quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O PENINHA FOI A BELÉM À CONDECORAÇÃO DO COMENDADOR ACÁCIO CARAPETO



O PENINHA FOI A BELÉM À CONDECORAÇÃO DO COMENDADOR ACÁCIO CARAPETO

Vestiu-se de fato completo azul-marinho, camisa branca de colarinhos bicudos e escolheu uma gravata que o avô lhe deixara do Clube Naval de Lisboa (achou que calhava por se situar em frente do Palácio de Belém, assim como assim) e rebuscando numas caixas de cartão antigas, encontrou uma condecoração da Mocidade Portuguesa, que pôs na botoeira. 

Perfumou-se, não fosse ter que ser apresentado à mulher do Presidente, subiu da sub-cave obscura em que vivia em Massamá e sentiu-se bem à luz do dia. 

Apanhou o carro eléctrico que parava mesmo em frente de Belém e ao sentar-se à frente virado para a porta, lograva assim, toscar quem entrava. Adorava mostrar-se e ser visto.

A viagem decorreu sem incidentes e tristemente ninguém olhou sequer para ele.

Lá chegado, anunciou ao guarda emplumado de sentinela que vinha para assistir à investidura do Senhor Acácio Carapeto, como Comendador. Sim, Comendador e inchava o peito e repetia bem alto para o pobre do militar perceber que ele não era qualquer um!

Sem grandes palavras foi mandado entrar pela porta de segurança.

Assim fez e tudo se processou como requerido, e ei-lo, livre como um passarinho a trepar dois a dois os degraus das escadas de pedra laterais até ao Páteo das Donas. 

Seguiu mais uns convidados e entrou no Palácio e dirigiu-se à sala de espera aonde se encontrava mais gente. Pensou para si que era uma honra estar presente na cerimónia de investidura do seu protector. 

Passados uns instantes alguém do Protocolo de Estado veio dizer-lhe com uma cara muito zangada:
- Olhe que não queremos cá fascistas! Eu sou do protocolo e reconheço essa medalha como sendo da Mocidade Portuguesa. O meu saudoso pai também pertencia, que Deus o tenha na sua santa guarda. 

- Mas isto é da Mocidade? – perguntou o Peninha que não percebia nada de condecorações nem de medalhas. Se soubesse tinha lá um emblema da “Cuf Têxteis Lar” que compõe também a botoeira. 

- Vá tire e rápido, não vá algum Senhor Ministro do PS o ver e causar algum burburinho que possa incomodar o Senhor Presidente – disse a funcionária que, entretanto, se dirigiu a outros dignitários que iam chegando.

Peninha não o tirou e foi-se aproximando da porta que dava acesso à sala principal, aonde decorreria o acto solene. Percebeu que outros agraciados seriam também condecorados.

Abiram-se as portas e à pergunta de quem era familiar, avançou e declinou: - O Senhor Comendador Acácio Carapeto é meu Protector! 

Colocou-se junto ao cordão na primeira-fila e ao avistar o amigo perfilado ao lado dos outros agraciados, fez-lhe muitos adeusinhos com a mão, mas ele nem se dignava olhar.

Peninha reflectiu que devia ser da praxe não se olhar para quem estava e ficar-se concentrado a esperar pelo grandioso momento.

Quando o Presidente investiu o Comendador ouviram-se palmas e o Peninha gritou: - Viva, viva quem é o meu Protector. Mas fê-lo com tal convicção, elevando a voz, que captou a atenção do Presidente que se aproximou, curioso.

Ao olhar para a lapela de Peninha, o Presidente teve um súbito baque e desmaiou nos braços de dois assessores.

Nos jornais, veio publicado que um fascista tinha sido detido por ter causado uma síncope ao Senhor Presidente ao percecionar-lhe na lapela um emblema da Mocidade Portuguesa.

Diz a notícia que o Peninha tem visitas diárias na prisão por muita gente saudosa dos tempos da Mocidade Portuguesa, que lhe levam pão e laranjas, para além de arvorarem, orgulhosos, fotografias do Doutor Salazar, pagelas, cintos com a letra S, e até camisas verdes…

O Peninha, ufano, já acamaradou com presos de delito comum e já faz planos para quando sair. No fundo não tem pressa pois tem comida, cama e roupa lavada e está no alto do Parque Eduardo VII. Prisão por prisão, a sua sub-cave em Massamá, era bem pior!


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