sexta-feira, 16 de setembro de 2011
o falso sorriso
Custava-lhe a levantar-se todas as manhãs.
Lida da casa na véspera até tarde – o Nelson sempre foi machista e acabado o jantar ia ao café beber a bica com os amigos voltando com um bafo a amarguinha – e quando Filomena se sentava sozinha no sofá a ver a telenovela, adormecia de cansada.
Nos dias de "festa", Nelson punha-se nela sem amor e despachava o que tinha a fazer, virava-se para o outro lado e ressonava que nem um bácoro.
Filomena tinha engordado bastante, levava para o emprego umas dietas que comia a correr na copa do escritório: ficava sempre a saber-lhe a pouco - e quando chegava a casa, disparatadamente e antes do jantar, petiscava aqui e ali uns restos que deixara em cima da mesa da cozinha ou ia mesmo ao frigorífico buscar queijo ou fiambre para fazer umas tostas.
Vanda, a filha, morava com o namorado e por isso desde há anos que se sentia muito sozinha, pois excepto o marido, não se dava com ninguém ali no bairro passando o dia todo fora no emprego e aos fins de semana iam para Alhandra visitar os sogros. O Nelson nascera por lá e tinha um grupo de amigos com quem jogava snooker e confraternizava e ela ficava em casa dos pais dele, ou a dormir ou a ver a televisão.
Tirara um curso de secretariado, fora uma boa aluna, era apreciada no trabalho, mas o seu chefe era uma peste e odiado por todos o que fazia com que ela, por tabela, pagasse um preço alto em termos de amizades que só por interesse se lhe manifestavam e dela se aproximavam.
Assim que, a sua vida era mesmo um tormento, desinteressante, rotineira e sentia-se deprimida e muito infeliz.
Estava um neto a caminho, mas Vanda morava longe do bairro e perto dos sogros por isso previa que raramente pudesse vir a estar com a criança.
Nelson era um mau marido e ela suspeitava que para além de a tratar com indiferença tivesse as suas aventuras com outras, pois já lhe ouvira, de noite e a sonhar alto, falar noutros nomes de mulheres com tanta doçura que não lhe deixava margem para dúvidas.
Filomena começara a ler uns livros de auto-ajuda e sentia-se decidida a mudar de vida. Não a do emprego, pois não sendo muito bem paga tinha no entanto um bom salário que em tempos de crise era impensável pôr em risco.
Resolveu tratar dos seus problemas em três fases: a primeira, começar a perder peso e a sentir-se bem com ela e com o mundo; a segunda pôr os pontos nos iis ao Nelson e ou ele largava as outras ou punha-o fora de casa; a terceira, ganhar simpatia no emprego e passar a ser considerada e apreciada por todos.
Passaram-se três meses, estava muito mais magra, pintava-se e arranjou um novo corte de cabelo, comprou roupa mais actual e quer em casa quer no emprego, tinha suscitado comentários positivos. O Nelson andava intrigado e perguntara-lhe se tinha sido no trabalho que lhe tinham exigido uma mudança e ela dissera-lhe que sim. Tinha adiado a segunda fase da resolução dos seus problemas, pois o Nelson estava mais caseiro, sempre trazia para casa dinheiro e a seu tempo logo veria o que decidir.
Ficara indignada quando numa reestruturação da empresa o seu chefe, a quem sempre prestara uma dedicação sem limites de horas e com prejuízo tantas vezes do seu descanso, a tivesse ignorado na defesa da sua futura integração no novo organigrama da sociedade.
Isto foi sabido pelas colegas e pelos demais trabalhadores e se ao princípio e como se esperava foi unânime um certo gáudio de vingança pelo passado, a pouco e pouco começou a sentir-se acompanhada e acarinhada.
Agora ia com prazer trabalhar, tinha criado relações cordiais com as colegas e até almoçava de vez em quando com companheiros de trabalho, mantinha a linha e o Nelson respeitava-a mais.
Com o patrão e sem embargo de o tratar respeitosamente, passara, porém, a ter um falso sorriso.
MNA
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