Alguém me disse que havia uma tal de Ermelinda, numa terreola perto de Aveiro que sabia de tudo: a composição do “liquido”, como limpar as notas, fazer testes e tratar de resolver por fim esta saga.
Depois de tantas tentativas, decidi ir com um amigo visitar a d. Ermelinda, a qual se mostrou renitente em querer ver-me, revelar os segredos e expor-se com medo que eu levasse as autoridades comigo.
Mandei dizer que lhe dava a minha palavra que nada disso aconteceria e que eu queria de uma vez por todas, descansar desta inquietude.
Depois de muitas negociações por intermédia pessoa, aceitou e marcou às 15h de um dia chuvoso e cinzento, como estava a minha disposição.
Metemos na mala traseira do carro a pasta com as “notas” pretas, a garrafa com o “liquido” falso e lá partimos.
O meu amigo era o "motorista" do carro e eu ia calado. Já tinha discutido o tema até à exaustão, contactado com inúmeras pessoas que se declaravam os solucionadores do problema, ouvido miríades de explicações sobre como se teria passado o “milagre” da limpeza das notas que eu tinha depositado…restava-me um cansaço infinito, um desânimo grande e uma enorme incredulidade de mais esta tentativa.
A sensação de raiva e de vontade de fazer pagar com a cadeia, ou pancada que escangalhasse o canastro e reduzisse à sua insignificância de patifes impunes, os meliantes que me foram sucessivamente aldrabando tinham criado em mim um sentimento de desprezo pela raça humana em geral, nomeadamente daqueles que passavam a vida a burlar terceiros sem serem castigados.
Tornei-me num homem frio, de poucas palavras, e com uma cara hirta e tesa, com um ar pouco simpático.
Foi nestes preparos que chegámos à vilória perto de Aveiro. Procurámos a casa que nos tinha sido indicada e arrumámos o carro.
O meu amigo tocou à campainha da porta de uma moradia suja, sem nenhum interesse arquitectónico, pior do que uma casa de emigrantes. Indiciava de imediato que o negócio das “notas” não deveria ser flamante! Tinham-nos dito que o amante negociava em carros de luxo em segunda mão. Tudo um horror!
Veio à porta um homem sem nenhum detalhe que valha a pena descrever excepto uma barriga grande com uma camisa branca aberta no colarinho, mas que saía das calças desajeitadamente! Devia ser o negociante de carros!
O meu amigo fez-me um sinal discreto para eu avançar e saí então do carro, qual caixeiro viajante, com um saco que continha a pasta e a garrafa, mas que era daqueles de viagem, suficientemente grande para nele caber o respectivo conteúdo, sem levantar nenhuma suspeita.
Resmunguei uma boa tarde e ele levou-nos para uma sala no rés-do-chão, aonde pediu que esperássemos.
Apareceu a d. Ermelinda, desgrenhada e desalinhada num roupão de dormir, pedindo desculpa por se apresentar assim, mas que tinha tido uma noite terrível sem dormir e não tinha tido ainda coragem de se aprontar. Disse-lhe que não tinha a menor das importâncias e calei-me.
Fiquei á espera. Disse-me que estava falida, que o amante também pois não se vendiam carros de luxo em 2ª mão, que tinha perdido muito dinheiro no negócio das notas e que tinha a vida desgraçada e sem saber como viver no futuro.
Pediu-me que lhe contasse ao pormenor as minhas desventuras e depois de eu o ter feito dando especial ênfase à minha perplexidade em relação à limpeza “mágica” das notas, da pasta com o papel em forma de dólares com uma tinta preta e a uma garrafa com um “líquido” ineficaz, olhou para mim com um ar cansado e perguntou-me se eu queria saber a verdade.
- É óbvio que sim depois de tudo por quanto eu passei! – disse-lhe agastado.
Pediu-me para lhe dar uma das minhas “notas”, o que fiz, e disse-nos para esperarmos enquanto ia lá acima buscar vários apetrechos.
Quando voltou, pegou num frasco pequeno com um “líquido” parecido com o da minha garrafa e com umas gotas começou a esfregar na “nota”. Passados uns minutos disse-me sem hesitações e com uma voz segura:
- Isto é pura e simplesmente papel preto de origem, recortado no formato de notas de USD 100,00. Pode deitar fora todo o conteúdo dessa mala, pois não lhe serve para nada.
As minhas pulsações subiram desmesuradamente e não reagi durante uns minutos! Ela olhou para mim com piedade e relativa compaixão e perguntou-me quanto tinha pago pelas “notas".
- Patifes! – vociferou com raiva. E acabam sempre por desaparecer e não se sabe para aonde.
Depois, pediu-me a garrafa com o meu “líquido”, foi buscar um papel especial do tipo mata-borrão, que parecia ser de análises químicas e deitou algumas gotas e nada aconteceu.
- Água com alguma mistura de álcool que foi enfraquecendo com o tempo, para dar a sensação de um produto químico. Nem para beber serve, bem pode despejar na pia e desfazer-se da garrafa.
Finalmente, foi buscar umas duas “notas” de papel preto que tirou de uma carteira e de novo com os pingos do seu frasco, começou a limpar devagarinho e as figuras começaram a aparecer até as notas ficarem totalmente limpas e com todos os detalhes visíveis. Eram iguais às minhas, só que de USD 1,00, pois segundo ela acrescentou já nem notas de USD 50,00 tinha.
Aguardei uma explicação para o que acabara de testemunhar, igual ao que se passara comigo anteriormente, e que pela primeira vez vinha de alguém que pouco a pouco se vinha revelando uma pessoa desejosa de tudo elucidar.
Explicou-me que os meliantes têm notas de USD100,00 verdadeiras, mas não em muita quantidade, daí eles não quererem que eu ficasse com elas, e que cobrem com uma substância preta, em tudo semelhante às falsas, ou seja, ao papel preto, tout court.
No meio da confusão de eu os querer ver a “trabalhar” e serem bem sucedidos, mesmo tendo dado “notas” da mala, de puro papel preto, com a prática que têm, passam para cima as verdadeiras e limpam-nas efectivamente com um liquido que era aquele que a d. Ermelinda tinha acabado de utilizar.
Só faltavam mais dois detalhes: como pintavam as notas verdadeiras de preto, praticamente semelhantes às falsas e que “líquido” era aquele que resultava e que as limpava.
Devo dizer que nesse momento sosseguei pois finalmente tudo fazia sentido, apesar das perdas de dinheiro sofridas. Não podia ser bruxedo, nem hipnose, nem nada do que tinha ouvido como explicações até ter encontrado a d. Ermelinda! Tratou-se, da minha parte, de ambição, de nervosismo em me ver metido em situações impensáveis para a minha formação, e…hélas…de duas fatais distracções: uma no meu escritório e a outra no quarto do Hotel Sheraton! É com isso que eles contam…
A d. Ermelinda, respirou fundo e disse-me com uma voz verdadeiramente de dó:
- Sabe eu também perdi muito dinheiro, mas mesmo muito, com isto da limpeza de notas e líquidos e todo o tipo de aldrabões, mas houve um momento em que quis saber mesmo como era. Nem vai acreditar no que lhe vou dizer!
- O líquido compra-se em qualquer farmácia sem receita: é um álcool etílico normal e o pó preto é de giz misturado com um fixante que também pode adquirir em qualquer drogaria. De resto é só aplicar a cada nota e, claro, não deixar o lorpa olhar com atenção e sobretudo fazer comparações. Só sai do bolso no acto de limpar!
Si non è vero, è ben trovato, como dizem os italianos!
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