quinta-feira, 7 de março de 2013

Faz favor de entrar!

Nunca tinha sido necessário dizer o nome.

Desde que descera do Olimpo e me convertera em humano, evitava repartições públicas, polícias, bancos, e quejandos. Por isso passava incólume sem me identificar.

Contactava sobretudo gente: era essa a minha missão. Os meus pares falavam-me tanto dos seres terrestres, dos seus hábitos e costumes, que aproveitando um bom momento sem temores de conspirações nos meus domínios, resolvi tomar um tempo e vir.

Comecei a habituar-me à desordem e ao caos, às greves, às falências, ao desespero e à pobreza. Mas também à alegria, ao amor, à paixão, ao sexo e à loucura.

Aprendi a ler e a escrever e a conversar. Os meus alvos foram sempre homens e mulheres normais, desempoeirados, felizes e sofredores, e fui acumulando um pouco de tudo para ver se mudo no Olimpo aquele ambiente chato de eterna felicidade, delicodôce, em que alguns cometem excessos, sem sequer saberem o significado de "prazer".

Quis, um dia destes, conhecer quem todos me diziam ser o chefe e foi o que me levou a um palácio cor-de-rosa, lá para os lados de Belém. Tinha a morada um ar imponente com uns guardas com plumas de cavalo nos elmos e ao querer entrar, de repente perguntaram-me quem eu era. 

Foi a primeira vez que fui confrontado com a minha identificação, foi um choque! 

Disse-lhes que pouco interessava, mas nada os demoveu. Disseram-me que o chefe quase nunca saía e que raramente falava em público, por isso era cauteloso.

Pedi-lhes então que me concedessem um favor: escreveria num papel dobrado o meu nome para só a ele ser entregue. A muito custo convenci o guarda pretoriano da entrada e rabisquei então numa folha, umas letras.

Vi dirigir-se-me de dentro um senhor vetusto que com uma voz gutural e um sotaque estranho, se virou cortêsmente para mim e me disse:

- Faça o favor de entrar, Senhor Zeus, temos muito que conversar!
  

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