quarta-feira, 21 de setembro de 2011
pára de olhares para mim
Depois de uma noite mal dormida, toda a gente não gosta de nós.
O sono ido levou consigo qualquer coisa que nos tornava humanos. Há uma irritação latente connosco, parece, no mesmo ar inorgânico que nos cerca. Somos nós, afinal, que nos desapoiámos, e é entre nós e nós que se fere a diplomacia da batalha surda.
Tenho hoje arrastado pela rua os pés e o grande cansaço.
Tenho a alma reduzida a uma meada atada, e o que sou e fui, que sou eu, esqueceu-se de seu nome. Se tenho amanhã, não sei senão que não dormi, e a confusão de vários intervalos põe grandes silêncios na minha fala interna.
(...) Sim, não dormi, mas estou mais certo assim, quando nunca dormi nem durmo. Sou eu verdadeiramente nesta eternidade casual e simbólica do estado de meia-alma em que me iludo.
Uma ou outra pessoa olha-me como se me conhecesse e me estranhasse. Sinto que os olho também com órbitas sentidas sob pálpebras que as roçam, e não quero saber de haver mundo.
Tenho sono, muito sono, todo o sono!
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
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