Fui recebido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros a quem,
cerimoniosamente, entreguei um “barrilinho” de falsa filigrana, dizendo-lhe que
o navegador português Pedro de Sintra, quando descobriu a Serra Leôa (a que deu
este nome, porque dos navios, ao longe, se vislumbrava uma cordilheira de montanhas
que aparentavam ser uma leôa deitada) terá solicitado aos nativos que enchessem os
barris de bordo com água pura e fresca!
Expliquei-lhe que era um gesto de
agradecimento tardio, que ele muito apreciou…não lhe disse é que não era ouro,
mas vi os seus olhos gulosos e as suas mãos afagarem com vagareza o presente.
Mostrei-lhe a carta do Presidente da República que
entregaria na audiência com o Presidente Joseph Momoh. Qual não foi, porém, o meu
espanto quando o ouvi dizer-me de mansinho que eu teria que pagar para a
referida reunião presidencial!
A quem, perguntei com terror, pois tudo o que eu menos
queria era desembolsar uns milhares de dólares para um encontro que eu
dispensaria de bom grado.
Respondeu-me que o pagamento seria a ele próprio, Ministro
dos Negócios Estrangeiros!
Balbuciei uma pergunta: - mas quanto? Logo se veria depois da
audiência – respondeu-me.
Fui para o meu hotel amaldiçoando os deuses por ter aceitado
este convite envenenado, mas decidi que na altura própria, com maneiras e diplomaticamente,
encontraria uma solução para recusar tal aviltamento.
Tinha uma praia soberba em frente do meu quarto e resolvi
aproveitar o magnífico dia e dar uns mergulhos e nadar. Perguntei se havia
crocodilos ao que me responderam que logo ali não, mas que tivesse atenção,
pois apesar de haver umas redes de protecção, poderiam estar eventualmente furadas
em alguns pontos e abrir passagem. Limpinho, pensei eu cá para mim: com os
antecedentes esmoleres de um Chefe do Protocolo do Estado até ao Ministro dos
Negócios Estrangeiros, não era de confiar na manutenção das mínimas precauções de
uma vaga rede, posta, quem sabe há anos…
Aproximaram-se de mim uns três miúdos, sorridentes e
tagarelas que meteram conversa comigo. Perguntaram-me se eu queria que me
grelhassem umas lagostas que tinham acabado de pescar e eu disse logo que sim…estavam
frescas e vivinhas ali à frente dos meus olhos.
Identificaram-se, encantados pelo meu assentimento, como mr. Mango,
mr. Coconut e mr. Banana e eu dei umas belas gargalhadas, achando a maior piada.
Perguntaram-me se lhes pagava as lagostas ao que eu assenti, mas à cautela e
dado o que já tinha visto anteriormente, inquiri quanto seria e a resposta
tranquilizou-me: o que eu quisesse!
Achei um programa excitante ver os preparativos dos três
rapazes, hábeis e interessados em me proporcionarem um “bom serviço”, como e
sobretudo, degustar tão belos e apetitosos crustáceos.
Fizeram uma pira de troncos pequenos, bastante combustíveis,
e no cimo um espeto assente em dois paus enterrados na areia. As lagostas eram
trespassadas pelo pau maior que eles tinham afiado com uma navalha e ficavam
ali a grelhar em lume brando. Foram buscar umas raízes e umas batatas-doces que
puseram também a assar.
Eu teria que falar com o Paul Bocuse a contar-lhe que deveria mandar um representante do Guide Michelin a Freetown e à praia do
Bintumani Hotel para classificarem, pelo menos, com uma estrela: tal iguaria, o
serviço mieux que nature, e uma eficácia notável.
Fui ao quarto buscar um prato (de onde tirei as frutas
tropicais que me tinham oferecido e que a seguir comeria como final do repasto)
e os respectivos talheres. Como bebida, o mr. Coconut, fazendo jus ao seu nome
trepou a um coqueiro e trouxe-me dois côcos. Fez com a navalha, um orifício no
topo para eu poder beber a água de côco que é fresca e de que bem gosto.
Fui nadar e tomei uns belos banhos enquanto o meu almoço
progredia.
Entretanto fui conversando com os meus "chefs cuisiniers" que me contaram
que as suas famílias eram pobres e que eles as ajudavam com algum dinheiro que recebiam
de turistas. Disseram isto com tanta naturalidade e simplicidade que nesse
momento, disse para mim mesmo que a parada do meu pagamento aumentara
significativamente, pesasse embora o resultado final poder não ser tão espectacular como
eu sinceramente desejava, por eles e por mim.
Deliciei-me como um bom selvagem, comendo tudo, que estava
uma especialidade e lambendo os dedos antes de os lavar no mar! Pura África com todo
o seu esplendor.
Ficámos à conversa até serem horas de regressarem a casa
deles e de eu lhes ter pago muito generosamente em moeda local, o que implicou
eles levarem um maço volumoso de notas. Disseram que ali estariam de novo no
dia seguinte e trariam mais variedade de peixes e entregariam aos pais o
dinheiro.
Fui para o bar do hotel e bebi forte e quando me fui deitar
estava com os copos. O meu quarto era uma cabana engraçada que dava para a
praia, e por isso quando abri a porta e acendi a luz decidido a deitar-me
vestido, pois as forças faltavam-me para me despir, vi pelas paredes vários
habitantes tropicais em grandes correrias desde lagartos grandes, um morcego
que me olhava com ar de estúpido pendurado numa trave do tecto, para além de
besouros do tipo AVIOCAR que, sem me causarem nenhum medo, não me agradava, contudo,
a ideia de se passearem sobre o meu corpo durante a noite.
Acendi o ar condicionado pois estava um calor de rachar e
puxei os lençóis para me deixar cair na cama, quando, felizmente, reparei que tinha
companhia: uma mamba verde, das mais venenosas e cuja mordida mata sem remédio
possível, esperava-me anichada e escondida!
Aí os vapores do álcool passaram como que por encanto e
fiquei trémulo uns minutos sem saber o que pensar nem dizer. Reagi, e a correr
chamei um criado a quem expliquei tudo o que se estava a passar.
Veio com a calma de quem está habituado a tais situações e pegando num tronco
fininho, aproximou-se da mamba que entretanto já se tinha deslocado com a luz
acesa do quarto, e enrolou-a à volta do pau e saiu para fora. Com uma
pancada seca bateu com ela no chão e esmagou-lhe a cabeça.
Sorriu para mim com bonomia e disse-me: - Now everything is okay,
Sir!
Agradeci-lhe e indaguei se já tinham tido acidentes mortais,
e se eu podia dormir descansado agora, não fosse outra cobra vir de novo
visitar-me. Respondeu-me que devia deixar sempre a porta e janelas fechadas, e
mesmo que estivesse calor, tinha o ar condicionado. Quanto aos lagartos,
morcego e AVIOCARS não havia problemas, pois não se mexiam no escuro. Com a proverbial
sabedoria africana, não respondeu à minha pergunta sobre estatísticas mortais!
Voltei ao bar, bebi um bom long drink e regressando ao quarto
deitei-me na cama exausto de tantas emoções.
No dia seguinte, os rapazes disseram-me que os respectivos
pais muito me agradeciam e queriam até vir conhecer-me pois a gorjeta dada,
equivalia a dois salários de cada um. Tenho ideia, que foram USD 10,00 para
cada um…desígnios insondáveis do destino, poder ter comido lindamente por USD
30,00 e ter feito felizes três famílias.
(continua)
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