terça-feira, 9 de abril de 2013

Continuação da viagem a Israel com o Príncipe de Sabóia - a Mossad



Já tinha ouvido muita coisa sobre os agentes secretos israelitas, porém a coisa que mais sabia era que, na verdade, não sabia quase nada.

Isto compreende-se quando estamos a falar de um dos serviços secretos mais “famosos” do mundo – entre aspas, já que esta fama se deve justamente ao facto de pouco se saber. Ouve-se dizer muita coisa sobre a CIA, a Interpol ou o MI-6, mas quase nada sobre a Mossad – Instituto para a Inteligência e Operações Especiais.

O Príncipe e eu fomos numa viatura oficial do Hotel Excelsior para o edifício do Museu da Mossad, nesse dia inaugurado.

Esperavam-nos uma série de individualidades, entre elas generais do Exército e da Força Aérea fardados e com o peito constelado de condecorações, alguns políticos e jornalistas, entre eles um muito conhecido de nome URI DAN, de quem fiquei muito amigo e com quem me escrevi até ter morrido. Visitou-me em Portugal com a mulher e ofereceu-me o seu livro sobre a Mossad, autografado.  Era um reconhecido repórter, que colaborou com o New York Post, o Jerusalem Post e com o Ma’ariv. Escreveu vários livros, nomeadamente, “Ariel Sharon : entretiens intimes avec Uri Dan”, “Blood libel: The inside story of General Ariel Sharon's history-making suit against Time magazine”, “Crimes d'état : L'assassinat de Rabin, les attentats”, “Sharon's Bridgehead”, “To the Promised Land”,”Eichmann syndrome” e o referido livro que acima refiro.

Tínhamos chegado a Tel Aviv poucos dias depois dos jornais de todo o mundo noticiarem que os homens da Mossad teriam sido identificados durante uma operação, que deveria ter sido secreta, em Dubai e de que resultou a morte de um dos líderes do Hamas, Mahmoud al-Mabhouh. Como era possível que a tão famosa “agência de inteligência” israelita tivesse cometido uma série de equívocos, deixando pistas sobre a sua acção e colocando em cheque a sua capacidade.

Ficou provado que os agentes secretos usaram passaportes falsos para entrar no Dubai, bem como se deixaram ser filmados ao porem seus disfarces nos lavabos do hotel. Mahmoud al-Mabhouh, principal fornecedor de armas do Hamas, foi morto por envenenamento no seu próprio quarto.

Fomos acompanhados pelo Director do Museu que nos mostrou, naturalmente, aquilo que nos quiseram fazer ver, mas muitas das alas estavam com as legendas em hebreu e apesar da amabilidade do nosso anfitrião em nos traduzir para mau inglês, tornou-se enfadonha a descrição de cada missão e passámos rapidamente para uma sala ampla aonde se servia um cocktail.

Aí apresentaram ao Príncipe e a mim alguns dos mais famosos agentes secretos que sem cerimónia, bebiam sem parar, aliás acompanhados por nós, e como havia uns vagos croquetes e pastéis, o nível do álcool produzia gradativamente os seus efeitos e reinava grande camaradagem e alguma excitação por falarem com o Príncipe. Contavam grandes histórias e proezas do passado e eu ia registando quem era cada um para mais tarde relembrar.

O Príncipe estava bem-disposto e chamando-me à parte, pediu-me para convidar em nome dele os principais notáveis para jantar num restaurante de peixe nas docas, aonde tínhamos estado na véspera e que era para além de muito apetitoso, de grande qualidade e muito reputado. Percebemos que nunca lá tinham ido e muito se regozijaram, pois era caríssimo!

Ficaram honradíssimos e nós encantados pela aceitação, pois achávamos que não seria permitido. No carro comentámos entre os dois, que íamos tentar saber a veracidade de vários episódios que estavam envoltos em mistério. 

A bebida faria milagres, pensei eu, pois já no museu tinha operado grandes revelações!

Durante o jantar o vinho correu a rodos, como nas bodas da Caná, e como o restaurante era de enorme categoria, tinha uma garrafeira excelente cujas marcas de grande renome, o Príncipe generosamente ia oferecendo aos seus convidados e igualmente fazendo jus!

Eu ia guardando as distâncias e mantinha-me o mais sóbrio que conseguia. Se quiséssemos ter montado alguma operação secreta ali à mesa, seguro que os espiões do inimigo, bastariam ter-se sentado na mesa do lado. 

O barulho, as gargalhadas, as palmadas pouco protocolares nas costas régias, aliás muito bem recebidas e aceites, as promessas de grande amizade, renovavam-se a cada “shot”!

Aproveitei então para fazer algumas perguntas. Lembro-me que inquiri sobre o fracasso da missão no Dubai, e o nosso agente “sénior”, sorriu e perguntou num tom irónico:

- “Mas a que fracasso se refere?”

Percebi exactamente o seu ponto de vista. Realmente, a missão foi cumprida e o alvo foi eliminado.

A Mossad, durante toda a sua história, esteve envolvida em inúmeras operações que envolveram raptos, assassinatos, conspirações e todo tipo de BlackOps (operações secretas negadas pelo próprio Governo).

Ao chegarmos ao hotel depois de um jantar bem regado, senti-me como num filme de James Bond. Aguardávamos pelo nosso convidado no bar do hotel (um dos mais reputados directores da Mossad que se tinha mantido reservado ao jantar), quando o empregado se aproximou e me entregou um bilhete e um cartão-chave do hotel.

O bilhete, em inglês, dizia:  “Venham ao meu quarto à meia-noite.”

Era o tipo de coisas que para ambos era inédito.

O encontro foi realmente excepcional. Estivémos a noite inteira a conversar sobre factos históricos de Israel. Explicou-nos a diferença entre a Mossad e o Shin Bet, a agência de espionagem que actua internamente em Israel. Disse-nos que a Mossad foi fundada em 1949 e está sempre ligada directamente ao Primeiro-Ministro. Revelou que, em geral, os agentes secretos infiltrados de Israel não são israelitas. Segundo ele, era muito difícil infiltrar alguém estranho, nas células do terrorismo, o que nos pareceu fazer todo o sentido.

Mostrou-nos desde aparelhos de escutas super sofisticados a alguns disfarçados, desde relógios a cintos com câmaras escondidas. E acrescentou que isso não era nada!

Quando perguntámos sobre o treino dos agentes secretos, sentimos que nosso convidado mudou de tom. Ele olhou-nos e perguntou-nos se nos exércitos dos nossos países havia algum curso de operações especiais. Respondemos que supúnhamos que sim. E ele então sorriu e disse: “Então perguntem e saberão, como é”!

Uma das acções que renderam à Mossad toda a sua fama foi a operação “Cólera de Deus”, que tinha como objectivo eliminar os responsáveis pelo massacre nos Jogos Olímpicos de Munique. Confessou-nos que existiam muitas informações contraditórias sobre esta operação que durou mais de vinte anos. A operação marcou também o início de uma série de atentados do grupo terrorista palestino Setembro Negro, como represália às acções da Mossad.

Quanto a mim, deixei Israel com a impressão de que nem tudo o que parece é, e que muitas vezes acreditamos naquilo que o nosso interlocutor nos quer fazer crer.

Um afectuoso abraço do teu primo

Manuel


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