Luís, preparara-se para o
debate na aula e tinha feito algumas reflexões sobre como abordar as premissas
genéricas que lhe tinham sido fornecidas.
Quanto à insatisfação
sexual pela não eventual fogosidade do companheiro, e uma vez que o dito não estaria
presente, as perguntas seriam mais no sentido de apurar o que a paciente
considerava como patamares aceitáveis de desempenho. Escarafunchar ao detalhe,
fazendo-a confessar prazeres ocultos e desejos lúbricos.
Muitas vezes há falta
de diálogo neste campo, e a parte negligenciada nem sonha como
agradar verdadeiramente, porque ou há um certo pudor da outra em desvendar o
seu interior profundo, ou porque pura e simplesmente se cumpre um ritual sem
mais e se dá como dado adquirido que se fez a escolha errada e sem esperança de
conserto. Outras razões haverá, mas que Luís não considerava aplicáveis à primeira vista, neste caso.
Normalmente este tipo de rotina conduz à
infidelidade, ou seja tomar-se garboso cavaleiro que monte a garupa sem freio!
De acordo com as notas
providenciadas, existia aparentemente uma ansiedade e sensação de desconforto pelas
traições. Luís considerava que as causas teriam que ser investigadas para apurar-se se seriam
reais.
Tudo dependeria das
respostas a um escrutínio mais alargado sobre os seus princípios morais, sobre
a formulação e definição de culpa, de uma maior ou menor aceitação de liberalidade
nos padrões de conduta sexual.
Haveria que escrutinar o passado familiar, a vivência
antes da relação, alguns pormenores ou historietas mais salientes que neste
campo se tivessem passado. No fundo caberia analisar qual o grau de desconformidade
que a paciente demonstrava em relação ao que considerasse o padrão base de
referência moral para si própria.
Luís tinha alguma
curiosidade em “fazer falar” a pretensa paciente, não só por ser uma prova pública
dos seus méritos profissionais pelo convencimento da sua argumentação o que lhe
valeria uma boa classificação, mas também porque sinceramente lhe interessava o
estudo dos “outros”.
Havia quem fosse “bird watcher” ou encantador de serpentes,
outros ou outras cuscos e gostando de falar sobre a vida fútil de terceiros,
ainda uns quantos misóginos ou exuberantes.
Mas para Luís, cada vez
se consolidava mais na sua mente, o desejo de escolher a especialidade de psiquiatria.
Para além da sua personalidade que revelava uma certa dose de bondade e altruísmo, possuía o dom de
uma intuição rara, que pretendia apurar e desenvolver.
O contacto com os outros
era uma fonte inesgotável de prazer para si, e o facto de poder mergulhar no
âmago das suas naturezas e perscrutar os comportamentos, as emoções, o
rationale de atitudes tantas vezes inesperadas e imprevistas, em suma a
verdadeira “condição humana” na acepção de Voltaire, tornava-se um deleite
inultrapassável em termos profissionais.
Por isso, sendo alegre e
divertido e fazendo muito sucesso nos ambientes em que se movimentava, era um
constante observador das atitudes que presenciava de mil e uma pessoas com diversos
comportamentos.
E este acumular de experiências ia constituindo um valioso capital
que presumia, o tornaria num psiquiatra de sucesso e confiável.
Tinha um ponto fraco,
porém, que temia lhe pudesse estragar a estabilidade emocional que lhe era
requerida.
(continua)
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