quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O psiquiatra - Um breve conto (continuação)



Luís, preparara-se para o debate na aula e tinha feito algumas reflexões sobre como abordar as premissas genéricas que lhe tinham sido fornecidas.

Quanto à insatisfação sexual pela não eventual fogosidade do companheiro, e uma vez que o dito não estaria presente, as perguntas seriam mais no sentido de apurar o que a paciente considerava como patamares aceitáveis de desempenho. Escarafunchar ao detalhe, fazendo-a confessar prazeres ocultos e desejos lúbricos. 

Muitas vezes há falta de diálogo neste campo, e a parte negligenciada nem sonha como agradar verdadeiramente, porque ou há um certo pudor da outra em desvendar o seu interior profundo, ou porque pura e simplesmente se cumpre um ritual sem mais e se dá como dado adquirido que se fez a escolha errada e sem esperança de conserto. Outras razões haverá, mas que Luís não considerava aplicáveis à primeira vista, neste caso.

Normalmente este tipo de rotina conduz à infidelidade, ou seja tomar-se garboso cavaleiro que monte a garupa sem freio!

De acordo com as notas providenciadas, existia aparentemente uma ansiedade e sensação de desconforto pelas traições. Luís considerava que as causas teriam que ser investigadas para apurar-se se seriam reais. 

Tudo dependeria das respostas a um escrutínio mais alargado sobre os seus princípios morais, sobre a formulação e definição de culpa, de uma maior ou menor aceitação de liberalidade nos padrões de conduta sexual. 

Haveria que escrutinar o passado familiar, a vivência antes da relação, alguns pormenores ou historietas mais salientes que neste campo se tivessem passado. No fundo caberia analisar qual o grau de desconformidade que a paciente demonstrava em relação ao que considerasse o padrão base de referência moral para si própria.

Luís tinha alguma curiosidade em “fazer falar” a pretensa paciente, não só por ser uma prova pública dos seus méritos profissionais pelo convencimento da sua argumentação o que lhe valeria uma boa classificação, mas também porque sinceramente lhe interessava o estudo dos “outros”

Havia quem fosse “bird watcher” ou encantador de serpentes, outros ou outras cuscos e gostando de falar sobre a vida fútil de terceiros, ainda uns quantos misóginos ou exuberantes.

Mas para Luís, cada vez se consolidava mais na sua mente, o desejo de escolher a especialidade de psiquiatria.

Para além da sua personalidade que revelava uma certa dose de bondade e altruísmo, possuía o dom de uma intuição rara, que pretendia apurar e desenvolver. 

O contacto com os outros era uma fonte inesgotável de prazer para si, e o facto de poder mergulhar no âmago das suas naturezas e perscrutar os comportamentos, as emoções, o rationale de atitudes tantas vezes inesperadas e imprevistas, em suma a verdadeira “condição humana” na acepção de Voltaire, tornava-se um deleite inultrapassável em termos profissionais.

Por isso, sendo alegre e divertido e fazendo muito sucesso nos ambientes em que se movimentava, era um constante observador das atitudes que presenciava de mil e uma pessoas com diversos comportamentos. 

E este acumular de experiências ia constituindo um valioso capital que presumia, o tornaria num psiquiatra de sucesso e confiável.

Tinha um ponto fraco, porém, que temia lhe pudesse estragar a estabilidade emocional que lhe era requerida.

(continua)

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