Chegado a Gatwick dirigi-me ao balcão da British Airways que
fazia o handling da Sierra Leone Airlines.
Apresentei o meu bilhete a uma gigantesca
garota preta, com um uniforme da linha aérea, em que a única coisa que me
lembro era o detalhe de um lenço com as cores da companhia posto à volta do pescoço como se fosse
um cachecol para trás. Em hotesses esbeltas daria seguramente alguma graça e
elegância, mas com aquele pescoção, ficava um horror!
Sobretudo a parte que mais me preocupava era o tamanho da
aeronave, com capacidade talvez para umas 100 a 120 pessoas e os pilotos…Santo
Deus! Arrependi-me mil vezes de ter cedido a um dever “patriótico” de voar na
companhia do país que me “convidava”, mas fiquei um pouco mais reconfortado quando
me disseram que eram jordanos! Sempre seriam melhores e com mais experiência, pensei para mim, sei lá se com justeza!
Eu era o único branco a bordo e como teria o Chefe do Protocolo de
Estado à minha espera no aeroporto de Freetown, achei que devia ir de fato e
gravata. Pensei nas mordomias do avião presidencial americano “Air Force One” e
de como teria mil vezes preferido ir de jeans e tee-shirt e quase à chegada,
tomar um duche e sair impecável pelas escadas abaixo, num certo passo de
corrida.
Dizem-me que por causa do eleitorado feminino americano, os
Presidentes, quando viajam e saem dos aviões têm que descer lépidos as escadas,
aparentando energia e leveza para atraírem sexualmente as suas potenciais votantes! Só na América!
Começou o embarque e qual não é o meu espanto quando me
apercebo que os passageiros vinham carregados de galos e galinhas dentro
daqueles cestos de vime iguais aos de cá, com a cabeça e cristas de fóra
(pensei como seria bucólico acordar nos ares ao som de um cócóricócó das
galinhas inglesas, coitadas, com as horas trocadas por cima do Atlântico), ovos
e todo o tipo de comida possível e inimaginável, pois, como me explicaram, eram
estes produtos muito mais baratos no Reino Unido e nas terras deles lá para o interior, tudo isto
era um luxo e nem sempre havia.
Fiquei como sempre numa cadeira de coxia (manias de
claustrofobia e no fundo tenho sempre mais espaço para estender as pernas) e os meus
vizinhos eram um casal novo com imensas compras das referidas acima, que não se
calavam um minuto. Riam-se muito para mim com um ar simpático e eu lá lhes
retribuía, calado, pois teríamos tempo de conversar, estava seguro, pois com
tanta bicharada de capoeira por cima da cabeça, a noite seria passada em branco
– uma directa!
De facto, às tantas perguntaram-me se era a primeira vez que
visitava o seu país ao que respondi afirmativamente, o que lá ia fazer e por
quanto tempo. Acedi a revelar o meu estatuto diplomático e aproveitei para lhes
fazer umas perguntas de algibeira, pois tinha conseguido coligir muito pouca
informação sobre a Serra Leôa.
Assim, ele era filho de um “paramount chief ” de uma tribo
grande no interior e tendo-lhe eu perguntado quais eram verdadeiramente as
funções e o estatuto desse título, foi com orgulho que ele respondeu que eram “príncipes
ou reis” como os de Inglaterra e que tinham enormes poderes sobre os seus
súbditos.
Tinham que arbitrar disputas, tratar dos casamentos
arranjados e de órfãos e viúvas, assegurar a comida e a defesa para toda a
tribo, representá-la junto das autoridades e de outras tribos, e serem servidos,
não por uma certa forma de escravatura mas como compensação de tudo a quanto se
dedicavam com altruísmo e sabedoria de gerações em gerações que passavam de
pais para filhos.
Havia toda uma organização administrativa local espontânea,
que funcionava e quando alguém não era apto para o cargo, era substituído
pelo familiar mais próximo, depois de testadas as suas capacidades.
Eram
assistidos pelo curandeiro/feiticeiro que funcionava como o médico local e por
toda uma série de cargos menores que se ocupavam da descentralização das
funções da cúpula.
Achei tudo aquilo muito interessante e fiquei muito honrado
quando depois de uma boa hora de conversa, o meu vizinho me convidou para
visitar a aldeia dele e o seu pai, a que acedi com prazer e reconhecimento.
A dita hospedeira veio-me perguntar se eu jantava e tendo-me
posto uma mixórdia à frente, confessei-lhe que estava enjoado e me sentia muito
cansado. Achei,só pelo aspecto e cheiro, incomestível. Os meus vizinhos
perguntaram-me polidamente se eu me importava de lhes ceder a minha porção o que
fiz com todo o gosto.
Depois tombei num sono reparador, ainda que com um barulho
de fundo cada vez menor de galináceos desassossegados pois deviam estranhar o ruído dos motores, bem diferente de uma pequena quinta verdejante em Leeds,
digo eu, aonde com tranquilidade punham os seus ovos e galavam os ditos galos.
(continua)
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