Meu Caríssimo Manuel,
Dou por recebida a tua última correspondência. Não tenhas
preocupações de delicadeza quanto ao assunto, o que muito te agradeço, mas
passados estes anos, como calcularás, este é um tema de que falo abertamente
contigo.
Vou por isso dar-te algumas pistas para que reflictas sobre
a justeza das minhas palavras.
Tínhamos um monarca fraco e nas mãos do Sebastião José.
O que pensava eu nessa altura sobre ele?
Que era um homem ambicioso, inteligente, trabalhador, a par
das “luzes” do seu tempo, por isso um “déspota iluminado” à semelhança do que
se passava em França e aonde colhia inspiração.
Em relação aos meus parentes e iguais, ou seja da velha
nobreza, o seu perfil não tinha comparação possível em termos de pragmatismo, de
visão e de vontade de triunfar o que lhe daria uma superioridade, que pouco a
pouco, se traduziria em favores reais, anoblissement progressivo da família.
E quando, nos encontros em Setúbal, ouvia, perturbado, dos
meus íntimos e familiares a expressão de um ódio crescente contra ele, radical e sem tréguas,
incentivado pelo Malagrida, jesuíta de verve fácil e convincente, brilhante
orador e igualmente inteligente, o meu coração apertava-se pois sabia do conhecimento da História que há sempre um vencedor e vencidos e neste caso o rumo que a
contestação tomava, não me pressagiava nada de bom.
Malagrida contestava a política “herege” do Rei e do seu
Primeiro-Ministro como a responsável pelo “castigo divino” do Terramoto.
Por outro lado os Jesuítas tentaram construir um estado
independente e religioso, dirigido por eles em vastos territórios que hoje são
o Paraguai, o oeste brasileiro na zona do Rio Paraná , o actual Uruguai e a sua área
adjacente da Argentina. Os Governos de Portugal e Espanha reprimiram violentamente
essas pretensões.
Nesse período 90% do erário publico era entregue á Igreja, imagina tu!
Avisei-os a todos de que seria fácil para um
Primeiro-Ministro acossado no seu poder, contrariado na sua autoridade,
indirectamente desconsiderado na sua condição social menos igual à nossa, urdir
todo o tipo de vinganças e conspirações.
Tínhamos contra nós o povo que via obra feita e indiscutivelmente
notável depois do rescaldo do terramoto, com prontidão, eficácia e com as mais
modernas técnicas do seu tempo.
Nós conspirávamos e não produzíamos para um país que
começava a dar sinais de estar exangue do ouro do Brasil que estava no fim e
que por nós tinha sido gasto em fausto e luxos, com D. João V, um monarca
esbanjador.
O Pombal trabalhava e fazia trabalhar e com pulso de ferro
continha a insatisfação gerada por uma crise que se avizinharia senão nesse
reinado, num futuro próximo.
Tinha muitos defeitos, era dominador do Rei e com pequenos
prazeres e a satisfação de desejos do monarca, afastava-o da governação. Alguns
dos meus parentes e familiares, estavam eivados de bons propósitos, mas como
sempre, desorganizados, sem uma linha de pensamento coerente e rigorosa nem
alternativa, pois não só os poucos que assim pensavam eram afastados ou
ignorados, como a vida de excesso de piedade e de beatice instigada pelos
Jesuítas, acabava por ser incoerente com as festas, as recepções e a vida
faustosa que se levava na nossa classe.
Os proventos acumulados com o ouro do
Brasil e outro património herdado, pareciam não ter fim e permitiam um conforto
despesista que os afastava da realidade.
Sebastião José, começou então a congeminar um plano, pois os
seus informadores davam-lhe conta das nossas reuniões, mesmo sendo fora de
Lisboa: um déspota não hesita em utilizar todos os meios para se infiltrar,
comprar e ser convenientemente posto ao corrente.
Frequentávamos a Côrte e participávamos da intensa vida social promovida pela Família Real.
A minha Mulher, prima e Tia, era muito bonita e com um porte
muito discreto e sereno e naturalmente, sendo quem era, fazia parte do círculo
próximo da Rainha e do Rei. Era costume não recusar a corte que o Rei pudesse fazer a uma Dama da Côrte. É tão longe quanto vou em relação à Teresa.
A pequena história fala da sua infidelidade e da sua entrega
ao Rei como amante. Eu tinha com ela uma relação baseada em ternura mútua,
respeito e dedicação. Nestes tempos a fogosidade de uma amante não era
comparável ao comportamento de uma Senhora casada que embora cumprindo as suas
obrigações de Esposa, o fazia com uma menor vulgaridade se entendes o que quero
dizer, sobretudo tendo em conta que havia uma nociva influência dos padres, que
através do confessionário, exacerbavam sentimentos de beatice pungente,
considerações delirantes sobre pecados que o não eram e os maridos, ou seja
nós, ao detestarmos as ideias excessivas dos Malagridas, aproveitávamos desse
ambiente e tínhamos as nossas aventuras mais em descanso.
Não chegou a haver nenhuma conspiração concreta, para além
de querermos correr com Pombal, apesar de potencialmente estar em
desenvolvimento, mas sem planos nem datas. Quanto à influência que a Teresa,
minha Mulher teria como amante do Rei era nenhuma, pois nunca o foi. El-Rei
devotava-lhe uma honrosa admiração pela sua beleza, cultura e espírito, mas daí
até se ter tornado sua amante é um insulto à nossa Família, primeiro a ela,
depois a mim e é uma leitura intolerável dos acontecimentos que sujam a memória
do Sebastião José.
Acabou num Convento, pobre e sem amparo, o que contradiz a tese de que mereceria os favores Reais.
O tratamento posterior que Sebastião José recebeu no reinado da Rainha Dona
Maria que o expulsou para Pombal exilado, tendo reaberto o processo dos Távoras
que saíram ilibados de todas as acusações, traduz a verdadeira História de
Portugal e do que se passou nesse tempo.
Como saberás houve em gerações posteriores e não muito
distantes de todos estes acontecimentos, casamentos entre os descendentes dos
Pombal e dos Távoras. Estranhas voltas dá a vida das Famílias!
A sanha e o modo como fomos mortos, para além de indigna e
vergonhosa para a nossa condição de seres humanos e de estirpe, revela uma
baixeza de Pombal que ainda que há época fosse comum, se o não tivesse mandado
fazer, o poderia ter alçado a uma figura que indiscutivelmente teve um brilho ímpar
na História do nosso país, mas que se emporcalhou com uma vingança sangrenta e
indiscriminada.
Assim que, meu Caro Manuel, todos estes tristes eventos
deviam servir para se tirarem lições muito importantes:
1.
A intolerância, o radicalismo seja ele político
ou religioso não leva a parte nenhuma, destrói famílias, ideias, países;
2.
A arrogância e o convencimento também cegam e
afastam de quem as pratica a visão da realidade tal como ela é, ou como
deveria ser;
3.
A magnanimidade é uma virtude dos grandes e
mesmo detendo o poder ilimitado ou em maioria, só se engrandece quem revê, analisa
com rigor e recua se não tiver razão ou se for melhor para a comunidade do seu
país.
Tudo isto faltou a ambas as partes, ao Pombal e a nós como
um todo. Os resultados foram trágicos e inconsequentes.
Aqui tens o que me pediste e que espero te permita com
isenção e equidade ajudar a aprofundar, se ainda te interessar mais investigar,
o que se passou.
Mas se queres o meu conselho, dedica-te ao teu tempo pois já
tens preocupações que te bastem. São ciclos que vão e voltam.
Um afectuoso abraço do teu primo muito amigo
Luis Bernardo
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