terça-feira, 25 de setembro de 2012

Episódios picarescos da visita oficial à Serra Leôa - a viagem (parte 2)




Chegado a Gatwick dirigi-me ao balcão da British Airways que fazia o handling da Sierra Leone Airlines.

Apresentei o meu bilhete a uma gigantesca garota preta, com um uniforme da linha aérea, em que a única coisa que me lembro era o detalhe de um lenço com as cores da companhia posto à volta do pescoço como se fosse um cachecol para trás. Em hotesses esbeltas daria seguramente alguma graça e elegância, mas com aquele pescoção, ficava um horror!

Sobretudo a parte que mais me preocupava era o tamanho da aeronave, com capacidade talvez para umas 100 a 120 pessoas e os pilotos…Santo Deus! Arrependi-me mil vezes de ter cedido a um dever “patriótico” de voar na companhia do país que me “convidava”, mas fiquei um pouco mais reconfortado quando me disseram que eram jordanos! Sempre seriam melhores e com mais experiência, pensei para mim, sei lá se com justeza!

Eu era o único branco a bordo e como teria o Chefe do Protocolo de Estado à minha espera no aeroporto de Freetown, achei que devia ir de fato e gravata. Pensei nas mordomias do avião presidencial americano “Air Force One” e de como teria mil vezes preferido ir de jeans e tee-shirt e quase à chegada, tomar um duche e sair impecável pelas escadas abaixo, num certo passo de corrida. 

Dizem-me que por causa do eleitorado feminino americano, os Presidentes, quando viajam e saem dos aviões têm que descer lépidos as escadas, aparentando energia e leveza para atraírem sexualmente as suas potenciais votantes! Só na América!

Começou o embarque e qual não é o meu espanto quando me apercebo que os passageiros vinham carregados de galos e galinhas dentro daqueles cestos de vime iguais aos de cá, com a cabeça e cristas de fóra (pensei como seria bucólico acordar nos ares ao som de um cócóricócó das galinhas inglesas, coitadas, com as horas trocadas por cima do Atlântico), ovos e todo o tipo de comida possível e inimaginável, pois, como me explicaram, eram estes produtos muito mais baratos no Reino Unido e nas terras deles lá para o interior, tudo isto era um luxo e nem sempre havia.

Fiquei como sempre numa cadeira de coxia (manias de claustrofobia e no fundo tenho sempre mais espaço para estender as pernas) e os meus vizinhos eram um casal novo com imensas compras das referidas acima, que não se calavam um minuto. Riam-se muito para mim com um ar simpático e eu lá lhes retribuía, calado, pois teríamos tempo de conversar, estava seguro, pois com tanta bicharada de capoeira por cima da cabeça, a noite seria passada em branco – uma directa!

De facto, às tantas perguntaram-me se era a primeira vez que visitava o seu país ao que respondi afirmativamente, o que lá ia fazer e por quanto tempo. Acedi a revelar o meu estatuto diplomático e aproveitei para lhes fazer umas perguntas de algibeira, pois tinha conseguido coligir muito pouca informação sobre a Serra Leôa.

Assim, ele era filho de um “paramount chief ” de uma tribo grande no interior e tendo-lhe eu perguntado quais eram verdadeiramente as funções e o estatuto desse título, foi com orgulho que ele respondeu que eram “príncipes ou reis” como os de Inglaterra e que tinham enormes poderes sobre os seus súbditos. 

Tinham que arbitrar disputas, tratar dos casamentos arranjados e de órfãos e viúvas, assegurar a comida e a defesa para toda a tribo, representá-la junto das autoridades e de outras tribos, e serem servidos, não por uma certa forma de escravatura mas como compensação de tudo a quanto se dedicavam com altruísmo e sabedoria de gerações em gerações que passavam de pais para filhos.

Havia toda uma organização administrativa local espontânea, que funcionava e quando alguém não era apto para o cargo, era substituído pelo familiar mais próximo, depois de testadas as suas capacidades. 

Eram assistidos pelo curandeiro/feiticeiro que funcionava como o médico local e por toda uma série de cargos menores que se ocupavam da descentralização das funções da cúpula.

Achei tudo aquilo muito interessante e fiquei muito honrado quando depois de uma boa hora de conversa, o meu vizinho me convidou para visitar a aldeia dele e o seu pai, a que acedi com prazer e reconhecimento.

A dita hospedeira veio-me perguntar se eu jantava e tendo-me posto uma mixórdia à frente, confessei-lhe que estava enjoado e me sentia muito cansado. Achei,só pelo aspecto e cheiro, incomestível. Os meus vizinhos perguntaram-me polidamente se eu me importava de lhes ceder a minha porção o que fiz com todo o gosto.

Depois tombei num sono reparador, ainda que com um barulho de fundo cada vez menor de galináceos desassossegados pois deviam estranhar o ruído dos motores, bem diferente de uma pequena quinta verdejante em Leeds, digo eu, aonde com tranquilidade punham os seus ovos e galavam os ditos galos.

(continua)

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