Eva estava desolada, pois Adão tinha morrido.
Fora muito
comovente ver para além dos seus filhos, Abel e Caim, todos os amigos de
Adão, o Rei Leão, as panteras, as chitas, os gamos, os saguis, as
girafas, os hipopótamos, os bisontes, enfim todos os animais da selva
que tinham vindo de todos os lados numa grande manifestação de respeito
pelo Homem.
Claro que a serpente viscosa e tentadora, tentou
juntar-se ao grupo, mas o Rei dos Elefantes, dera-lhe uma trombada que a
tinha mandado para longe.
Eva tentava lembrar-se daquele Homem a
quem vira a sua sorte ligada no paraíso, aonde viviam, sem a noção de
tempo e com a promessa da imortalidade e da infinidade e perguntava-se
se teria sido porventura aquele incidente com o seu Deus que tornara
Adão mortal e em consequência, tanto ela como os seus filhos.
Enquanto
cuidava de Caim, pois Abel já era mais crescido e alimentava-se de mel e
de frutos silvestres, de raízes de ervas e de leite de cabra, reviveu
esses momentos em que vira pela primeira vez o seu Deus tão
zangado…..talvez não fosse a palavra certa, inconsolavelmente desiludido
com ambos.
Era numa daquelas tardes tão bonitas de luz e de tranquilidade no éden.
-
Eva, temos tudo para sermos felizes – disse Adão enquanto acariciava o
corpo dela que estava nua e ao seu colo, estendida entre os seus braços.
Temos o nosso Deus, temos os animais por companhia que nos obedecem,
respeitam e nos servem num equilíbrio perfeito. Conhecemos o prazer sem
limites e não temos contrariedades.
Levantaram-se e
aproximaram-se de um pomar cujo acesso lhes tinha sido interdito por
Deus e aonde havia uma macieira, e Adão preparava-se para colher uma
maçã que estava pendurada ali à mão.
- Este pomar foi-vos
proibido pelo vosso Deus para que aqui viessem e dele desfrutassem –
disse a serpente, brilhante nas suas escamas e coliante entre as
ramadas, deslizando até perto deles.
- O que dizes? – perguntou Adão. É só uma maçã, está calor e é refrescante e apetece-nos comê-la.
-
O vosso Deus deixa-vos andar por todo o lado e só neste pomar vos
interditou a presença. Parece que quem comer destes frutos, adquire
conhecimentos iguais ao do Criador.
Adão recuou e preparava-se para voltar para trás, quando Eva, enroscando-se no seu corpo, lhe sussurrou ao ouvido:
-
O meu Homem, tem medo de conhecer o segredo de Deus? Ficarias igual a
Ele, com tudo o que Ele sabe e nos tem proporcionado de bom, de belo, de
eternidade, de poder. – disse Eva.
- Mas Eva, o nosso Deus é
nosso amigo, quando contacta connosco tem orgulho em nós, por termos
sido a obra da sua criação perfeita, infinita e sem limites e temos tudo
quanto precisamos, queremos e desejamos neste paraíso imenso. Somos
seres superiores aos animais e dominamo-los. Não há mais ninguém entre
nós e o nosso Deus.
- A Eva tem razão. – disse a serpente. Já
pensaste porque será que Deus vos esconde este pequeno pomar? Deve ser
aqui que está a fonte do Seu poder, a explicação para a vossa
existência, o controlo de todo o Universo. Vá lá, também só um pequeno
acto de desobediência não vos causará dano. Ainda por cima se o fizerem
escondidos, por baixo dos ramos da macieira, Ele não o saberá. Quem sabe
se não está nesse fruto a fonte do conhecimento? – e a serpente
enroscava-se cada vez mais ao ramo de onde pendia a maçã apetitosa e
singela.
- Não vou desobedecer ao meu Deus – disse Adão. Eva,
vamo-nos daqui pois a serpente está-nos a tentar desafiar uma proibição
do nosso Deus! Afinal temos tudo o que nos apetece, excepto o desfrute
deste pomar a que por razões que só o nosso Deus sabe, não podemos
aceder.
- Adão, só uma maçã, aquela tão bonita e apetecível
perto da serpente. Está escondida pela ramagem e podemos comê-la sem
Deus nos ver.
Adão foi chamado por Deus que disse a ambos para
cobrirem a sua nudez, pois tinham sido maculados pela desobediência e
assim tornados criaturas não mais semelhantes à imagem do seu Deus e
Criador.
Eva lembra-se de ouvir Deus irado perguntar a Adão
porque o tinham desiludido ao quererem tornar-se iguais a Ele, quando
tinha grandes planos para eles e até o de partilharem a Sua Divindade.
Pela
primeira vez Eva sentiu sensações estranhas, de medo, de culpa, de
sofrimento – a dor por contraposição ao prazer que até ali sempre
sentira – e tinha visto Adão aniquilado pelo acto que fizera e ambos não
tiveram mais notícias de Deus, durante….muito tempo. Esta foi uma noção
que passaram a ter, a de seres finitos, no espaço e no tempo.
Deus
só lhes apareceu muitas luas e sóis depois, e andaram pela Terra
perdidos e o paraíso deixou de ser tão viçoso e vieram as estações com
as chuvas, o frio, o calor e a amenidade da Primavera e do Outono.
Ao manifestar-se de novo, chamou-os aos dois e sentiram que era outra vez o Deus que os amava.
E
Deus disse-lhes que os planos iniciais tinham sido alterados pela
soberba, desobediência e falta de aceitação das condições acordadas e
que tinha novos planos para eles. Iriam ser os autores de gerações e
gerações de outros seres humanos e que um dia e ao contrário do previsto
que era a eternidade sem sofrimento, dor e morte seriam remidos por um
seu enviado que viria para salvar a Humanidade e voltar a estabelecer o
equilíbrio, a alegria e a partilha da visão eterna da felicidade de
Deus.
Ω
Adão
recompusera-se e com Eva descobriram partes do corpo que até então não
tinham explorado e tornaram-se complementares um do outro.
O
prazer passou da inspiração única e absoluta de Deus, para um conjunto
de sensações que estimulavam o desejo de estarem juntos e trocarem
afeições em contraposição ao de antigamente de mera dominação dos
animais e de serem servidos sem distinção do papel de cada um.
Eva,
sentira que Adão lhe imputara em exclusivo aquela cedência dos dois às
palavras insinuantes e perturbadoras da serpente, mas nunca mais tinham
abordado o assunto entre si.
Tinha nascido primeiro Abel e
depois Caim. Adão, desde logo se entregara ao acompanhamento e
crescimento do primogénito e Eva, porque ficara mais com a guarda de
Caim, criara com ele uns laços de dependência, a que não conseguia
encontrar uma explicação. Perturbava-a, dava-lhe o amor de mãe e via-o
crescer mas era como se encontrasse nele um prolongamento da imagem e
personalidade de Adão.
Abel era manifestamente um filho do seu
pai, afável, cordato e sabendo com Adão arbitrar as diferenças que
também no mundo da selva tinham ocorrido depois do desencontro com Deus.
Havia os fortes e os fracos, os predadores, a morte como
consequência da linha de dependência de sobrevivência de uns para com os
outros e a tudo ambos se iam adaptando e dando sinais de serem ainda a
raça superior dominante.
Deus rareava nos seus contactos e para a pequena família a noção de tempo passara a ser uma realidade.
Adão estava menos novo e tanto Abel como Caim iam crescendo a olhos vistos.
Eva sentia-se muito bem com o seu corpo e tinha a noção da harmonia das formas apesar do tempo que passava.
Caim,
era de facto um perturbador do equilíbrio da natureza: juntava-se aos
animais mais perigosos, aos mais traiçoeiros e aos mais ousados e
metia-se em rixas, sabendo que apesar de haver sempre vencidos e
vencedores, talvez por ser humano, no último minuto abandonava os
primeiros aliados e deixava-os à sua sorte.
Era Abel quem dirigia a vida da família e assegurava o alimento, o abrigo e a defesa contra os animais ferozes.
Caim
fora sempre desobediente: saía nas tempestades, desaparecia durante
dias causando preocupações a Eva e a Abel, e voltava sempre sujo, com
traços de lutas com animais a que comprovadamente vencera.
Quando
recebia as críticas de Abel corroboradas pelas de Eva, estranhamente
amansava com as da mãe e sentia ódio pela autoridade e a certeza da
razão que emanava de Abel.
Davam-se entre os dois sem sentimentos
especiais de afeição, um reconhecendo com penosidade ao outro poderes
de substituição da autoridade paterna que desaparecera e o outro
sentindo uma obrigação-dever de cumprir aquilo que insítamente herdara
do pai, mas sem qualquer especial fervor ou dedicação.
Eva
descobrira Caim, por várias vezes escondido, olhando para o seu corpo nu
quando se preparava para deitar, mas não sentiu qualquer perturbação.
Deus
dissera-lhes que tinham que crescer e multiplicar-se para encherem a
Terra de descendentes com vista ao plano que mencionara de enviar um
Salvador para a Humanidade.
Eva tinha dado à luz, de Adão, os seus dois filhos e como pais foram ambos iguais e diferentes entre si mas complementando-se.
Nunca tinha pensado como Deus quereria que nascessem novos filhos dos seus filhos pois Adão não estava mais.
Caim
tinha experimentado com macacas fêmeas alguns gestos sexuais a que a
sua natureza lhe impelira ao vê-las com os machos na prática do
acasalamento, mas sabia que havia uma diferença entre o corpo de Eva e o
delas e cada dia que passava rondava a mãe, com temor e hesitação, pois
sem saber explicar, desejava praticá-los com ela.
Espiava-a
quando a via nua no riacho e ao acostar-se à noite, reparara nos seios
cheios e grandes, na pele macia do corpo, na boca carnuda, nos olhos
brilhantes, no cabelo tão longo que quase a cobria e nas zonas roliças
do fim das costas, firmes e proporcionadas.
Sentia uma especial
atracção à frente pela zona mais macia entre as pernas, que já,
entretanto, experimentara com as macacas copiando o que vira os machos
fazer e desejava ardentemente aproximar-se de Eva e repetir o que lhe
dera tanto prazer.
Abel, tal como o seu irmão Caim, desejava a
mãe e decidira vigiar o irmão, pois sentia nele exactamente o mesmo e
achava-se com um direito de primazia.
Uma noite, Eva ia
acostar-se e sentiu gestos perto de si. Devagar parou de se mexer e
ouviu um respirar ofegante mais próximo e constatou que era Caim que em
silêncio a observava e cada vez mais se aproximava.
Abel
regressava de mais uma expedição para trazer alimentos para casa e ao
chegar mais perto sentiu gemidos e ruídos semelhantes aos que
experimentara quando forçara macacas a consigo acasalarem.
Não
teve dúvidas que era Caim e Eva fazendo aquilo que a ele lhe era devido e
invade o espaço de rompante e avança para Caim disposto a matá-lo.
Dois rivais lutando até à morte pela sua presa. Eva estava suspensa e em silêncio sem intervir.
Caim,
mais ágil nas lutas a que estava habituado com animais ferozes e
matreiros, provoca Abel para uma luta de corpo a corpo que só podia ter
como desfecho a morte de um dos contendores.
Eva,
vivia com Caim e já tinha dado à luz numerosa descendência e tanto Adão
como Abel não eram mais do que uma nebulosa memória do seu passado.
MNA
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
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