portuguesa e que representa os dois bandos de guerreiros enfrentando-se de lanças na mão, não muito longe da silhueta de um castelo. A pintura representa a batalha de S. Mamede, que opôs as tais duas fações na tarde de 24 de junho de 1128, a norte do castelo de Guimarães, pertinho da cidade.
Mas porque se chamou a essa batalha "a primeira tarde portuguesa"? Porque a vitória dos partidários de Afonso Henriques - a maioria dos barões de Entre-Douro-e-Minho e o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes, cioso da sua independência face ao prelado compostelano - abriu caminho à futura independência do País.
Derrotados, Teresa e Fernão Peres deixaram o governo do condado nas mãos do jovem Afonso Henriques e dos barões portucalenses. Reza a tradição, embora não existam provas documentais, que Afonso mandou encerrar a mãe no castelo de Lanhoso, perto de Braga. Esta lenda veio reforçar, se não mesmo construir, a ideia de que ele "batia na mãe". Mas não se tratava de bater como as pessoas normalmente julgam, mas antes de fazer realpolitik, como agora é aliás moda...
Se Teresa e Fernão Peres tivessem vencido em S. Mamede, o núcleo do Estado português continuaria a ser governado pelo casal de amantes, ligados à Galiza. Portugal não se autonomizaria, portanto.
Na lógica das comemorações nacionais, faz algum sentido que o dia 24 de junho nunca tenha sido feriado? É a data da independência portuguesa - se não oficial, pelo menos de facto.
Luís Almeida Martins
A piada histórica predileta dos portugueses é aquela com barbas: como é que o País havia de ter corrido bem, se começou com um filho a bater na mãe? Mas há aqui dois equívocos. O primeiro é que Portugal correu bem durante muito tempo (e esperemos que volte a correr um dia destes); o segundo é que não houve nenhum filho a bater na mãe.
O filho a que a graçola se refere é, como toda a gente sabe, D. Afonso Henriques, fundador da nacionalidade e primeiro rei de Portugal; a mãe é D. Teresa, filha ilegítima de Afonso VI de Leão e Castela. Falta recordar a identidade do pai: tratava-se do conde francês Henrique de Borgonha, aparentado com a família real dos Capetos, que tinha vindo anos antes para a Península Ibérica fazer cruzada contra os mouros, colocando-se ao serviço de Afonso VI. Este, que era irmão de uma tia por afinidade do jovem Henrique, engraçou com ele e ofereceu-lhe a administração de uma parte do seu reino - o Condado Portucalense, região que abrangia o Minho, o Douro Litoral e parte de Trás-os-Montes. E como se não bastasse, deu-lhe ainda a mão da filha bastarda.
Quando Henrique, o borgonhês, morreu, deixando nos braços da viúva o pequenito Afonso Henriques, Teresa confiou o rebento à família do fidalgo duriense Egas Moniz, para que o educasse, e assumiu ela o governo do condado. Mas não a consideremos por isso uma mãe desnaturada... Naquele tempo era normal os fidalgotes serem educados por um aio.
D. Teresa ligou-se em seguida aos barões da Galiza no combate contra as ambições hegemónicas de Castela. O mais destacado desses barões era Fernão Peres de Trava, com quem ela se envolveu sentimentalmente. Mas a aliança foi também política, chegando o galego a governar os Condados de Portugal e de Coimbra.
É natural que os barões de Entre-Douro-e-Minho - entre eles Egas Moniz - não tenham estado pelos ajustes. Pegaram então em armas (a bem dizer, naquele tempo nunca as largavam), transformaram o jovem Afonso Henriques em seu estandarte de carne e osso e desafiaram para a luta Fernão Peres e Teresa, que tinham o apoio do arcebispo de Santiago de Compostela, D. Diego Gelmírez.
E, como não poderia deixar de ser, travou-se uma batalha.
O pintor Acácio Lino concebeu em 1922 um mural que intitulou A Primeira Tarde Portuguesa e que representa os dois bandos de guerreiros enfrentando-se de lanças na mão, não muito longe da silhueta de um castelo. A pintura representa a batalha de S. Mamede, que opôs as tais duas fações na tarde de 24 de junho de 1128, a norte do castelo de Guimarães, pertinho da cidade.
Mas porque se chamou a essa batalha "a primeira tarde portuguesa"? Porque a vitória dos partidários de Afonso Henriques - a maioria dos barões de Entre-Douro-e-Minho e o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes, cioso da sua independência face ao prelado compostelano - abriu caminho à futura independência do País.
Derrotados, Teresa e Fernão Peres deixaram o governo do condado nas mãos do jovem Afonso Henriques e dos barões portucalenses. Reza a tradição, embora não existam provas documentais, que Afonso mandou encerrar a mãe no castelo de Lanhoso, perto de Braga. Esta lenda veio reforçar, se não mesmo construir, a ideia de que ele "batia na mãe". Mas não se tratava de bater como as pessoas normalmente julgam, mas antes de fazer realpolitik, como agora é aliás moda...
Se Teresa e Fernão Peres tivessem vencido em S. Mamede, o núcleo do Estado português continuaria a ser governado pelo casal de amantes, ligados à Galiza. Portugal não se autonomizaria, portanto.
Na lógica das comemorações nacionais, faz algum sentido que o dia 24 de junho nunca tenha sido feriado? É a data da independência portuguesa - se não oficial, pelo menos de facto.
Luís Almeida Martins
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