sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O PENINHA E O REVEILHÃO

O PENINHA E O REVEILHÃO

Peninha tinha comprado um traje de gala na loja da Maconde, na Quinta das Conchas, para passar o reveilhão em casa do primo Gabriel, que morava perto do Senhor Roubado.

Tinha-lhe recomendado e escolhido a dita roupa, a Vanda vendedora, a quem andava a catrapiscar - uma boazona com peitos saídos que ressaltavam na farda da Maconde, sobretudo nos bicos aonde por casualidade calhavam as letras MA e CON – e que não era mais do que um casaco de bombazina amarelo torrado debruado com uma fita de nastro grossa de veludo castanho, assertoado com 3 botões; umas calças – aí o Peninha teve dúvidas – de smoking preto com a lista dos lados. Deveria pôr uma camisa de folhos branca, abrilhantada com um lacinho de veludo grená. Sapatos de verniz a imitar crocodilo, bicudos de matar baratas ao canto.

Lá se vestiu e olhou-se ao espelho: pareceu que tinha engolido uma vassoura de empertigado e vaidoso que estava. Saiu de casa com um ar pomposo e sentiu-se apoucado ao enfiar-se num velho Taunus de côr azul berrante, manhoso, meio-pôdre. Não dava a gota com a perdigota!

Tinha sido a correr que Gabriel lhe dissera que convidara para a passagem do ano uns amigos novos que tinha feito no clube de manilha na Amadora que frequentava, mas não tinha sequer falado de idades nem de dress code.

Lá chegado, viu à porta parados vários carros “tipo malander”, com dizeres “vai à discoteca da Canaveira e verás como encavas” e “ Tatoos no sítio certo, dão-te poder, meu”.

Porra, pensou, será que venho vestido ao estilo desta malta? Já era tarde para recuar.

Gabriel abriu-lhe a porta e estava de jeans e como uma tee-shirt que dizia “ bem vindo seja quem vier para a malandrice” e ao olhar para ele desatou a rir-se e a chamar os outros:

- Olha-me para este bimbo, ópás topem-me a cena do gajo! – e empurrava-o para dentro.

Foi como no Coliseu de Roma se terá sentido Spartacus quando enfrentou os leões.

Todos vanguardistas, de preto vestidos, com anilhas nas ventas, piercings nas orelhas e na língua, todos tatuados pelos braços e peito e um deles até tinha um rabo de cavalo.

Vozes grossas, risos chocarreiros, empurrões e insultos: foi em três tempos que o despiram deixando-o em cuecas. No sítio alfa do cuecame, tinha uma frase estampada, que dizia: “daqui sai fogo, môr!” Fora Vanda que lhe dera de presente e lhe dissera: “ Havemos de experimentar esse fogo, môr”!

Gabriel foi buscar ao quarto umas calças de pelica preta fina, uma tee-shirt com uma grande cabeça de leão que tinha por debaixo escrito: “ Sporting, sempre, és o meu amor” e umas pulseiras de cobre que lhe enfiaram num dos pulsos. Botifarras pretas com atacadores brilhantes e sola de borracha de Ceilão. Blusão de cabedal com botões de metal.

- Bóra malta que se faz tarde – disse Gabriel que o puxou para o seu carro. Eram, 11 da noite.

Peninha estonteado, perguntou-lhe:

- Primo, porra, o que é isto, pá? Para aonde vamos assim vestidos? Não me disseste nada!

- Pá, somos adoradores de cemitérios e vamos passar o reveilhão no cemitério do Senhor Roubado. Muita cena, vozes, bué de informação e pá, o Nelson, leva ganzas e vamos curtir uma trip bué da boa.

O Peninha nunca tinha tocado numa droga e ficou para morrer.

Expressão apropriada para o fim deste pequeno conto, pois morre-se nos cemitérios para aonde eles iam.


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