segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Resposta do meu primo Luis Bernardo sobre o processo dos Távoras



Meu Caríssimo Manuel,

Dou por recebida a tua última correspondência. Não tenhas preocupações de delicadeza quanto ao assunto, o que muito te agradeço, mas passados estes anos, como calcularás, este é um tema de que falo abertamente contigo.

Vou por isso dar-te algumas pistas para que reflictas sobre a justeza das minhas palavras.

Tínhamos um monarca fraco e nas mãos do Sebastião José.

O que pensava eu nessa altura sobre ele? 

Que era um homem ambicioso, inteligente, trabalhador, a par das “luzes” do seu tempo, por isso um “déspota iluminado” à semelhança do que se passava em França e aonde colhia inspiração.

Em relação aos meus parentes e iguais, ou seja da velha nobreza, o seu perfil não tinha comparação possível em termos de pragmatismo, de visão e de vontade de triunfar o que lhe daria uma superioridade, que pouco a pouco, se traduziria em favores reais, anoblissement progressivo da família.

E quando, nos encontros em Setúbal, ouvia, perturbado, dos meus íntimos e familiares a expressão de um ódio crescente contra ele, radical e sem tréguas, incentivado pelo Malagrida, jesuíta de verve fácil e convincente, brilhante orador e igualmente inteligente, o meu coração apertava-se pois sabia do conhecimento da História que há sempre um vencedor e vencidos e neste caso o rumo que a contestação tomava, não me pressagiava nada de bom.

Malagrida contestava a política “herege” do Rei e do seu Primeiro-Ministro como a responsável pelo “castigo divino” do Terramoto.

Por outro lado os Jesuítas tentaram construir um estado independente e religioso, dirigido por eles em vastos territórios que hoje são o Paraguai, o oeste brasileiro na zona do Rio Paraná , o actual Uruguai e a sua área adjacente da Argentina. Os Governos de Portugal e Espanha reprimiram violentamente essas pretensões.

Nesse período 90% do erário publico era entregue á Igreja, imagina tu!

Avisei-os a todos de que seria fácil para um Primeiro-Ministro acossado no seu poder, contrariado na sua autoridade, indirectamente desconsiderado na sua condição social menos igual à nossa, urdir todo o tipo de vinganças e conspirações.

Tínhamos contra nós o povo que via obra feita e indiscutivelmente notável depois do rescaldo do terramoto, com prontidão, eficácia e com as mais modernas técnicas do seu tempo.

Nós conspirávamos e não produzíamos para um país que começava a dar sinais de estar exangue do ouro do Brasil que estava no fim e que por nós tinha sido gasto em fausto e luxos, com D. João V, um monarca esbanjador.

O Pombal trabalhava e fazia trabalhar e com pulso de ferro continha a insatisfação gerada por uma crise que se avizinharia senão nesse reinado, num futuro próximo.

Tinha muitos defeitos, era dominador do Rei e com pequenos prazeres e a satisfação de desejos do monarca, afastava-o da governação. Alguns dos meus parentes e familiares, estavam eivados de bons propósitos, mas como sempre, desorganizados, sem uma linha de pensamento coerente e rigorosa nem alternativa, pois não só os poucos que assim pensavam eram afastados ou ignorados, como a vida de excesso de piedade e de beatice instigada pelos Jesuítas, acabava por ser incoerente com as festas, as recepções e a vida faustosa que se levava na nossa classe. 

Os proventos acumulados com o ouro do Brasil e outro património herdado, pareciam não ter fim e permitiam um conforto despesista que os afastava da realidade. 

Sebastião José, começou então a congeminar um plano, pois os seus informadores davam-lhe conta das nossas reuniões, mesmo sendo fora de Lisboa: um déspota não hesita em utilizar todos os meios para se infiltrar, comprar e ser convenientemente posto ao corrente.

Frequentávamos a Côrte e participávamos da intensa vida social promovida pela Família Real.

A minha Mulher, prima e Tia, era muito bonita e com um porte muito discreto e sereno e naturalmente, sendo quem era, fazia parte do círculo próximo da Rainha e do Rei. Era costume não recusar a corte que o Rei pudesse fazer a uma Dama da Côrte. É tão longe quanto vou em relação à Teresa.

A pequena história fala da sua infidelidade e da sua entrega ao Rei como amante. Eu tinha com ela uma relação baseada em ternura mútua, respeito e dedicação. Nestes tempos a fogosidade de uma amante não era comparável ao comportamento de uma Senhora casada que embora cumprindo as suas obrigações de Esposa, o fazia com uma menor vulgaridade se entendes o que quero dizer, sobretudo tendo em conta que havia uma nociva influência dos padres, que através do confessionário, exacerbavam sentimentos de beatice pungente, considerações delirantes sobre pecados que o não eram e os maridos, ou seja nós, ao detestarmos as ideias excessivas dos Malagridas, aproveitávamos desse ambiente e tínhamos as nossas aventuras mais em descanso.

Não chegou a haver nenhuma conspiração concreta, para além de querermos correr com Pombal, apesar de potencialmente estar em desenvolvimento, mas sem planos nem datas. Quanto à influência que a Teresa, minha Mulher teria como amante do Rei era nenhuma, pois nunca o foi. El-Rei devotava-lhe uma honrosa admiração pela sua beleza, cultura e espírito, mas daí até se ter tornado sua amante é um insulto à nossa Família, primeiro a ela, depois a mim e é uma leitura intolerável dos acontecimentos que sujam a memória do Sebastião José.

Acabou num Convento, pobre e sem amparo, o que contradiz a tese de que mereceria os favores Reais.

O tratamento posterior que Sebastião José recebeu no reinado da Rainha Dona Maria que o expulsou para Pombal exilado, tendo reaberto o processo dos Távoras que saíram ilibados de todas as acusações, traduz a verdadeira História de Portugal e do que se passou nesse tempo.

Como saberás houve em gerações posteriores e não muito distantes de todos estes acontecimentos, casamentos entre os descendentes dos Pombal e dos Távoras. Estranhas voltas dá a vida das Famílias!

A sanha e o modo como fomos mortos, para além de indigna e vergonhosa para a nossa condição de seres humanos e de estirpe, revela uma baixeza de Pombal que ainda que há época fosse comum, se o não tivesse mandado fazer, o poderia ter alçado a uma figura que indiscutivelmente teve um brilho ímpar na História do nosso país, mas que se emporcalhou com uma vingança sangrenta e indiscriminada.

Assim que, meu Caro Manuel, todos estes tristes eventos deviam servir para se tirarem lições muito importantes:

1.       A intolerância, o radicalismo seja ele político ou religioso não leva a parte nenhuma, destrói famílias, ideias, países;

2.       A arrogância e o convencimento também cegam e afastam de quem as pratica a visão da realidade tal como ela é, ou como deveria ser;

3.       A magnanimidade é uma virtude dos grandes e mesmo detendo o poder ilimitado ou em maioria, só se engrandece quem revê, analisa com rigor e recua se não tiver razão ou se for melhor para a comunidade do seu país.

Tudo isto faltou a ambas as partes, ao Pombal e a nós como um todo. Os resultados foram trágicos e inconsequentes.

Aqui tens o que me pediste e que espero te permita com isenção e equidade ajudar a aprofundar, se ainda te interessar mais investigar, o que se passou.

Mas se queres o meu conselho, dedica-te ao teu tempo pois já tens preocupações que te bastem. São ciclos que vão e voltam.

Um afectuoso abraço do teu primo muito amigo

Luis Bernardo

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