Meu Querido Manuel,
O Papa Francisco está a
fazer um papel muito importante para a Igreja.
Deixa-me começar por te
dizer o que sabemos aqui pelos recém-chegados, novos e velhos. As religiões
passam por uma crise de fiéis, sejam elas quais forem.
Os princípios rígidos que
as estabeleceram, falam de outros tempos, de simbologias antigas e de regras de
comportamento que nada têm a ver com a realidade ou com Deus, Yavé ou os ensinamentos
do Profeta, bem como de Calvino ou as 95 teses de Martinho Lutero.
Se quiseres ser honesto
na análise cuidada dos textos bíblicos verás que o que lá se relata, é como que
uma narração histórica do percurso do povo judeu e das medidas “administrativas”
que se foram tomando para o cumprimento de um desiderato: a Terra Prometida.
Por isso com o
aparecimento dos Evangelhos que já se sabe desde há muito não serem escritos
pelos próprios Apóstolos, mas 50 ou 60 anos depois das suas mortes, e com
contradições ou omissões entre as versões de cada um, vão estas actualizações criando
nuns, interesse em aprofundar com recta intenção ou não estes desafios e
noutros um cada vez maior afastamento da Fé.
Nas outras religiões e
nomeadamente nas mais ortodoxas ou radicais, os princípios estão subvertidos e
a prática desprestigia os fundadores.
Por isso, o Papa
Francisco tem uma missão extraordinariamente relevante em querer
reduzir ao essencial a mensagem de Cristo e os ensinamentos da Igreja para os
crentes e quiçá entusiasmar quem de boa-fé queira aderir, valorizarando a conduta
humana, na prática do amor verdadeiro, no consolo dos pobres e dos mais
desfavorecidos, dos abandonados, dos presos, dos doentes, em suma de todos
quantos precisam de solidariedade e atenção. E é crítico e firme e consegue com
uma enorme doçura entusiasmar multidões, precisamente àqueles a quem ele visita
e se importa.
Naturalmente esta
atitude, torna-se incómoda para quem é arrogante, senhor das suas certezas
imutáveis quanto à prática da Fé criticando a própria Igreja , hipócrita,
comodista, egoísta e ignorante e pior ainda, fazendo o contrário do que
apregoa.
Também tu, pelo que me
tens dito, entusiasta desde o primeiro dia deste Papa, sentes-te mais perto da
Igreja a que pertences por testemunhar o renascer da tolerância, do perdão, da
inteligência na interpretação de princípios arcaicos e enraizados, do
afastamento do medo, do pecado e tudo isto em detrimento do que mais importa e
que são verdadeiramente os princípios humanos pois não vives em Plutão: o exercício
do amor ao próximo e uma simplicidade de vida moral baseada na decência de
actuação na sociedade civil, do ambiente de paz entre as famílias que é sem
sombra de dúvida o pilar da construção de um mundo melhor, a harmonia interior
por se saber que se não tem pela frente condenações a fogos perpétuos nem a
castração da natureza humana é o que os deve mover. Haveria tanto a dizer-te.
Por outro lado o Papa
Francisco neste seu mister de acolhimento, de uma forma lúcida e humana decidiu
olhar para várias situações que levam a uma forma de ser e de convivência
distinta daquelas que tradicionalmente se foram implantando ao longo dos
séculos, em paralelo com as actuais, mas com menos visibilidade ou mais
reprimidas.
Estou a falar-te da
homossexualidade masculina e feminina, dos casais divorciados pela lei civil,
das novas famílias gays ou lésbicas, da adopção por estes, de filhos e
finalmente pela sua união pela do vínculo do casamento civil.
Dizias-me que quando nas aulas de
religião alguém levantava muito a medo o tema da homossexualidade, havia esta
resposta que calava muitos: quem assim é, sob o ponto de vista científico está
provado que já nasce gay ou é bissexual ou heterossexual (veio a ciência muitos
anos mais tarde a confirmar esta tese) e sob o ponto de vista religioso e da
moral, perguntavam os professores com incisão:- então não foi Deus que criou o
Homem e a Mulher como nos diz a Bíblia e os Evangelhos e prega a Igreja? Porque
será então que deixa que haja uma percentagem de gays e de pessoas com outras
orientações sexuais? Como pode ser pecado, se tudo a Ele se deve?
Esta versão de
aproximação à resignação e aceitação de uma decisão divina indiscutível, parecia
que fazia sentido.
Por isso o Papa
Francisco, é prudente e isento quanto ao julgamento definitivo e
absoluto sobre a imoralidade cristã dos gays e lésbicas. Pura e simplesmente
aceita-os como são e acha que não os deve afastar da frequência da Igreja, assim
como em pé de igualdade com os esquimós, ou os pele-vermelhas ou portugueses ou
espanhóis, etc..
É um non-issue ou seja a
sua exclusão não deve ser tema de discussão. Compete a cada um escolher a
pertença ou não a um acervo de princípios que forma um corpo institucional chamado
Igreja. Não se força.
Quanto aos casais divorciados,
a atitude gritante e injusta da Igreja até agora, é perfeitamente
incompreensível.
A alguém que se divorcia,
não basta já a dor, o sofrimento, o abandono, a desilusão, o desfazer de planos
e sonhos que se idealizaram e ao procurar novo parceiro/a não é uma busca,
tantas vezes vã de um recomeço?
Se a frequência dos
Sacramentos for procurada e autorizada pela Igreja, é aceitável a tese estulta de que
se está a promover o divórcio para se poder depois ir comungar, entre outros
exemplos possíveis? E os outros cristãos da comunidade, tantas vezes sepulcros
caiados de branco, têm alguma autoridade para se julgarem melhores?
São argumentos bafientos,
odiosos, castradores da beleza já de si tão complicada de
aceitar e acreditar nos Mistérios.
Finalmente a adopção e o
casamento de gays e lésbicas: é um tema do foro civil e de cada pessoa. Explico: há
estatísticas de casais felizes e normais versus infelizes ou anormais, pela
vezes que dão as mãos na rua, que se beijam na boca, que fazem sexo, que gritam
entre eles ou se tratam mal, ou se são estúpidos e incompetentes ou efeminados ou
machões, etc???…entramos num campo em que todos sabemos que se têm enormes
surpresas quanto à taxa da felicidade dita e apregoada, se soubermos inclusive definir
o que ela é!
É assunto do direito
civil de cada país, que em sendo democrático, as decisões resultam de maiorias mais
ou menos responsáveis, como sabemos, pois nunca há o lado dos que têm razão e
dos que não têm. Mas isso é outro tema.
Em conclusão, ninguém
obriga ninguém a aceitar ou discordar, a não ser a lei de cada país e para os
que querem.
Tens assim a posição que
aqui recolhi. Claro que o Sínodo está a ser acompanhado com todo o interesse e
o Papa será um pioneiro.
É também importante que
as mudanças se façam no momento certo e sem grandes turbulências.
Meu Caríssimo Manuel,
tanto mais que te poderia dizer mas dedica-te sobretudo a ser bom para os
outros e simples e a seguir este caminho que o Papa Francisco está a traçar,
precisando de ti e de todos quantos tenham um coração livre e aberto aos
outros.
Teu muito afeiçoado primo
Luís Bernardo
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