Caríssimo Manuel,
Respondo à tua carta, depois de uma semana agitada pois quis fazer-te a
vontade e entrevistar Salazar de passagem, pois ele estava com pressa. Por
outro lado fui também estar com os teus Pais que estão a passar o verão na casa
de praia que é uma maravilha.
Abaixo te descreverei.
Quis saber notícias do Vaticano mas deu-me mais
trabalho pois quem me pode informar estava de férias e portanto tive que
esperar que regressasse para organizar as respostas.
Quanto ao fim do mundo em Setembro, tanto quanto ouvi dizer por aqui os
preparativos para o regresso de toda a gente ainda estão uns milhões de anos
atrasados. Lá terás que continuar a penar, mas deixa-te de queixas e goza a
vida. Aqui há nascer e pôr-do-sol lindos, mas olha que os daí são também uma
maravilha. Nada é boring, como dizias. Tens sempre tanto que fazer, se
quiseres, mas não é hábito, como aí, de nada se fazer.
Um dia te conto com mais
detalhe.
Dou-te, no entanto, um pequeno exemplo: existe uma biblioteca sem possibilidade de te descrever a dimensão, que alberga a informação
sobre cada um, a vida que levaram aí na terra, com todos os factos e conhecimento
de tudo quanto fizeram e foi conhecido e o que não disseram.
Não se trata de um
ficheiro, como o do Pina Manique no tempo do maldito Pombal. A propósito, já encontrei
o marquês por aqui e não lhe falei e um grupo de nossos parentes ainda quiseram
um desforço, mas tudo se compôs.
Ora, qualquer pessoa pode consultar, nessa biblioteca, livros e ter acesso a
todo o conhecimento em todas as suas versões linguísticas, pois está acessível directamente
à compreensão que cada um possui. Tens tudo desde todos os tempos e acessível a
ser visionado sob todas as formas para satisfação e enriquecimento de todos. Explico,
com um novo exemplo: tem havido muitas perguntas e até discussões em seminários
e colóquios sobre as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui a propósito do
acordo recente entre o EUA- Irão.
Muita gente e em simultâneo teve acesso a todas as fases do seu
lançamento e inclusive o momento em que se produziu e as consequências
posteriores. Não se julga, mas fica-se totalmente informado. O mesmo se passa
quanto a outros tópicos e pessoas e circunstâncias. Poderás consultar um dia a
tua vida na terra e tudo quanto fez parte dela e não só.
Já estamos a entrar em
detalhes de que te falarei noutra carta.
Voltemos então à casa de praia dos teus Pais. Tem uns 12 quartos, todos com
varanda e com imensa luz. É um projecto ousado e moderno do Le Corbusier, que a
tua Mãe convenceu a fazer. Muitos vidros por causa da vista deslumbrante sobre
o Universo e mesmo ao pé, sobre o mar. Os teus Pais tendo sido ambos exímios
nadadores no Estoril e em Cascais, adoram tomar banhos prolongados e fazerem
natação durante muito tempo. Têm o grupo de amigos de sempre e fazem imensos
concursos. Jogam na praia voleibol, futebol e junto à casa têm uns courts de
ténis aonde vem o Torok jogar com eles e dar-lhes umas aulas de
aperfeiçoamento.
Salas espaçosas, em tons brancos e claros, com enormes sofás e decoração minimalista mas muito confortável.
Um terraço enorme com uma mesa para 20 pessoas que é muito usada para
almoços. Desse terraço vai-se para uma piscina de 50mx20m e à volta tem um bar e um barbecue
bem como espreguiçadeiras e toldos e chapéus-de-sol. Têm sempre pessoal que se
ocupa de tudo, preparando e servindo as bebidas e fazendo deliciosos almoços
requintados e apropriados.
Dentro têm ainda uma casa de jantar para 40 pessoas aonde à noite dão uns
opíparos repastos sempre sem serem muito formais, com mariscos, caviar, saladas
exóticas, um prato quente de carne e frutas portuguesas e brasileiras e gelados
italianos. O Santini é um frequente visitante bem como S.M. o Rei Umberto que
os teus Pais e Avós conheciam.
Os quartos têm camas grandes e fundas com roupa de linho puro, fresca e com
almofadões de penas para aonde apetece lançar-se e enterrar-se.
O teu Pai deu-lhe para ter carros descapotáveis e tem uma bela colecção, entre
eles um Bugatti lindo com que se passeia com a tua Mãe, claro.
No terraço e ao fim-da-tarde é vulgar haver o Beni Goodman e a sua
orquestra a tocar jazz e os criados a servirem bebidas. Há cá a moda agora de
gins exóticos, imagina.
Muito agradável e toda a gente sempre sorridente e bem-disposta. Mandam-te
beijos e abraços grandes e disseram-me que têm conversado contigo
frequentemente por carta.
Fui então visitar Salazar que estava hospedado num hotel junto à costa a
passar uns dias. Partia no dia seguinte de volta a casa, por isso deu-me apenas
uns minutos para me dizer com uma franca gargalhada: - eu faço lá ideia como
resolveria os problemas! Eu não sou desse tempo nem as minhas ideias se
aplicavam, excepto no amor que sempre tive a Portugal! E pediu-me que o
deixassem sossegado pois muita gente ainda pensa que ele seria o salvador,
quando tudo muda e tudo passa. De muito bom senso.
E mais não disse, e acho que fez bem pois seria imprudente pôr-se daqui a perorar
conselhos. Ia dar asneira de certeza.
Tenho que sair com pressa e por isso deixo os outros assuntos para uma
próxima carta.
Teu muito afeiçoado primo que muito te quer.
Luís Bernardo
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