Carl Bósi chegava sempre cedo à empresa. Era cortês e amável
e mesmo no elevador até ao andar da Administração, tinha sempre uma graça a
dizer o que o tornava popular entre o pessoal.
Participara recentemente numa fusão e obrigara-se a visitar
todos as agências e a contactar com cada um dos departamentos, promovendo
reuniões gerais com toda a gente, mitigando o receio que grassava entre os
trabalhadores de que uns quantos iriam ser dispensados. Acreditava que o que
lhe tinha sido dito pelos accionistas era a pura das verdades, portanto, era com
empenho e persuasão que os convencia.
Tornou-se por isso directa ou indirectamente conhecido do
universo dos quadros da empresa.
Reparou que se por um lado e uma vez cumprida a missão, o eventual
sucesso de uma transição rápida e tranquila da integração de uma empresa na
outra, lhe granjeara o respeito e a consideração dos trabalhadores, ao nível
dos seus pares da Administração, a reacção foi de indiferença e até, sentira imperceptívelmente, de alguma inveja.
Jan Bolstream, tinha o pelouro financeiro na Administração.
Era o típico islandês, baixo, gordo, fumando cigarros uns atrás dos outros e
pouco comunicativo. Nascera numa povoação humilde do município de Höfn, na
região de Austurland, a leste de Reiquiavique de uma família modesta.
Tinha uma obsessão: imitar socialmente o Presidente da
empresa, o que era ridículo e impossível pois cada um tinha um passado diferente
e nestas coisas, o melhor é ser-se como se é, ainda que se possa ir evoluindo.
Era detestado por toda a gente porque era autoritário,
mal-educado e usava as pessoas a seu bel-prazer! Sendo medianamente competente
e tendo um pelouro tão importante para a empresa, acabava por se tornar
indispensável, pois trabalhava horas a fio e aparentemente tudo parecia correr
bem financeiramente na firma.
Tinha pilhas de dossiers e documentos espalhados por todo o
lado e os assuntos atrasavam-se e acumulavam-se no seu gabinete.
As reuniões
com os seus subordinados eram penosas, pois não tinha o poder de síntese,
passava o tempo aos gritos a descompô-los, para finalmente com uma ar paternal
ensinar-lhes o que deveriam fazer. Saíam todos do seu “antro”, derreados depois
de horas de solilóquio absurdo e desgastante.
Era manifestamente um empecilho à harmonia e bom ambiente da
empresa que tendo umas largas centenas de trabalhadores, se situava entre as
principais do sector.
Havia tentativas surdas de correrem com ele, desejos de
vingança: um dia, veio-se até a saber por portas travessas que ao chegar tarde
a casa, alguém o esperava e abrindo-lhe a porta de supetão, fê-lo rebolar para o
alcatrão. Pegaram no carro, fugiram e só passadas umas semanas apareceu no
centro de Reiquiavique. A polícia disse que teriam sido uns meliantes, mas na
empresa todos acharam que seria alguém que, desesperado de tantos maus tratos,
lhe quis dar um aviso.
Entretanto, a Islândia começou a passar por uma crise cada
vez mais aflitiva e a empresa teve que começar a despedir quadros.
Os accionistas mudaram a Administração e o poder de Bolstream,
esfumou-se do dia para a noite. Ficou confinado ao seu gabinete e nem saía
durante o dia inteiro.
A maioria dos seus antigos subordinados fora despedida e
ele aguentava-se a custo, talvez por saber segredos que não interessava
desvendar.
O passivo era gigantesco, a dívida aos bancos e fornecedores
irrecuperável e a empresa fechou.
Com o encerramento do seu posto de trabalho, Jan Bolstream,
teve que procurar trabalho numa Islândia na bancarrota e começou a saltar de
empresa em empresa apresentando o seu currículo e a experiência adquirida no
sector das rações de animais.
Um grupo de "ex-perseguidos", encarregara-se de espalhar no
meio, uma série de informações negativas quanto ao seu comportamento pessoal e profissional,
pelo que quando batia às portas, referiam-lhe suspeitas de ilicitudes praticadas
na empresa de que teriam resultado para Bolstream o amealhar de vultuosa
riqueza.
Inclusivamente, sabia-se que teria durante anos recebido
prémios, sem qualquer repartição pelos outros membros da Administração.
A saúde piorara, o clima da Islândia não ajudava, e o tabaco
em excesso durante anos causara uns vestígios preocupantes nos
pulmões.
Jan Bolstream decidira abandonar a capital e ir
tentar a sorte em qualquer outro país da Escandinávia.
Metera no seu carro de
luxo, topo de gama, todos os seus pertences mais importantes, nomeadamente os dossiers que pudessem ser comprometedores para si e que comprovavam as
manigâncias contabilísticas que fizera para o enriquecimento próprio e
dirigiu-se à fronteira.
Todd Christian, tinha sido um estreito colaborador de Jan Bolstream,
sempre maltratado e desrespeitado e tendo sido um dos que fora despedido, nunca
mais deixara de germinar na sua cabeça uma vingança que castigasse para sempre
o seu antigo superior.
Tinha estado ligado ao departamento contabilístico, por isso
tinha sido o agente das ilegalidades cometidas por Bolstream, e por prudência
guardara sempre cópias de todos os documentos que forjara. Nunca tivera sequer
uma palavra de agradecimento, e muito menos jamais escorregara para as suas mãos qualquer
bónus.
Seguia com atenção os passos do seu antigo patrão, pois
estando desempregado e não tendo nada para fazer, rondava-lhe a casa. Suspeitava
que em breve preparasse a fuga.
Por isso, ao ver descarregar tanta bagagem para o carro, bastante papelada e dossiers, teve a certeza que tinha chegado o momento de
alertar as Autoridades.
Ao chegar à fronteira, Jan Bolstream estava com receio que o
seu carro, vistoso e caro como era, numa Islândia falida, chamasse a atenção.
Havia uma permanente vigilância no país contra todos quantos tinham contribuído
para o estado de penúria da Islândia, por isso a fronteira única era um ponto
crucial de observação para não deixar fugir incólumes tais personagens que
tinham enriquecido à custa dos mais pobres e desempregados.
Todd Christian, tinha apresentado queixa de imediato na Polícia Criminal
e esta avisara os guardas da fronteira.
Mandaram parar o carro e desviá-lo para uma inspecção
integral. Jan Bolstream, sentiu-se perdido até porque trazia milhares de
dólares em notas o que estava proibido pelas Autoridades Monetárias do país.
Tudo estava sobre escrutínio, e ele não poderia justificar a origem de duas
malas cheias de notas empacotadas.
Veio em todos os jornais da Islândia a notícia da sua prisão,
tendo suscitado viva indignação e por outro lado uma enorme satisfação para
todos quantos tinham padecido às suas mãos, pois o tribunal depois de ouvir
numerosas testemunhas, a maioria sendo antigos funcionários na situação de desemprego,
resolvera distribuir equitativamente os seus bens por todos eles.
Só na Islândia!
Sem comentários:
Enviar um comentário