quarta-feira, 20 de março de 2013

Carta a Luis Bernardo - Viagem a Israel com o Principe de Sabóia


Meu Caro Luís Bernardo,

Não tenho sabido nada do Ariel Sharon? Já apareceu por aí ou ainda está por cá, vegetando e mantido em segredo num campus militar, algures em Israel? Dizem-me que as máquinas já estão desligadas e que tem pessoas a rezar permanentemente à volta do seu corpo, o que lhe permite ainda estar vivo!

Acho antinatural, sobretudo porque tendo chegado o seu fim e neste caso por doença, havia que ter respeitado a sua morte superveniente e não me parece que haja razões político-partidárias que justifiquem tal situação, pois pelos vistos nem sequer são explicadas.

Ao pedir-te para indagares, por curiosidade, este assunto, lembrei-me de uma viagem que fiz a Israel com o Príncipe Vittorio Emanuele de Sabóia. Foi um tour cheio de peripécias.

Fomos recebidos pelo Shimon Peres e visitámos de uma forma privilegiada a Terra Santa.

Começámos por viajar para Telavive e hospedámo-nos no Hotel Excelsior, de 5 estrelas e o melhor, na altura. A audiência com o Primeiro- Ministro Shimon Peres era só à tarde e por isso tendo tempo, fomos pelas 10h da manhã, para a piscina do Hotel que era muito ampla e agradável.

O Príncipe, por natureza irrequieto e impulsivo, estava um pouco maçado com a ideia de ficarmos horas estendidos como lagartos ao sol e decidiu pedir um vodka puro. Tínhamos acabado de tomar um excelente pequeno-almoço, por isso achei que, apesar de ser ainda cedo para tais libações, cairia em bom terreno sem causar efeitos nocivos à clareza de espírito.

Animado pelas propriedades da bebida, e estendidos lado a lado em duas cómodas cadeiras, começou a relembrar a sua meninice e a contar-me episódios, uns tristes ainda na Europa e outros extraordinários de invulgaridade aquando da sua estadia de anos na Côrte do Xá da Pérsia. 

Confirmou-me que as relações com o Pai, o Rei Umberto, tinham sido péssimas e que mesmo às portas da morte, quando o quis visitar, os conselheiros do Rei o tinham impedido de se despedir e de o ver pela última vez. Estava deveras comovido a narrar estas circunstâncias e pela amargura e tristeza que se depreendiam das suas palavras, senti-me pequenino, testemunhando este desabafo (aliás conhecido, mas não assentido oficialmente com tanta veemência e detalhes como aqueles que ouvia do Príncipe).

Tendo perfeita consciência do meu lugar e papel, apeteceu-me, no entanto, consolá-lo e foi o que fiz, ressaltando as suas qualidades e maneira de ser tão agradável e encantadora, de que eu era não só testemunha desde há vários anos, como directo beneficiário, em tantas viagens que fizémos juntos pelo mundo.

Animado com as minhas palavras, veio um segundo pedido de novo vodka duplo puro, que me começou a preocupar, pois teria que estar impecável para a audiência dessa tarde.

Continuou a falar-me de Cascais e dos Franças (Condes de Paris) dos Espanha (Condes de Barcelona), do Juanito (Rei Don Juan Carlos), do Rei Carol da Roménia e da Lupesco ( amante e sua mulher, in articulo mortis) e da Tia, a Rainha Giovana, viúva do Rei Bóris da Bulgária e Mãe do actual Rei Semião, e de muita outra gente que eu sabia quem eram, naturalmente, mas que devido à minha tenra idade, não tinham sido meus contemporâneos.

Numa outra carta, meu querido Luís Bernardo, conto-te uma visita especial e inesquecível deste Príncipe e da Princesa de Sabóia a casa da Tia, a referida Rainha Giovana, que morava no Estoril e que me dava a enorme honra de me receber e à minha Família, com frequência para lanchar e jantar em Sua casa.

De repente e sem grandes motivos, centrou-se nos socialistas e como os odiava, pois o impediam de regressar do seu exílio em Genève a Itália, sendo Primeiro-Ministro Bettino Craxi, tornou-se inquieto e obsessivo no tema.
 
Afinal, como é sabido,a lei do exílio acabou por ser abrogada e pôde retornar uns anos mais tarde a Itália com a Família Real, nos tempos do Berlusconi. Quem diria! Talvez tenha sido o único acto decente que praticou!

A hora de nos vestirmos aproximava-se velozmente e a caminho do quarto, passou pelo bar e disse-me que “for the road” tomaria mais uma bebida! Aí não me contive e ainda que com amizade e respeitosamente, lembrei-lhe firmemente da necessidade de estar senhor de todas as suas faculdades na reunião com Shimon Peres dentro de 1 hora!

Respondeu-me que não percebia ao que eu aludia, dizendo-o num tom menos simpático, e eu encomendei-me e abandonei-me nas mãos de São Maurício e São Lázaro, de cujas Ordens Dinásticas da Casa Real de Sabóia eu era o representante em Portugal. Acresce que São Maurício foi torturado e feito mártir e era um pouco como me sentia, naquele momento e antes da audiência!

Chegámos ao palácio do Governo e a caminho do Gabinete do Primeiro-Ministro lembrei em sotto voce ao Príncipe que o Shimon Peres era socialista e que não conviria ser tão enfático nos seus comentários agrestes contra os mesmos. O vodka tinha feito o seu caminho e estava de mau-humor, mas sempre Príncipe, claro.

Fomos recebidos muito afavelmente e o Príncipe sentou-se à direita de Shimon Peres e eu à sua esquerda. A conversa desenrolou-se muito variada e desde logo se manifestou o savoir-faire de Shimon Peres, a sua enorme cultura e diplomacia falando sobre a Itália, a sua História, os factos mais relevantes da monarquia Sabauda e essa foi a pedra de toque para um comentário de S.A.R. que transcrevo ipsis verbis: - pois é Senhor Primeiro-Ministro, os socialistas que eu odeio, não me deixam entrar no meu país e sobretudo o Bettino Craxi que é um cretino!

Torci-me na cadeira, tossi forte e olhei para o Príncipe “across the room”, que me disse: - Manuel estás a abrir-me os olhos? Ao que eu respondi: - Não, Alteza Real! 

Shimon Peres, retomou o fio à conversa e disse que entendia perfeitamente as razões do Príncipe e que quando tivesse a oportunidade de falar com Bettino Craxi deixaria cair uma palavra sobre o tema e a favor do regresso da Família Real, mas perguntou com candura se o Príncipe achava que todos os socialistas eram iguais e se não simpatizava com ele, pois tinha muita honra em O receber em Israel.

O Príncipe já não atingiu o alcance, a profundidade e a magnanimidade do comentário do Primeiro-Ministro, pois Shimon Peres aludia a ressentimentos e suspeitas do envolvimento do Rei Vítor Emanuel III de Itália (Avô do Príncipe) com Mussolini e à eventual responsabilidade de perseguições e massacres aos judeus.

Eu tinha estudado bem a lição e perante a resposta amável do Príncipe retorquindo que também simpatizava muito com Shimon Peres, meti a colherada e foram uns 10 minutos de conversa fascinante com um personagem histórico em Israel e actualmente no mundo.

O vodka tinha actuado em pleno e o Príncipe estava meio sonolento e desinteressado, ainda que bem-educadamente deixando-me conversar para justificar um pouco a deferência que significava o nosso encontro.

Despedimo-nos, depois de uma generosa meia-hora de audiência com provas de grande amizade e cordialidade por parte de Shimon Peres que nos ofereceu alguns presentes simbólicos pessoais tendo o Príncipe entregado um livro muito rico e interessante sobre os tesouros da Casa de Sabóia - que felizmente, sendo eu um homem prevenido, trouxera para a viagem o meu exemplar dado um dia por S.A.R. e de que jamais voltei a ter um outro - pois o Príncipe esquecera-se, na pressa, de trazer qualquer coisa para homenagear o Primeiro-Ministro!

À saída fomos convidados pelo Chefe da Casa Militar que nos acompanhou até ao carro, para estarmos presentes, pelas 17h, na inauguração do museu da Mossad.

Meu querido Luís Bernardo, contar-te-ei noutra carta muito em breve, este episódio da visita e contactos com a Mossad pois revelaram-se extraordinários.

A caminho do Hotel e enquanto o Príncipe dormitava, ao rever os eventos acabados de viver, ocorreu-me uma frase no “Príncipe” de Maquiavel, aonde ele afirma que chega ao poder nem sempre quem merece ou quer, mas quem é bafejado pela sorte.

O desempenho bem sucedido de cargos tão importantes como os de Primeiro-Ministro de Israel ou de Rei de Itália e refiro-me a S.M. o Rei Umberto que ainda conheci num ou outro evento, nos seus últimos anos em Cascais, dependem tantas vezes de circunstâncias exteriores ao exercício regular do poder político, ou seja, se o Rei se não tivesse precipitado na sua partida para o exílio acreditando em resultados falsos do referendo à sua Monarquia, ainda hoje, eventualmente, seria este meu Príncipe, com um pouco menos de vodka, que reinaria em Itália e em Israel, se Ytzhak Rabin não tivesse sido assassinado, bem poderia ser que esta guerra infame e injusta na região, não fosse mais do que uma história do passado longínquo nos dias de hoje.

Um abraço afectuoso do teu primo

Manuel

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