O PENINHA FOI A BELÉM À
CONDECORAÇÃO DO COMENDADOR ACÁCIO CARAPETO
Vestiu-se de fato completo azul-marinho,
camisa branca de colarinhos bicudos e escolheu uma gravata que o avô lhe
deixara do Clube Naval de Lisboa (achou que calhava por se situar em frente do
Palácio de Belém, assim como assim) e rebuscando numas caixas de cartão
antigas, encontrou uma condecoração da Mocidade Portuguesa, que pôs na
botoeira.
Perfumou-se, não fosse ter que ser apresentado à mulher do
Presidente, subiu da sub-cave obscura em que vivia em Massamá e sentiu-se bem à
luz do dia.
Apanhou o carro eléctrico que
parava mesmo em frente de Belém e ao sentar-se à frente virado para a porta,
lograva assim, toscar quem entrava. Adorava mostrar-se e ser visto.
A viagem decorreu sem incidentes e
tristemente ninguém olhou sequer para ele.
Lá chegado, anunciou ao guarda
emplumado de sentinela que vinha para assistir à investidura do Senhor Acácio Carapeto,
como Comendador. Sim, Comendador e inchava o peito e repetia bem alto para o
pobre do militar perceber que ele não era qualquer um!
Sem grandes palavras foi mandado
entrar pela porta de segurança.
Assim fez e tudo se processou
como requerido, e ei-lo, livre como um passarinho a trepar dois a dois os
degraus das escadas de pedra laterais até ao Páteo das Donas.
Seguiu mais uns convidados e entrou
no Palácio e dirigiu-se à sala de espera aonde se encontrava mais gente. Pensou
para si que era uma honra estar presente na cerimónia de investidura do seu
protector.
Passados uns instantes alguém do
Protocolo de Estado veio dizer-lhe com uma cara muito zangada:
- Olhe que não queremos cá
fascistas! Eu sou do protocolo e reconheço essa medalha como sendo da Mocidade
Portuguesa. O meu saudoso pai também pertencia, que Deus o tenha na sua santa guarda.
- Mas isto é da Mocidade? –
perguntou o Peninha que não percebia nada de condecorações nem de medalhas. Se
soubesse tinha lá um emblema da “Cuf Têxteis Lar” que compõe também a botoeira.
- Vá tire e rápido, não vá algum
Senhor Ministro do PS o ver e causar algum burburinho que possa incomodar o Senhor
Presidente – disse a funcionária que, entretanto, se dirigiu a outros dignitários que iam chegando.
Peninha não o tirou e foi-se
aproximando da porta que dava acesso à sala principal, aonde decorreria o acto
solene. Percebeu que outros agraciados seriam também condecorados.
Abiram-se as portas e à pergunta
de quem era familiar, avançou e declinou: - O Senhor Comendador Acácio Carapeto
é meu Protector!
Colocou-se junto ao cordão na
primeira-fila e ao avistar o amigo perfilado ao lado dos outros agraciados,
fez-lhe muitos adeusinhos com a mão, mas ele nem se dignava olhar.
Peninha reflectiu que devia ser
da praxe não se olhar para quem estava e ficar-se concentrado a esperar pelo
grandioso momento.
Quando o Presidente investiu o Comendador
ouviram-se palmas e o Peninha gritou: - Viva, viva quem é o meu Protector. Mas
fê-lo com tal convicção, elevando a voz, que captou a atenção do Presidente que
se aproximou, curioso.
Ao olhar para a lapela de
Peninha, o Presidente teve um súbito baque e desmaiou nos braços de dois assessores.
Nos jornais, veio publicado que
um fascista tinha sido detido por ter causado uma síncope ao Senhor Presidente
ao percecionar-lhe na lapela um emblema da Mocidade Portuguesa.
Diz a notícia que o Peninha tem
visitas diárias na prisão por muita gente saudosa dos tempos da Mocidade
Portuguesa, que lhe levam pão e laranjas, para além de arvorarem, orgulhosos,
fotografias do Doutor Salazar, pagelas, cintos com a letra S, e até camisas
verdes…
O Peninha, ufano, já acamaradou
com presos de delito comum e já faz planos para quando sair. No fundo não tem
pressa pois tem comida, cama e roupa lavada e está no alto do Parque Eduardo
VII. Prisão por prisão, a sua sub-cave em Massamá, era bem pior!
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