Já tinha ouvido muita
coisa sobre os agentes secretos israelitas, porém a coisa que mais sabia era
que, na verdade, não sabia quase nada.
Isto compreende-se quando
estamos a falar de um dos serviços secretos mais “famosos” do mundo – entre
aspas, já que esta fama se deve justamente ao facto de pouco se saber. Ouve-se
dizer muita coisa sobre a CIA, a Interpol ou o MI-6, mas quase nada sobre a
Mossad – Instituto para a Inteligência e Operações Especiais.
O Príncipe e eu fomos numa
viatura oficial do Hotel Excelsior para o edifício do Museu da Mossad, nesse dia inaugurado.
Esperavam-nos uma série
de individualidades, entre elas generais do Exército e da Força Aérea fardados e com o peito constelado de condecorações, alguns políticos e
jornalistas, entre eles um muito conhecido de nome URI DAN, de quem fiquei
muito amigo e com quem me escrevi até ter morrido. Visitou-me em Portugal com a
mulher e ofereceu-me o seu livro sobre a Mossad, autografado. Era um reconhecido repórter, que colaborou com
o New York Post, o Jerusalem Post e com o Ma’ariv. Escreveu vários livros,
nomeadamente, “Ariel Sharon :
entretiens intimes avec Uri Dan”, “Blood libel: The inside story of General
Ariel Sharon's history-making suit against Time magazine”, “Crimes d'état :
L'assassinat de Rabin, les attentats”, “Sharon's Bridgehead”, “To the Promised
Land”,”Eichmann syndrome” e o referido livro que acima refiro.
Tínhamos chegado a Tel
Aviv poucos dias depois dos jornais de todo o mundo noticiarem que os homens da
Mossad teriam sido identificados durante uma operação, que deveria ter sido secreta,
em Dubai e de que resultou a morte de um dos líderes do Hamas, Mahmoud
al-Mabhouh. Como era possível que a tão famosa “agência de inteligência” israelita
tivesse cometido uma série de equívocos, deixando pistas sobre a sua acção e
colocando em cheque a sua capacidade.
Ficou provado que os
agentes secretos usaram passaportes falsos para entrar no Dubai, bem como se deixaram
ser filmados ao porem seus disfarces nos lavabos do hotel. Mahmoud al-Mabhouh,
principal fornecedor de armas do Hamas, foi morto por envenenamento no seu
próprio quarto.
Fomos acompanhados pelo
Director do Museu que nos mostrou, naturalmente, aquilo que nos quiseram fazer
ver, mas muitas das alas estavam com as legendas em hebreu e apesar da
amabilidade do nosso anfitrião em nos traduzir para mau inglês, tornou-se
enfadonha a descrição de cada missão e passámos rapidamente para uma sala ampla
aonde se servia um cocktail.
Aí apresentaram ao
Príncipe e a mim alguns dos mais famosos agentes secretos que sem cerimónia, bebiam
sem parar, aliás acompanhados por nós, e como havia uns vagos croquetes e
pastéis, o nível do álcool produzia gradativamente os seus efeitos e reinava grande
camaradagem e alguma excitação por falarem com o Príncipe. Contavam grandes
histórias e proezas do passado e eu ia registando quem era cada um para mais
tarde relembrar.
O Príncipe estava bem-disposto
e chamando-me à parte, pediu-me para convidar em nome dele os principais
notáveis para jantar num restaurante de peixe nas docas, aonde tínhamos estado
na véspera e que era para além de muito apetitoso, de grande qualidade e muito reputado. Percebemos que nunca lá tinham ido e muito se regozijaram, pois era caríssimo!
Ficaram honradíssimos e
nós encantados pela aceitação, pois achávamos que não seria permitido. No carro
comentámos entre os dois, que íamos tentar saber a veracidade de vários episódios que estavam
envoltos em mistério.
A bebida faria milagres, pensei eu, pois já no museu
tinha operado grandes revelações!
Durante o jantar o vinho
correu a rodos, como nas bodas da Caná, e como o restaurante era de enorme
categoria, tinha uma garrafeira excelente cujas marcas de grande renome, o
Príncipe generosamente ia oferecendo aos seus convidados e igualmente fazendo jus!
Eu ia guardando as
distâncias e mantinha-me o mais sóbrio que conseguia. Se quiséssemos ter
montado alguma operação secreta ali à mesa, seguro que os espiões do inimigo,
bastariam ter-se sentado na mesa do lado.
O barulho, as gargalhadas, as
palmadas pouco protocolares nas costas régias, aliás muito bem recebidas e aceites, as promessas de grande amizade, renovavam-se a cada “shot”!
Aproveitei então para
fazer algumas perguntas. Lembro-me que inquiri sobre o fracasso da missão no Dubai,
e o nosso agente “sénior”, sorriu e perguntou num tom irónico:
- “Mas a que fracasso se
refere?”
Percebi exactamente o seu
ponto de vista. Realmente, a missão foi cumprida e o alvo foi eliminado.
A Mossad, durante toda a sua
história, esteve envolvida em inúmeras operações que envolveram raptos,
assassinatos, conspirações e todo tipo de BlackOps (operações secretas negadas
pelo próprio Governo).
Ao chegarmos ao hotel depois
de um jantar bem regado, senti-me como num filme de James Bond. Aguardávamos
pelo nosso convidado no bar do hotel (um dos mais reputados directores da Mossad
que se tinha mantido reservado ao jantar), quando o empregado se aproximou e me
entregou um bilhete e um cartão-chave do hotel.
O bilhete, em inglês,
dizia: “Venham ao meu quarto à
meia-noite.”
Era o tipo de coisas que para
ambos era inédito.
O encontro foi realmente
excepcional. Estivémos a noite inteira a conversar sobre factos históricos de
Israel. Explicou-nos a diferença entre a Mossad e o Shin Bet, a agência de espionagem
que actua internamente em Israel. Disse-nos que a Mossad foi fundada em 1949 e está
sempre ligada directamente ao Primeiro-Ministro. Revelou que, em geral, os agentes
secretos infiltrados de Israel não são israelitas. Segundo ele, era muito
difícil infiltrar alguém estranho, nas células do terrorismo, o que nos pareceu
fazer todo o sentido.
Mostrou-nos desde aparelhos
de escutas super sofisticados a alguns disfarçados, desde relógios a cintos com câmaras
escondidas. E acrescentou que isso não era nada!
Quando perguntámos sobre
o treino dos agentes secretos, sentimos que nosso convidado mudou de tom. Ele
olhou-nos e perguntou-nos se nos exércitos dos nossos países havia algum curso
de operações especiais. Respondemos que supúnhamos que sim. E ele então sorriu
e disse: “Então perguntem e saberão, como é”!
Uma das acções que
renderam à Mossad toda a sua fama foi a operação “Cólera de Deus”, que tinha
como objectivo eliminar os responsáveis pelo massacre nos Jogos Olímpicos de
Munique. Confessou-nos que existiam muitas informações contraditórias sobre
esta operação que durou mais de vinte anos. A operação marcou também o início
de uma série de atentados do grupo terrorista palestino Setembro Negro, como represália
às acções da Mossad.
Quanto a mim, deixei
Israel com a impressão de que nem tudo o que parece é, e que muitas vezes
acreditamos naquilo que o nosso interlocutor nos quer fazer crer.
Um afectuoso abraço do teu primo
Manuel
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