quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Carta resposta do meu primo Luís Bernardo - Salazar e o Bugatti do meu Pai



Caríssimo Manuel,

Respondo à tua carta, depois de uma semana agitada pois quis fazer-te a vontade e entrevistar Salazar de passagem, pois ele estava com pressa. Por outro lado fui também estar com os teus Pais que estão a passar o verão na casa de praia que é uma maravilha.

Abaixo te descreverei. 

Quis saber notícias do Vaticano mas deu-me mais trabalho pois quem me pode informar estava de férias e portanto tive que esperar que regressasse para organizar as respostas.

Quanto ao fim do mundo em Setembro, tanto quanto ouvi dizer por aqui os preparativos para o regresso de toda a gente ainda estão uns milhões de anos atrasados. Lá terás que continuar a penar, mas deixa-te de queixas e goza a vida. Aqui há nascer e pôr-do-sol lindos, mas olha que os daí são também uma maravilha. Nada é boring, como dizias. Tens sempre tanto que fazer, se quiseres, mas não é hábito, como aí, de nada se fazer. 

Um dia te conto com mais detalhe.

Dou-te, no entanto, um pequeno exemplo: existe uma biblioteca sem possibilidade de te descrever a dimensão, que alberga a informação sobre cada um, a vida que levaram aí na terra, com todos os factos e conhecimento de tudo quanto fizeram e foi conhecido e o que não disseram. 

Não se trata de um ficheiro, como o do Pina Manique no tempo do maldito Pombal. A propósito, já encontrei o marquês por aqui e não lhe falei e um grupo de nossos parentes ainda quiseram um desforço, mas tudo se compôs.

Ora, qualquer pessoa pode consultar, nessa biblioteca, livros e ter acesso a todo o conhecimento em todas as suas versões linguísticas, pois está acessível directamente à compreensão que cada um possui. Tens tudo desde todos os tempos e acessível a ser visionado sob todas as formas para satisfação e enriquecimento de todos. Explico, com um novo exemplo: tem havido muitas perguntas e até discussões em seminários e colóquios sobre as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui a propósito do acordo recente entre o EUA- Irão.

Muita gente e em simultâneo teve acesso a todas as fases do seu lançamento e inclusive o momento em que se produziu e as consequências posteriores. Não se julga, mas fica-se totalmente informado. O mesmo se passa quanto a outros tópicos e pessoas e circunstâncias. Poderás consultar um dia a tua vida na terra e tudo quanto fez parte dela e não só. 

Já estamos a entrar em detalhes de que te falarei noutra carta.

Voltemos então à casa de praia dos teus Pais. Tem uns 12 quartos, todos com varanda e com imensa luz. É um projecto ousado e moderno do Le Corbusier, que a tua Mãe convenceu a fazer. Muitos vidros por causa da vista deslumbrante sobre o Universo e mesmo ao pé, sobre o mar. Os teus Pais tendo sido ambos exímios nadadores no Estoril e em Cascais, adoram tomar banhos prolongados e fazerem natação durante muito tempo. Têm o grupo de amigos de sempre e fazem imensos concursos. Jogam na praia voleibol, futebol e junto à casa têm uns courts de ténis aonde vem o Torok jogar com eles e dar-lhes umas aulas de aperfeiçoamento.

Salas espaçosas, em tons brancos e claros, com enormes sofás e decoração minimalista mas muito confortável.

Um terraço enorme com uma mesa para 20 pessoas que é muito usada para almoços. Desse terraço vai-se para uma piscina de 50mx20m e à volta tem um bar e um barbecue bem como espreguiçadeiras e toldos e chapéus-de-sol. Têm sempre pessoal que se ocupa de tudo, preparando e servindo as bebidas e fazendo deliciosos almoços requintados e apropriados.

Dentro têm ainda uma casa de jantar para 40 pessoas aonde à noite dão uns opíparos repastos sempre sem serem muito formais, com mariscos, caviar, saladas exóticas, um prato quente de carne e frutas portuguesas e brasileiras e gelados italianos. O Santini é um frequente visitante bem como S.M. o Rei Umberto que os teus Pais e Avós conheciam.

Os quartos têm camas grandes e fundas com roupa de linho puro, fresca e com almofadões de penas para aonde apetece lançar-se e enterrar-se. 

O teu Pai deu-lhe para ter carros descapotáveis e tem uma bela colecção, entre eles um Bugatti lindo com que se passeia com a tua Mãe, claro. 

No terraço e ao fim-da-tarde é vulgar haver o Beni Goodman e a sua orquestra a tocar jazz e os criados a servirem bebidas. Há cá a moda agora de gins exóticos, imagina.

Muito agradável e toda a gente sempre sorridente e bem-disposta. Mandam-te beijos e abraços grandes e disseram-me que têm conversado contigo frequentemente por carta.

Fui então visitar Salazar que estava hospedado num hotel junto à costa a passar uns dias. Partia no dia seguinte de volta a casa, por isso deu-me apenas uns minutos para me dizer com uma franca gargalhada: - eu faço lá ideia como resolveria os problemas! Eu não sou desse tempo nem as minhas ideias se aplicavam, excepto no amor que sempre tive a Portugal! E pediu-me que o deixassem sossegado pois muita gente ainda pensa que ele seria o salvador, quando tudo muda e tudo passa. De muito bom senso.

E mais não disse, e acho que fez bem pois seria imprudente pôr-se daqui a perorar conselhos. Ia dar asneira de certeza.

Tenho que sair com pressa e por isso deixo os outros assuntos para uma próxima carta.

Teu muito afeiçoado primo que muito te quer.

Luís Bernardo


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