quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ó António ( Pinto da França) aonde estarás? Fazes-me cá falta!


Já tanto se disse sobre o António Pinto da França, da sua morte prematura, das suas qualidades visíveis, da obra feita, da sua inteligência fulgurante, dos dotes para escrever, do seu papel de insigne Embaixador deste país sem rumo, que não me resta senão falar da amizade que entre nós existia.

Conheci-o já tarde na vida, aqui em Portugal e nas suas vindas a Lisboa e nas minhas idas a casa dele em Tomar. Almoçávamos quase a cada 3 semanas e tínhamos uma vasta correspondência por e-mail, quase diária, seguramente semanal.

Comentava no meu blogue, profícuo em artigos, escritos, poemas, histórias e trocávamos a propósito de cada tema nele tratado, as nossas ideias, as críticas, as concordâncias e novas sugestões para as conversas dos próximos encontros.

Concordávamos quase em tudo, o que foi uma surpresa bem grande para mim, para além de gratificante por ter mais 17 anos do que eu, mas sobretudo pela frescura, modernidade, ousadia e enorme amizade que transmitia na nossa relação.

E quando soube da queda e das respectivas consequências e numa visita com ele ainda lúcido que fiz ao Hospital, senti que o iria perder para sempre.

Uma melancolia e tristeza que nunca mais deixou de estar em mim, quando nele pensava e escrevia e quando chegava ao seu nome na minha lista de envios de e-mail, realizava que já não valia a pena voltar a mandar, amedrontava-me quando falava com a Sofia ou qualquer das Cunhadas. Não o fazia por “politesse”, mas por cuidado, por aquilo que se sente de quem se gosta e que sai naturalmente. É mais do que dever e obrigação, é deleite em ainda saber de que está vivo, ainda que sem estar!

Fui ao enterro e no meio do barulho de gente que hoje em dia não respeita o direito da memória do defunto, ao menos a um pouco de silêncio, estive antes da missa de corpo-presente, a conversar com ele como se me respondesse. Tratámos de uns assuntos pendentes. Ri-me ao ver gente de quem ele não gostava, ou melhor, de quem tinha razões intelectuais, profissionais e pessoais para não os querer ter perto do corpo ainda quente e virem à "feira das vaidades" e não quererem perder de ser vistas, como íntimos e amigos. Que grande topete!

Adorava ir almoçar comigo a um restaurante chamado “Salsa e Coentros” e gostava muito do Duarte, o dono. Come-se divinalmente, é-se bem tratado e conversávamos horas à volta da mesa. Um dos meus Filhos, ficou pasmado quando no dia da sua morte, logo após saber, telefonei ao Duarte e o informei do seu passamento: ficou com uma voz genuinamente triste, perguntou aonde estava o corpo e desligou com respeito e agradecimento por este acto de reconhecimento da sua importância na nossa presença assídua no seu "habitat". Sei que o António, me agradeceu este gesto que fiz porque entre nós não havia cerimónia na amizade, na cumplicidade e nos comportamentos normais e naturais com pessoas que nos estimam e nos acarinham.

Tenho dedicatórias inesquecíveis, injustas, exageradas, amigas nos seus livros que me ofereceu, e-mails, cartas, conversas que revelam um homem aberto ao mundo moderno e desempoeirado, ao amor fraterno, ao não ódio, à concórdia, à elevação do espírito, às histórias pitorescas, ao “unusual”, à observação dos outros.

Eu dizia-lhe que havia uns que eram “bird-watchers”, pois nós éramos os dois “human-watchers” e reconhecíamos com gáudio o enriquecimento, o prazer e a aprendizagem modesta que nos trazia para a luta da vida em sociedade.

Um dia, quando fizer o “luto” da sua morte dentro de mim, talvez reúna num pequeno opúsculo a nossa troca de correspondência, à guisa do Ramalho Ortigão e do Eça nos “Mistérios da Estrada de Sintra”.

Tínhamos ambos mau feitio e alguma intolerância para quem nos afrontava em ideias, críticas estúpidas e soezes, na verdade nunca dirigidas às nossas pessoas, mas sentíamos como que uma responsabilidade colectiva de nos opormos aos despautérios da ignorância, da intolerância, da estupidez: gozávamos deste deleite que é o de sabermos ser diferentes no nosso "múnus" de observadores de seres humanos!

Profissões totalmente distintas, cada um com os seus talentos a ter que dar contas um dia e numa entreajuda fraterna, generosa e desinteressada com que me ajudou nos primeiros contactos no Brasil.

Já sinto a falta do António, é daquelas coisas que vai sempre acontecer. É como a cada manhã, ir à procura do cinto para pôr nas calças e não me passar pela cabeça de sair sem ele.

O António era e continua a ser indispensável para mim, e bem sei que para tantos outros e outras, mas hoje a sua ausência marca-me e sinto-me bem por dele ter falado tão aberta e singelamente.

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