Meu Caro Luís Bernardo,
Não tenho sabido nada do
Ariel Sharon? Já apareceu por aí ou ainda está por cá, vegetando e mantido em
segredo num campus militar, algures em Israel? Dizem-me que as máquinas já estão
desligadas e que tem pessoas a rezar permanentemente à volta do seu corpo, o
que lhe permite ainda estar vivo!
Acho antinatural,
sobretudo porque tendo chegado o seu fim e neste caso por doença, havia que ter
respeitado a sua morte superveniente e não me parece que haja razões
político-partidárias que justifiquem tal situação, pois pelos vistos
nem sequer são explicadas.
Ao pedir-te para
indagares, por curiosidade, este assunto, lembrei-me de uma viagem que fiz a Israel com o
Príncipe Vittorio Emanuele de Sabóia. Foi um tour cheio de peripécias.
Fomos recebidos pelo Shimon
Peres e visitámos de uma forma privilegiada a Terra Santa.
Começámos por viajar para
Telavive e hospedámo-nos no Hotel Excelsior, de 5 estrelas e o melhor, na
altura. A audiência com o Primeiro- Ministro Shimon Peres era só à tarde e por isso
tendo tempo, fomos pelas
10h da manhã, para a piscina do Hotel que era muito ampla e agradável.
O Príncipe, por natureza
irrequieto e impulsivo, estava um pouco maçado com a ideia de ficarmos horas
estendidos como lagartos ao sol e decidiu pedir um vodka puro. Tínhamos acabado de tomar um excelente
pequeno-almoço, por isso achei que, apesar de ser ainda cedo para tais libações, cairia em bom terreno sem causar efeitos nocivos à clareza de espírito.
Animado pelas
propriedades da bebida, e estendidos lado a lado em duas cómodas cadeiras,
começou a relembrar a sua meninice e a contar-me episódios, uns tristes ainda
na Europa e outros extraordinários de invulgaridade aquando da sua estadia de
anos na Côrte do Xá da Pérsia.
Confirmou-me que as relações com o Pai, o Rei
Umberto, tinham sido péssimas e que mesmo às portas da morte, quando o quis visitar,
os conselheiros do Rei o tinham impedido de se despedir e de o ver pela última
vez. Estava deveras comovido a narrar estas circunstâncias e pela amargura e
tristeza que se depreendiam das suas palavras, senti-me pequenino, testemunhando
este desabafo (aliás conhecido, mas não assentido oficialmente com tanta
veemência e detalhes como aqueles que ouvia do Príncipe).
Tendo perfeita consciência
do meu lugar e papel, apeteceu-me, no entanto, consolá-lo e foi o que fiz,
ressaltando as suas qualidades e maneira de ser tão agradável e encantadora, de
que eu era não só testemunha desde há vários anos, como directo beneficiário,
em tantas viagens que fizémos juntos pelo mundo.
Animado com as minhas
palavras, veio um segundo pedido de novo vodka duplo puro, que me começou a
preocupar, pois teria que estar impecável para a audiência dessa tarde.
Continuou a falar-me de
Cascais e dos Franças (Condes de Paris) dos Espanha (Condes de Barcelona), do Juanito
(Rei Don Juan Carlos), do Rei Carol da Roménia e da Lupesco ( amante e sua mulher,
in articulo mortis) e da Tia, a Rainha Giovana, viúva do Rei Bóris da Bulgária e Mãe do actual Rei Semião, e de muita outra gente que eu sabia quem eram, naturalmente, mas que devido à minha tenra idade, não tinham sido meus contemporâneos.
Numa outra carta, meu
querido Luís Bernardo, conto-te uma visita especial e inesquecível deste
Príncipe e da Princesa de Sabóia a casa da Tia, a referida Rainha Giovana, que
morava no Estoril e que me dava a enorme honra de me receber e à minha Família,
com frequência para lanchar e jantar em Sua casa.
De repente e sem grandes
motivos, centrou-se nos socialistas e como os odiava, pois o impediam de
regressar do seu exílio em Genève a Itália, sendo Primeiro-Ministro Bettino Craxi, tornou-se inquieto e obsessivo
no tema.
Afinal, como é sabido,a
lei do exílio acabou por ser abrogada e pôde retornar uns anos mais tarde a Itália com a Família Real, nos tempos do
Berlusconi. Quem diria! Talvez tenha sido o único acto decente que praticou!
A hora de nos vestirmos
aproximava-se velozmente e a caminho do quarto, passou pelo bar e disse-me que “for the
road” tomaria mais uma bebida! Aí não me contive e ainda que com amizade e
respeitosamente, lembrei-lhe firmemente da necessidade de estar senhor de todas as suas faculdades na reunião com Shimon Peres dentro de 1 hora!
Respondeu-me que não
percebia ao que eu aludia, dizendo-o num tom menos simpático, e eu encomendei-me
e abandonei-me nas mãos de São Maurício e São Lázaro, de cujas Ordens
Dinásticas da Casa Real de Sabóia eu era o representante em Portugal. Acresce
que São Maurício foi torturado e feito mártir e era um pouco como me sentia,
naquele momento e antes da audiência!
Chegámos ao palácio do
Governo e a caminho do Gabinete do Primeiro-Ministro lembrei em sotto voce ao Príncipe que o Shimon Peres era socialista
e que não conviria ser tão enfático nos seus comentários agrestes contra os
mesmos. O vodka tinha feito o seu caminho e estava de mau-humor, mas sempre
Príncipe, claro.
Fomos recebidos muito
afavelmente e o Príncipe sentou-se à direita de Shimon Peres e eu à sua esquerda. A
conversa desenrolou-se muito variada e desde logo se manifestou o savoir-faire
de Shimon Peres, a sua enorme cultura e diplomacia falando sobre a Itália, a sua
História, os factos mais relevantes da monarquia Sabauda e essa foi a pedra de
toque para um comentário de S.A.R. que transcrevo ipsis verbis: - pois é
Senhor Primeiro-Ministro, os socialistas que eu odeio, não me deixam entrar no
meu país e sobretudo o Bettino Craxi que é um cretino!
Torci-me na cadeira,
tossi forte e olhei para o Príncipe “across the room”, que me disse: - Manuel
estás a abrir-me os olhos? Ao que eu respondi: - Não, Alteza Real!
Shimon Peres, retomou o
fio à conversa e disse que entendia perfeitamente as razões do Príncipe e que
quando tivesse a oportunidade de falar com Bettino Craxi deixaria cair uma
palavra sobre o tema e a favor do regresso da Família Real, mas perguntou com
candura se o Príncipe achava que todos os socialistas eram iguais e se não
simpatizava com ele, pois tinha muita honra em O receber em Israel.
O Príncipe já não atingiu
o alcance, a profundidade e a magnanimidade do comentário do Primeiro-Ministro,
pois Shimon Peres aludia a ressentimentos e suspeitas do envolvimento do Rei
Vítor Emanuel III de Itália (Avô do Príncipe) com Mussolini e à eventual responsabilidade
de perseguições e massacres aos judeus.
Eu tinha estudado bem a
lição e perante a resposta amável do Príncipe retorquindo que também simpatizava
muito com Shimon Peres, meti a colherada e foram uns 10 minutos de conversa fascinante
com um personagem histórico em Israel e actualmente no mundo.
O vodka tinha actuado em
pleno e o Príncipe estava meio sonolento e desinteressado, ainda que
bem-educadamente deixando-me conversar para justificar um pouco a deferência que
significava o nosso encontro.
Despedimo-nos, depois de uma generosa meia-hora de audiência com provas
de grande amizade e cordialidade por parte de Shimon Peres que nos ofereceu
alguns presentes simbólicos pessoais tendo o Príncipe entregado um livro muito
rico e interessante sobre os tesouros da Casa de Sabóia - que felizmente, sendo
eu um homem prevenido, trouxera para a viagem o meu exemplar dado
um dia por S.A.R. e de que jamais voltei a ter um outro - pois o Príncipe esquecera-se, na pressa, de
trazer qualquer coisa para homenagear o Primeiro-Ministro!
À saída fomos convidados pelo Chefe da Casa
Militar que nos acompanhou até ao carro, para estarmos presentes, pelas 17h, na
inauguração do museu da Mossad.
Meu querido Luís
Bernardo, contar-te-ei noutra carta muito em breve, este episódio da visita e
contactos com a Mossad pois revelaram-se extraordinários.
A caminho do Hotel e
enquanto o Príncipe dormitava, ao rever os eventos acabados de viver, ocorreu-me
uma frase no “Príncipe” de Maquiavel, aonde ele afirma que chega ao poder nem
sempre quem merece ou quer, mas quem é bafejado pela sorte.
O desempenho bem sucedido
de cargos tão importantes como os de Primeiro-Ministro de Israel ou de Rei de
Itália e refiro-me a S.M. o Rei Umberto que ainda conheci num ou outro evento, nos
seus últimos anos em Cascais, dependem tantas vezes de circunstâncias exteriores
ao exercício regular do poder político, ou seja, se o Rei se não tivesse
precipitado na sua partida para o exílio acreditando em resultados falsos do
referendo à sua Monarquia, ainda hoje, eventualmente, seria este meu Príncipe,
com um pouco menos de vodka, que reinaria em Itália e em Israel, se Ytzhak
Rabin não tivesse sido assassinado, bem poderia ser que esta guerra infame e
injusta na região, não fosse mais do que uma história do passado longínquo nos dias de hoje.
Um abraço afectuoso do
teu primo
Manuel