Meu Querido Luís
Bernardo,
Hoje ao folhear
um livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade, que comprei no Brasil há já
alguns anos, tropecei numa pedra:
No meio do
caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra
no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do
caminho tinha uma pedra.
Nunca me
esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas
retinas tão fatigadas.
Nunca me
esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra
no meio do caminho
no meio do
caminho tinha uma pedra.
E pensei no
sentido da repetição de ter uma pedra no meio do caminho e liguei às retinas
tão fatigadas…
Quer dizer, já se
está tão cansado de lutar pela vida com todas as suas luzes e sombras, de se ser
criticado, que já não se enxerga a pedra no caminho, e a insistência é uma
referência à desistência, um apelo forçado à tristeza e ao abandono de quem nos
rodeia, uma sentença quase de morte no afecto, no perdão, no esquecimento e na
punição sem misericórdia.
Sendo Drummond de
Andrade um dos poetas de quem eu mais gosto e leio, e conhecendo esta poesia da
“pedra”, nunca a tinha olhado desta maneira.
Luís Bernardo, é
forçoso que tudo se aceite?
Eu sou dos que,
ao admirar e cada vez mais este Papa Francisco, cheio de bom senso, caridade e
doçura, reconheço-lhe vigor e até uma certa veemência verbal, adoptando um ar
mais sério, quando se pronuncia sobre assuntos que para ele são indiscutíveis,
não a nível pessoal, mas ao múnus da Igreja a que pastoreia: o respeito pelos
que sofrem, a ajuda aos mais pobres, a condenação dos exploradores e opressores
dos mais desfavorecidos, e repete-o, a alegria que deve encher a nossa vida.
Ora, as pedras,
magoam e sobretudo se se lhe dão topadas, por não se vislumbrarem por cansaço
de visão e de tristeza e causam o oposto da alegria.
Diz-me cá tu, Luís
Bernardo, o que farias se tivesses pedras no caminho? Pegá-las e ainda que com
esforço, arremessá-las de volta, desprezares quem tas põe no caminho, sofrer
sem nada fazer, teres instintos de vingança?
Deixa-te de bons
conselhos, hoje apetece-me que sejas um homem valente e tomes o meu partido,
não me venhas com falinhas mansas de paz e de concórdia. Pedras não têm a ver com orgulho próprio, soberba, até falhas...são postas por outros.
As pedras são
pedras, não há outra maneira de as definir. Não são como o ouro de El-Rei Dom
Diniz que no regaço da Rainha se transformaram em rosas. Linda de morrer a
lenda, mas isso foi em Estremoz e lá para os meus lados.
Enfim, escreve o
que quiseres e eu logo verei se te sigo. Claro que não quero forçar-te a
dizeres-me o que quero ouvir.
Mas sê compassivo
e dá-me razão, por uma vez!
Teu primo muito
afeiçoado
Manuel
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