Quando saí de Genève e no
regresso a Lisboa, cogitei sobre a responsabilidade de tal compromisso. Passou
depressa o temor, pois nestas idades a ambição e uma certa temeridade rapidamente
insuflam o espírito de aventura e desafio que há em nós.
Dividi o trabalho em três
partes: a vertente angolana, a portuguesa, e a americana.
Reflecti sobre quem
poderia contactar para me introduzir junto do Presidente José Eduardo dos
Santos e ocorreu-me de imediato o meu sócio principal do escritório de Advogados, o
António. Tínhamos uma rede europeia em parceria com a Stanbrook & Partners
de Bruxelas, e o António desde há muito era consultado como jurista pela
nomenclatura angolana. Tinha por isso excelentes contactos.
Fez-se uns telefonemas,
mandaram-se uns faxes confidenciais e após um pedido para eu enviar um
memorando sobre o que se pretendia, veio a luz verde, dizendo o Presidente dos Santos que
aguardava a nossa visita, quando o trabalho estivesse pronto. Foram diligências imprescindíveis e só foram coroadas de êxito devido ao respeito e consideração que nutriam pelo valor, competência e rigor do António.
Esta notícia alegrou
muito os USA, o Príncipe, bem como o Avi e a sua gente.
Comecei a trabalhar na
segunda vertente, ou seja, conhecer quem seria o Embaixador americano que nos
acompanharia a Luanda, quais as propostas que a sua agência de lobbying tinha negociado
no Capitólio como metas, prioridades, programa a apresentar e quais as
instruções que o Presidente Bush tinha dado ao referido Embaixador, como seu
representante qualificado, para negociar uma mudança do apoio americano às eleições em
Angola, com vista a uma alternância do suporte até ali prestado ao Presidente Savimbi.
O prazo para a data das
eleições corria apressado, por isso teríamos que nos sentar todos em conjunto uns meses antes, estudar
previamente os relatórios elaborados por cada parte, comentá-los e adaptá-los à
realidade local, sem fantasias nem ingenuidades, tão típicas tantas vezes da
política externa americana.
Fiz uma primeira viagem a
Luanda e fiquei hospedado na Embaixada de Portugal, a convite do meu amigo
João, que nessa altura era o diplomata acreditado junto do Governo de Angola. Recebeu-me com uma amizade e amabilidade inexcedíveis e senti-me completamente protegido numa Luanda a ferro e fogo.
Havia outro, porém, o Embaixador António Monteiro, que era o Chefe da Missão Temporária de
Portugal junto das Estruturas do Processo de Paz em Angola e representante
junto da Comissão Conjunta Político-Militar, em Luanda.
De ambos tive preciosa ajuda pelas análises coerentes, fundamentadas e fidedignas que possuiam e que sem rebuço puseram à minha disposição.
Encontrei-me também com o meu amigo, Manuel Lamas de Mendonça que
estava como Administrador da Fábrica da Tabaqueira em Angola, mas que tinha
excelentes ligações locais que me apresentou e que me foram muito úteis.
Sem alarido e com a maior
discrição, tive uma reunião com o Presidente Savimbi, a pretexto de
apresentar-lhe um grupo de empresários americanos que queriam investir no imobiliário
no centro de Luanda, em valores para cima de US$ 150 milhões. A justificação
para a visita era a de sondar como encarava Savimbi a presença de americanos em
Angola, e como estava de “humores” e expectativas em relação ao resultado das
eleições.
Recebeu-me com arrogância
tendo sido, inclusive, desagradável ao dizer-me em frente dos clientes
americanos:
- Mas o Senhor julga que
isto (Angola) ainda é vosso?
Eu respondi-lhe
friamente, mostrando-lhe o meu passaporte e dizendo-lhe que ao ter um visto de
entrada, demonstrava bem o meu estatuto de estrangeiro.
Depois perguntou-me se eu
já tinha ido à rua das “doleiras” (uma das avenidas no bairro de Miramar, aonde
estavam sentadas num passeio de pernas abertas, mulheres angolanas tendo numa
mão cuanzas e noutra dólares americanos que transacionavam no mercado paralelo,
numa perfeita uniformidade de taxa de câmbio que variava por igual em todas e em simultâneo).
Respondi a Savimbi que
sim e ele sem hesitação disse-me que “os americanos vão-me dar 50 a 60 milhões
de dólares para me apoiarem nas eleições, por isso veja só quantos cuanzas vai
dar para comprar muitos votos”!
Nessa manhã tinha precisado de
trocar US$100 e o João emprestou-me o carro da Embaixada com o chauffeur que me levou às ditas “doleiras”, tendo obtido uma generosa taxa de conversão. Confirmei por isso o que Savimbi me quis transmitir.
Não fiz comentários e
passados uns minutos, troquei mais umas impressões sobre a segurança em Luanda
e em Angola em geral (com assaltos, mortes e escaramuças diárias e sérias entre as
duas forças e não só) mas Savimbi garantiu-me que tinha tudo sobre controlo!
Confirmei o que já tinha
ouvido em Portugal, que era muito racista em relação aos Portugueses e um fanfarrão. Tendo sido formado na China terá porventura bebido do fino!
Voltei assim, com um
acervo de informação muito importante e interessante que comecei a burilar e a
desbravar pois competia-me passar estas informações para Washington e também iniciei
a preparação de recomendações estratégicas quanto à abordagem a fazer ao Presidente dos
Santos, pois o Embaixador C., contava com a minha sensibilidade lusófona para
evitar erros de “casting!
(continua)
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