Já tanto se disse
sobre o António Pinto da França, da sua morte prematura, das suas qualidades
visíveis, da obra feita, da sua inteligência fulgurante, dos dotes para
escrever, do seu papel de insigne Embaixador deste país sem rumo, que não me
resta senão falar da amizade que entre nós existia.
Conheci-o já
tarde na vida, aqui em Portugal e nas suas vindas a Lisboa e nas minhas idas a
casa dele em Tomar. Almoçávamos quase a cada 3 semanas e tínhamos uma vasta
correspondência por e-mail, quase diária, seguramente semanal.
Comentava no meu
blogue, profícuo em artigos, escritos, poemas, histórias e trocávamos a
propósito de cada tema nele tratado, as nossas ideias, as críticas, as
concordâncias e novas sugestões para as conversas dos próximos encontros.
Concordávamos
quase em tudo, o que foi uma surpresa bem grande para mim, para além de
gratificante por ter mais 17 anos do que eu, mas sobretudo pela frescura,
modernidade, ousadia e enorme amizade que transmitia na nossa relação.
E quando soube da
queda e das respectivas consequências e numa visita com ele ainda lúcido que fiz
ao Hospital, senti que o iria perder para sempre.
Uma melancolia e
tristeza que nunca mais deixou de estar em mim, quando nele pensava e escrevia
e quando chegava ao seu nome na minha lista de envios de e-mail, realizava que
já não valia a pena voltar a mandar, amedrontava-me quando falava com a Sofia ou
qualquer das Cunhadas. Não o fazia por “politesse”, mas por cuidado, por aquilo
que se sente de quem se gosta e que sai naturalmente. É mais do que dever e
obrigação, é deleite em ainda saber de que está vivo, ainda que sem estar!
Fui ao enterro e
no meio do barulho de gente que hoje em dia não respeita o direito da memória
do defunto, ao menos a um pouco de silêncio, estive antes da missa de
corpo-presente, a conversar com ele como se me respondesse. Tratámos de uns assuntos pendentes. Ri-me ao ver gente de quem ele não gostava, ou melhor, de quem tinha razões intelectuais, profissionais e pessoais para não os querer ter perto do corpo ainda quente e virem à "feira das vaidades" e não quererem perder de ser vistas, como íntimos e amigos. Que grande topete!
Adorava ir
almoçar comigo a um restaurante chamado “Salsa e Coentros” e gostava muito do
Duarte, o dono. Come-se divinalmente, é-se bem tratado e conversávamos horas à
volta da mesa. Um dos meus Filhos, ficou pasmado quando no dia da sua morte,
logo após saber, telefonei ao Duarte e o informei do seu passamento: ficou com uma
voz genuinamente triste, perguntou aonde estava o corpo e desligou com respeito e agradecimento por este acto de reconhecimento da sua importância na nossa presença assídua no seu "habitat". Sei que o António, me agradeceu este gesto que fiz porque entre nós não
havia cerimónia na amizade, na cumplicidade e nos comportamentos normais e
naturais com pessoas que nos estimam e nos acarinham.
Tenho
dedicatórias inesquecíveis, injustas, exageradas, amigas nos seus livros que me ofereceu, e-mails, cartas, conversas que
revelam um homem aberto ao mundo moderno e desempoeirado, ao amor fraterno,
ao não ódio, à concórdia, à elevação do espírito, às histórias pitorescas, ao “unusual”,
à observação dos outros.
Eu dizia-lhe que
havia uns que eram “bird-watchers”, pois nós éramos os dois “human-watchers” e
reconhecíamos com gáudio o enriquecimento, o prazer e a aprendizagem modesta
que nos trazia para a luta da vida em sociedade.
Um dia, quando
fizer o “luto” da sua morte dentro de mim, talvez reúna num pequeno opúsculo a
nossa troca de correspondência, à guisa do Ramalho Ortigão e do Eça nos “Mistérios
da Estrada de Sintra”.
Tínhamos ambos
mau feitio e alguma intolerância para quem nos afrontava em ideias, críticas
estúpidas e soezes, na verdade nunca dirigidas às nossas pessoas, mas sentíamos como que uma
responsabilidade colectiva de nos opormos aos despautérios da ignorância, da
intolerância, da estupidez: gozávamos deste deleite que é o de sabermos ser
diferentes no nosso "múnus" de observadores de seres humanos!
Profissões
totalmente distintas, cada um com os seus talentos a ter que dar contas um dia
e numa entreajuda fraterna, generosa e desinteressada com que me ajudou nos
primeiros contactos no Brasil.
Já sinto a falta
do António, é daquelas coisas que vai sempre acontecer. É como a cada manhã, ir
à procura do cinto para pôr nas calças e não me passar pela cabeça de sair sem
ele.
O António era e
continua a ser indispensável para mim, e bem sei que para tantos outros e outras, mas hoje a sua ausência marca-me e sinto-me bem por dele ter falado tão aberta e singelamente.
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