Ruby Kamara, um africano
da Costa do Marfim, fora colega de Luís na Universidade e também se licenciara
em medicina, nomeadamente em psiquiatria.
Chegara sem conhecer
ninguém e Luís vendo-o um pouco perdido, deu-lhe apoio e tornaram-se os
melhores amigos. Passado algum tempo aprendeu com esperteza a falar português e
começou a dar-se com todos os colegas.
Era um tipo catita, bem-parecido
e foi-se adaptando com facilidade ao meio universitário português.
Estudavam juntos e no
sótão da casa de Luís, ouviam música, falavam de arte e de história durante
horas, e à medida que crescia a amizade entre eles, Ruby foi-se abrindo e
dizendo a Luís que gostava que um dia ele experimentasse umas ervas típicas da
sua terra que faziam sonhar e davam mais pica para o estudo.
Luís perguntou-lhe de
caras se ele achava que era ingénuo e não sabia do que se tratava. Com grande
espanto seu, Ruby respondeu-lhe que se utilizavam nas sessões de espiritismo africano
na terra dele e que eram ervas que os feiticeiros davam aos presentes para
falarem com os ausentes.
Nada convencido Luís foi
disfarçando até que um dia, tendo pela frente milhares de páginas para estudarem
pela noite fora, Ruby propôs-lhe que tomassem uma porção de “khat” para
estimular a concentração.
Assim fizeram e no dia
seguinte apesar de a prova ter corrido às mil maravilhas aos dois, estavam como
se lhes tivesse passado por cima uma retroescavadora.
Ruby contou-lhe que quando
morria alguém na sua aldeia natal, se reuniam numa clareira no meio da
floresta, num local secreto com o corpo do morto jazendo num toro de árvore
liso e muito bem polido, envolto num pano branco tecido com raízes de plantas
que formavam como um lençol fino.
Começavam as danças e o
feiticeiro distribuía porções de “khat” pelos presentes e passadas algumas
horas o corpo levitava e voltava à vida ou se tinha que morrer definitivamente
eram chamados os espíritos para o virem buscar.
Luís achava a descrição
curiosa mas dizia-lhe que tudo quanto Ruby contava que via (a levitação e a ressurreição)
eram fruto dos efeitos do “khat”. O africano negava e jurava que era tudo verdade.
Foram progredindo no curso
e Luís cada vez mais se habituara a tomar “khat” a pretexto de tudo e de nada.
O “khat”, como Luís bem sabia, contém o
alcalóide chamado catinona, um estimulante similar à anfetamina, que causa
excitação e euforia e que produz uma dependência psicológica.
Luís nas aulas estava algumas
vezes de ressaca de “khat” e reparara que os efeitos se prolongavam durante
parte do dia, nomeadamente no momento em que tinha que falar em público, distorcendo-lhe
os sentidos e confundindo o cérebro e afectando os pensamentos e a comunicação.
Luís estudara que as
drogas alucinogénias, no plano das interpretações psicológicas ou
psicanalíticas se situam entre os fenómenos de modificação das emoções e
personalidade, superficialmente descritas como uma relação entre o ego e o
mundo exterior/interior, análogo às interpretações que se dá aos efeitos do transe
das religiões de “possessão” africanas.
Começou a ter medo desta
habituação e via que Ruby era muito mais moderado e que até já o tinha avisado
dos prejuízos que lhe poderia causar tal dependência.
Luís, no entanto, decidiu
que na pretensa “consulta” com Sandra, uma vez que era perante todos os seus
colegas e que desejava obter uma boa nota e impressionar o professor com a sua
argúcia, tomaria uma dose de “khat” de manhã antes de ir para a Faculdade.
(continua)
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