Maria João Pires
ao piano. "Nocturnos" de Chopin.
Apetecia-me a paz
por umas horas. Desligar da vida como se por milagre uma tomada sem corrente
não trouxesse a escuridão.
“Mehr licht” ,
mais luz - disse Goethe no leito de morte. Percebo-o, deve ser horrendo primeiro
a penumbra, depois a sombra e finalmente a noite sem fim.
Estranha esta
forma de vida, de mais sofrimento do que prazer. No fundo, se repararmos bem, é
fugaz e sem permanência na memória, como se não merecêssemos.
Mas quem tem culpa
de nascer e por consequência da cadeia de fenómenos que nos inclina para a
prática do bem ou do mal?
Quem gera o
criminoso, o proscrito da sociedade por qualquer destes novos ou velhos
estigmas que o excluem da convivência colectiva, tem a noção que no acto de
procriar, depois do nascer e finalmente de o lançar nas teias do mundo, pode
ter originado um ser sem culpa das consequências que pratica?
Aonde está o
perdão? Porque só se encontra dentro das religiões? Parece mais saboroso qual
rebuçado envolto em papel colorido, conforme a tolerância filosófica de cada
uma…paternalista, hipócrita sem ir ao fundo da questão. Porquê eu?
Tenho pensado
muitas vezes neste conceito de culpa e a sensação que sinto, se porventura
estivesse na ala da morte prestes a ser eletrocutado por um crime qualquer,
seria a de bocejo, de boca a saber a papel de música, um vazio – sentimento de
fatalidade, sem vontade de esboçar gestos, de me cansar sequer.
Ao menos pensaria
que uma vez feito, a morte viria buscar-me e descansaria.
Apetecia-me a paz
por umas horas. Aí seria garantida, e sem limite de tempo.
Ainda continuam
os Nocturnos de Chopin. São tantos e tão bonitos. Descansativos. Uma
aproximação ao sono percursor da paz do espírito.
Sem comentários:
Enviar um comentário