Meu Caro Manuel,
Em resposta à tua carta,
deixa-te envolver por um silêncio interior aonde ecoe música serena e suave, de
preferência sem palavras. Sugiro-te algumas peças de Debussy, em violino. É o primeiro conselho que te dou.
Sim, é verdade que o
desânimo é como se te sangrassem em vida com sanguessugas, como os antigos
barbeiros faziam aos doentes. É um sentimento de progressiva perca de forças,
de amolecimento da resistência à luta pela sobrevivência.
Muitos te dirão que tudo
irá correr bem: não acredites nos “wishful thinking” - ou é ou não é!
As doenças ou têm cura ou
se morre delas, quanto à pobreza, à fome e ao frio ou se é sustentado,
alimentado ou agasalhado ou sucumbe-se exangue!
Tenta esquecer a política
e os seus agentes por algum tempo e faz-te à vida com quem possas fazer equipe
e planeia, programa e executa estratégias de trabalho, de ocupação do tempo,
dos talentos, das capacidades que possas congregar.
Procura ser criativo,
inovador, fazer a diferença, inicia coisas novas se preciso for em outras
paragens. Mas às vezes, está ao alcance do teu braço, ali à esquina.
Não desistas, nunca. A
cedência ao desespero, aos braços caídos é meio caminho andado para a derrota. Este
é o segundo conselho que te dou.
Já te tenho dito noutras
cartas que uma das curas mais eficazes para o desencontro, a confusão de ideias
ou de tristeza é o esquecimento de ti próprio, das tuas aflições e problemas.
Tenta envolver-te com
outros que precisem de ti: nas prisões, nos hospitais ou hospícios, nos quartos
com solidão mas antes de fazeres uma lista pomposa e variada de “caridadezinha”,
olha em redor para a tua família, para os teus amigos e começa por esses.
Sabes que o esforço de
perdoar sem condições, de reatares o contacto, de estares presente nas devidas
proporções sem te impores, de te interessares genuinamente pelos problemas dos
outros, de não exagerares nos “sábios e indiscutíveis” conselhos que “só tu”
conheces é um enorme remédio para a neura, depressão e opacidade da vida.
No
entanto, escuta primeiro e apreende o que se espera de ti e começa por dar só
isso. É muito mais fácil e vai ao encontro do que se pretende. O resto, virá ou
não por acréscimo.
Garanto-te que não terás
tempo para dares tanta importância ao teu ego. Sentir-te-ás muito mais feliz e
quando caíres na cama exausto a cada dia, o sono é reparador. Este é o terceiro
conselho que te dou.
Finalmente, cuida da tua
espiritualidade, seja ela qual for: cristã, budista, muçulmana, judaica, ou ortodoxa.
Temo que o ateísmo, diferente do não-crente, seja pernicioso para o bom ânimo.
Não se afeiçoar a nada e estar, por definição, num “limbo” expectante do
momento da morte, deve trazer momentos de grande solidão e angústia. Este é o quarto
conselho que te dou.
Falaste-me da resignação
do Papa. É um episódio na história da Igreja Católica. Tal como a separação dos
entes queridos, o tempo se encarrega de fazer diluir os contornos da lembrança
e das saudades: rei morto, rei posto.
Dentro de semanas, degladiar-se-ão
Cardeais para a eleição do novo Papa. Será um outro e a ele, os de há poucos
dias, de novo se curvarão almejando por favores e graças e assim a vida
continua. Para já nem falar da imprensa que incensará as virtudes do eleito e
apoucará ou tendencialmente se irá esquecendo do anterior.
Salazares e Cunhais e
quejandos, tem-los por aí. Estão em casa, de pantufas, a beberem “chá da
Escócia” , vulgo whisky, e a perorarem sobre o mérito e o demérito da governação de uns e de
outros, mas não avançam nem patrioticamente querem dar a cara e o couro por
pouco dinheiro.
Pelo que há que fazer uma
busca criteriosa: deveis querer a paz, uma disciplina segura e serena sem
sobressaltos, planos bem definidos para saírem dessa senda direita a um abismo desconhecido.
Grassa, normalmente e nestes casos, um cansaço grande sobre sonhos e promessas
não cumpridas!
Um líder moderno,
desempoeirado, com ideias ajustadas aos vossos tempos, com respeito pelos
direitos de cada povo e da sua liberdade, há-de estar por aí, algures, só que
não aparece pois é pouco generoso e egoísta!
Gostei da alusão às
nêsperas: era o que o teu Avô paterno dizia, quando não gostava de alguma coisa.
Era a alternativa cavalheiresca de sempre!
Se escreveres ao Ministro
das Finanças dá-lhe uns dois ou três conselhos que aqui te deixo:
a) Que tire umas
férias, longe de Portugal durante pelo menos uma semana inteira e que se desligue
mesmo de tudo. O objectivo é descansar o corpo e o espírito e ver, ver com outros
olhos o mundo fora das paredes do Ministério e do Governo. Que escolha um sítio
aonde esteja em contacto com a Natureza, o campo ou o mar e com gente simples,
que pratiquem a economia doméstica.
b) Que visite no
regresso, com discrição e sem alardes, uma família daquelas que sofre mas que
sem ódio, nem rancor, lhe descreva como é a vida do dia-a-dia. Às vezes, estas
vozes não chegam puras aos ouvidos de quem de direito. É importante que
sensorialmente escute e veja o que é a obra, com todas as justificações
teóricas que possa ter, que o seu Governo está a fazer. A realidade é mais
perceptível quando conhecida em directo. O romance do Luis Sttau Monteiro, “Angústia
para o jantar” poderia ser o guião da sua visita a um lar português. Literáriamente
e como tu gostas, a referida família e na senda de novo de Sttau Monteiro,
deveria após a sua saída, concluir que “Felizmente há
luar”!
c) Que fale aos
Portugueses, sem medo e sem esquemas pré-definidos, como Governante e como
cidadão. Porque não uma “Conversa em Família”? Mas das boas, com olhos límpidos
e fala directa, abordando o que vos aflige e deixando palavras de encorajamento
sem demagogia. Dos fracos não reza a História!
E por hoje é tudo meu
querido Manuel.
Um afectuoso abraço do
teu primo
Luís Bernardo
Sem comentários:
Enviar um comentário