A discussão é
estúpida. O novo Papa recusou os sapatos da Prada.
Os sapatos são
pretos. Pretas e obscuras são as entranhas de quem já julga, sem ver nem saber.
A razão tem a ver
com África. A terra de côr vermelha já chega: umas vezes é do sangue de
inocentes e de ainda-escravos, outras da contextura dos solos, agrestes e
secos.
O essencial é
mais importante do que o acidental, grita um a que a crise despejara no
desemprego.
Na Cúria, o
Cardeal rebolando-se no seu ventre de moiré avermelhado, não faz dieta. Anda
neura, vai perder o tacho: sai do quentinho, dos gatos, da benesse da dispensa
da leitura diária do breviário.
Prefere a
boa-mesa, farta, copiosa de vinhos caros e inebriantes. Fuma, à socapa, uns
cigarros finos com filtro de seda da cor da sua faixa cardinalícia: o vermelho
que vai com a cor dos sapatos!
Lá para a tarde
irá até ao departamento da Santa Inquisição e nada de confissões, sobretudo. São
de uma maçada insuportável, ouvir pecados. Estar sentado em confessionários de
pau duro para o seu traseiro.
As ceroulas do
mais fino pano, de seda italiana é o que tapa as partes pudibundas e são mandadas
fazer por medida pois o perímetro do sim senhor, não tem um tamanho padrão.
Da parte da
frente, não se vislumbra nada: a secura casta, ainda que duvidosa, das carnes,
tem até mirrado a protuberância.
De profundis…e o
medo assalta-o: o envio para uma diocese longínqua, a perda de mordomias escandalosas e sobretudo o não roçar diariamente o poder, bajular o Papa para
em seguida conspirar e atraiçoá-lo.
Como diabo se
deixou eleger este Papa sem sapatos da Prada.
Recebe-se um
telegrama cifrado: do exterior do mundo, perplexo o Criador, num acto de fúria
exclama: - são todos umas bestas!
Mas o Papa
responde: apascenta o Teu rebanho e o Senhor de novo exclama:
- Chamem o
Gaspar, fechem a Prada de uma forma discreta, causando a falência.
- As sandálias…as
sandálias do pescador! Que grandes néscios. Essas é que é preciso usar, de
marca e de tiras de pele fina.
África deixa
assim de ser preta pois as sandálias tanto podem conter dedos negros como
brancos.
O Papa tinha
razão.
In poemas raros de Vicente Mais ou Menos de Souza
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