domingo, 18 de setembro de 2011
Conto Veneziano
Chovera torrencialmente em Veneza, e a caminho da praça de S. Marcos e nas ruas adjacentes cheias de lojas tinham posto na véspera, uns estrados com pés mais altos do que o pavimento para que as pessoas pudessem passar sem ficarem completamente encharcadas. Bernardo andara nessa zona à procura de um blazer, calças beijes e de uns sapatos apropriados para o jantar inesperado para que tinha sido convidado pelas filhas dos príncipes de Tiepolo, pois estando de férias e de visita à bienal, não esperava ter compromissos formais e tinha vindo desprevenido.
Anna e Francesca eram gémeas e tinham 29 anos e aproveitando a passagem por Veneza do Príncipe deste nome e herdeiro da coroa, resolveram organizar no palácio dos pais um jantar no terraço dando para o Gran Canale. Não estava frio e sendo todos bastante informais, não teria sido necessário Bernardo fazer tais compras, não fora a presença do jovem Príncipe.
Tinham igualmente convidado vários amigos comuns, a princesa Livia Caraffa e o seu namorado Domenico dei Marchese di Castelvetere, um brilhante advogado, Laura e Giulia filhas dos príncipes de Scilla, os príncipes di Roccella, os irmãos Antonella e Vicenzo, herdeiros de grandes caves de vinhos famosos italianos, Fabrizio e Isabella filhos dos duques di Corigliano, ela uma modelo recente e muito bonita, e uma tia mais nova das donas da casa de um segundo casamento do avô, Allegra Caracciolo, que era herdeira de uma fortuna significativa, solteira, espampanante e muito divertida.
Bernardo não conhecia uma boa parte destes convidados, sendo no entanto bastante próximo do Príncipe de Veneza.
O palácio dos príncipes de Tiepolo era um deslumbramento e estava sobretudo muito bem situado, tendo um recheio sumptuoso e sendo os proprietários muito ligados às principais famílias patrícias de Veneza, descendendo de vários doges, possuía uma colecção de móveis e pintura notáveis.
Bernardo, que já conhecia bem Anna e Francesca, encarara o convite como um gesto muito simpático, sendo de facto uma excelente oportunidade para estabelecer novos contactos.
Anna era alta, olhos verdes, pele clara e com uma cara esguia e queixo bem moldado, com um corpo muito bem proporcionado e elegante e um sorriso encantador e possuidora de enorme charme.
Francesca, ao contrário, não era tão alta, mais roliça, com um busto muito sensual e saliente, olhos de cor de mel, atrevida, com um sorriso mais reservado, mas muito acolhedor.
Viviam uma vida de grande qualidade, em termos materiais e culturais, fazendo inúmeras viagens ao estrangeiro e desempenhando cada uma delas a sua profissão.
Anna era curadora de arte e tinha claramente, sentido o apelo para essa vocação profissional pelo enorme património familiar que um dia herdaria e que sendo tão variado e numeroso, bem merecia um interesse e o cuidado de alguém directamente a ele ligado. Tinha feito grandes escolas em Veneza, Florença e França.
Francesca era arquitecta e tinha feito um curso regular numa escola italiana de prestígio.
Eram ambas muito conhecidas pelas festas que davam, pelos inúmeros namorados que tinham e pelo bom partido que representavam.
O Príncipe de Veneza era casado e Bernardo também. Alguns dos convidados eram namorados vivendo juntos e com uma atitude descomplexada em relação às suas relações sentimentais.
Bernardo sabia que ia ser um jantar de enorme requinte e qualidade pois os pais de Anna e Francesca, eram sobejamente conhecidos como tendo uma das “boas mesas” de Veneza, mas estava um pouco apreensivo pois não sendo íntimo da maioria e o seu italiano não estando ainda totalmente aperfeiçoado teria que gerir muito bem a sua presença e sobretudo a respectiva conversa.
Ao convidar Bernardo, Anna tinha traçado o perfil de cada um dos seus convidados e com a intimidade que tinham contara-lhe que o Príncipe andava afastado do redil familiar e tinha-lhe pedido um jantar diferente e com gente divertida. Anna, desde sempre sentira uma enorme atracção por ele e estava decidida a cativá-lo durante a sua estadia em Veneza, até porque tendo ficado hospedado em sua casa, convidado pelos pais, esta proximidade era prenúncio de uma grande excitação para ela.
Francesca, por outro lado, nas confidências que fizera a Bernardo, confessara-lhe que tinha uma paixão não correspondida por alguém que viria ao jantar, mas não identificara quem era, tendo-lhe feito um desafio para que descobrisse.
Um criado de libré com botões prateados com as armas dos Tiepolo, anunciou a chegada de Bernardo e quando foi introduzido numa das salas aonde já estavam vários convidados, Anna e Francesca vieram ao seu encontro com uma enorme afabilidade.
Presentes os irmãos Fabrizio e Isabella e a tia Allegra Caracciolo, filha dos príncipes do mesmo nome.
Foram feitas as apresentações com naturalidade e retomou-se a conversa.
Bernardo ficou sentado num canapé confortável de dois lugares ao pé de Allegra e observaram-se com discrição mas com interesse. Mãos bonitas, sensuais, bem feitas e compridas com uns olhos expressivos e vivos, corpo de trintona muito cuidado e perfeito, impecável no seu vestido fresco e decotado, bem cheirosa e desempoeirada, pois meteu logo conversa indagando sobre a vida nocturna de Lisboa, aonde já estivera várias vezes, expressando a opinião de que os homens portugueses eram bem parecidos e românticos, pois fora a uma casa de fados e ouvira um fadista com uma voz muito bonita mas triste e com muito sentimento, cantar uma palavra que não conhecia em nenhuma outra língua e que se chamava “saudade”!
Bernardo, aproveitou a deixa e dizendo-se representante dos românticos portugueses, disse-lhe que no fim do jantar e depois de a conhecer melhor, quando voltasse a Portugal, teria “saudades” dela!
Foi muito aplaudido este exemplo, serviu-se um óptimo champagne e as línguas tornaram-se mais soltas e Bernardo sentiu-se mais confortável no seu italiano.
Entretanto chegou o Príncipe de Veneza. Estivera numa reunião de uma empresa representante de uma marca de roupa de homem com o seu nome que tinha acabado de lançar, perguntando a Bernardo se não estaria interessado em a difundir em Portugal.
- Vou pensar se sou a pessoa adequada, mas se tivesse sabido dessa marca não teria comprado esta tarde estes meus trajes venezianos para vir cá jantar.
- Ficam-te muito bem, disse o Príncipe, mas vou-te mandar um catálogo.
- O Bernardo é um nosso querido amigo de quem gostamos muito e é o único estrangeiro que conheço e com quem ao dançar posso segredar malandrices, pois somos os dois da mesma altura, disse Anna.
- Olha que a Francesca é muito boa dançarina e é danada para as sevilhanas e sabe trocar olhares como uma verdadeira andaluza e dar aquelas voltas sensuais. Não acham que depois daqueles olhares todos e meneios de corpos, só se pode ficar apaixonado – perguntou Bernardo.
Havia alguns que nunca tinham visto bailar sevilhanas e Francesca dirigindo-se a Laura pegou-lhe na mão e começou a dançar.
- A Laura e eu tivemos lições juntas, e ela tem imenso jeito - disse Francesca enquanto Laura a contragosto cedia àquela demonstração inopinada dos seus dotes, mas entrando pouco a pouco na dança, fê-lo com maior convicção.
Entretanto já tinham chegado todos os convidados e passou-se para o terraço aonde estava posta uma mesa com candelabros e velas acesas e estavam em pé, impecáveis, quatro criados de luvas brancas e libré, aguardando que nos sentássemos para começarem a servir o jantar. A vista do terraço dava directamente para o Gran Canale. Um deslumbramento. Ouvia-se passar em baixo a navegação menos buliçosa das noites tranquilas de Veneza.
- A Anna está excepcionalmente bonita esta noite e eu não posso estar melhor sentado do que ao lado dela – disse o Príncipe. Anna estava estupenda, com o seu cabelo loiro apanhado para trás, deixando sobressair os olhos verdes com uma maquilhagem perfeita e com o seu sorriso único, não podia estar mais atraente e irresistível.
Fabrizio bebia as palavras do Príncipe pois estava sentado em frente e não disfarçava a fixação nele do seu olhar.
- O Fabrizio devia ser modelo da minha nova marca de roupa, acho que ia vender muito mais, não queres?
- Eu quero, mas não sei se tenho jeito ou se tenho o perfil.
- Tens, tens, disse Allegra, pois és lindo de morrer. Se eu fosse mais nova eras o meu modelo de homem.
(to be continued)
MNA
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