segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Um outro olhar sobre os reclusos das prisões de alta segurança e não só


Apresento-me rapidamente: voluntário da Cruz Vermelha Portuguesa no sector da assistência aos reclusos, professor de Português para estrangeiros na prisão de Monsanto. Advogado e Administrador de empresas.
Dou aulas de cerca de duas horas, duas vezes por semana. Aprendo mais do que ensino e por isso para além de professor, sou sobretudo aluno de “Humanidades”.

Reclusos “top”, de várias nacionalidades. Tenho na vida cá fora, bastante claustrofobia, mas ali, dentro de uma sala pequena, sem janelas para o exterior, trancado a sete chaves, dando para um corredor com guardas e com uma câmara permanente, não tenho o direito sequer de pensar em atabafamento. Nem dou por isso. 

As aulas são sobre, obviamente, a matéria para que me ofereci, mas também guardo 30 minutos para falarmos de e sobre tudo. Levo artigos e prosas de MEC, de Meril Streep, de Voltaire, faço ditados sobre textos de Pessoa, de poetas brasileiros, franceses, espanhóis, alemães, ingleses, empresto livros de clássicos porque mos pedem, de autores contemporâneos, é de facto uma feira de “cultura”.

Sou como a nau Catrineta, tenho muito para contar e não tenho por onde começar. Gostaria de neste primeiro artigo, sobretudo, suscitar o interesse do público em geral, para um tema que é tabu e sobre o qual quer os políticos, os deputados e os cidadãos, não se pronunciam, não se interessam em profundidade, fugindo dele quase como se fosse o vírus do ébola, para sermos actuais!

Três pontos que me merecem imediatos comentários:

1.       1. Sabe-se pouco sobre a matéria porque se não conhece. 

2.       2. Há trabalho bem feito e produtivo quer pelo Estado ( e aqui não refiro nenhum Governo nem Partido em especial, pois desde há anos que se vem progredindo), quer pelas instituições particulares e por pessoas e voluntários.

3.     3. É preciso muito mais: gente habilitada e qualificada, novas ideias e confronto com o que se faz no estrangeiro, cabeças desempoeiradas sobre a realidade prisional, a revisão das regras, da legislação, a abordagem a desempregados com valor, generosidade e tempo..hélas…que enquadrados em termos formativos, invadam as prisões e tornem-nas na antecâmara do regresso à liberdade.

Em relação ao ponto 1., é necessário mais imprensa escrita e falada (rádio e televisão). Não chegamos lá, não nos ouvem, não conhecemos a quem meter “cunhas” para falar de outros homens e mulheres de quem, quer gostemos ou não, somos corresponsáveis pelas suas penas e delitos, pois vivem e convivem na mesma sociedade civil.

Em relação ao ponto 2. é preciso publicitar o que existe, discutir a doutrina e jurisprudência dos Tribunais de Execução de Penas, acompanhar as tendências mundiais da teoria de reinserção dos reclusos, estudar a sua aplicação no meio português, propor sistemas de microcrédito e de incentivos laborais para o regresso à sociedade civil, ensino, educação, acolhimento, compreensão, amor e dedicação.

Em relação ao ponto 3. falta contactar as empresas, as universidades, os profissionais do direito, da medicina e da psicologia, as igrejas e os seus diferentes credos, numa palavra tornar conhecido o desconhecido.

E há tantos exemplos de sucesso e também de insucesso. 

Se no programa do ensino básico houvesse visitas às cadeias, estou seguro de que estaríamos a preparar os nossos filhos para duas coisas: a criação do espírito de solidariedade e de voluntariado e por outro lado da rejeição do crime e da desconformidade ao Bem.

E por hoje aqui me fico, dando a cara, estando disposto a lutar por uma “classe” que necessita de vozes de tolerância, de não julgamentos precipitados sobre o modo de ser e de agir, de acompanhamento, de permanente disponibilidade e atenção.

Recentemente, num evento, estava ao meu lado uma jornalista conhecida, a quem eu estava a contar com entusiasmo esta minha experiência e envolvimento, e a reacção foi: - mas tu agora estás do lado dos criminosos? E a minha resposta foi: - mas tu já foste visitar alguma vez uma prisão?

Diziam-me os meus “alunos” estrangeiros a quem dou aulas em Monsanto: - o que nos faz mais falta ao longo dos anos de prisão, é a afeição, a ternura, um beijo, um afago, a companhia de quem nos ajude a recomeçar. 

São penas de dezenas de anos sem ver a luz do dia. Terão feito algo que o mereça: só eles sabem, mas há uma linha nítida que separa o passado do futuro. E nós devemos estar no futuro à espera deles e a ajudá-los a lá chegar no presente.

MNA

Sem comentários:

Enviar um comentário